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Ainda e sempre as mais-valias mobiliárias

O Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal, instituído por despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, apresentou no passado dia 13 de Outubro o relatório que resulta do trabalho efectuado ao longo de cerca de 9 meses. Um dos pontos...

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O Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal, instituído por despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, apresentou no passado dia 13 de Outubro o relatório que resulta do trabalho efectuado ao longo de cerca de 9 meses.

Um dos pontos abordados no relatório prende-se com a tributação do rendimento das pessoas singulares. Neste contexto, uma das propostas apresentadas vai no sentido de que os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias sejam subtraídos ao englobamento obrigatório, passando a ser tributados a uma taxa única, que rondará os 20%. Esta alteração, a ser aceite, representará uma mudança significativa do regime fiscal actualmente aplicável às mais-valias obtidas com a alienação de valores mobiliários, passando a sujeitá-las a tributação.

Hoje em dia, a generalidade das mais-valias auferidas por pessoas singulares residentes não é tributada, dada a exclusão de tributação das mais-valias que resultam da alienação de acções detidas há mais de 12 meses, bem como das resultantes da alienação de obrigações e outros títulos de dívida, independentemente do respectivo prazo de detenção. As mais-valias referentes a acções detidas por período inferior ao referido estão sujeitas a uma taxa especial de 10%, incidente sobre o saldo entre mais e menos-valias realizadas no período de tributação.

No passado, já a Lei nº 30-G/2000 tinha tentado introduzir alterações ao Código do IRS no que diz respeito à tributação das mais-valias mobiliárias. Nos termos da referida Lei, estaria excluído de tributação o saldo positivo inferior a €997,60, embora devendo o respectivo montante ser objecto de englobamento obrigatório para determinação da taxa de imposto aplicável aos restantes rendimentos. Nos restantes casos, a tributação seria efectuada mediante englobamento obrigatório. O regime de tributação previsto nesta Lei nunca chegou, todavia, a vigorar.

Recorde-se que o dilema quanto à tributação das mais-valias mobiliárias também já foi, no passado, abordado nos relatórios de outras comissões de estudo e revisão fiscal, criadas em 1994, 1997 e 1998. É de assinalar que todos os grupos de trabalho referidos recomendaram a tributação efectiva das mais-valias mobiliárias, embora com a devida cautela. Assim, foi sempre salvaguardado que a tributação das mais-valias mobiliárias não deveria efectuar-se através da sua sujeição ao englobamento obrigatório, devido às elevadas taxas progressivas de IRS e à necessidade de salvaguardar o desenvolvimento do mercado de capitais.

A dificuldade do tema da tributação das mais-valias mobiliárias resulta, fundamentalmente, do facto de qualquer decisão a este respeito se situar numa encruzilhada entre equidade e competitividade fiscal.

Por um lado, é incontestável que o actual regime de tributação das mais-valias viola os princípios da equidade e da tributação de acordo com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos. O IRS tem vindo, desde a sua introdução em 1989, a conceder um tratamento fiscal bastante favorável às mais-valias mobiliárias, sobrecarregando, em contrapartida, os rendimentos de outras categorias, tais como os derivados do trabalho dependente, da actividade empresarial e profissional, e das pensões. Contudo, não pode também esquecer-se que uma tributação mais pesada das mais-valias mobiliárias, a ser implementada, envolve o risco de contribuir para a fuga de investimentos para outras jurisdições. Aliás, a facilidade de deslocalização dos investimentos geradores de mais-valias mobiliárias, comparada com a muito menor susceptibilidade de deslocalização dos rendimentos do trabalho, é precisamente um dos motivos que tem contribuído para o panorama actual - pautado por uma diferença tão significativa de tributação entre um e outro tipo de rendimentos.

Deste modo, embora o regime actual seja pouco justo - pautado por uma excessiva amplitude da não sujeição das mais-valias mobiliárias a tributação, e por uma taxa de imposto bastante reduzida, de 10%, nos poucos casos em que existe sujeição a tributação - qualquer alteração deverá ponderar um conjunto de aspectos. Designadamente, há que salvaguardar a competitividade fiscal de Portugal, em termos internacionais. Para tal efeito, parece-nos que o alargamento da base tributável e a subida de taxa de tributação, agora equacionados para as mais-valias mobiliárias, poderão ter de vir a ser conjugados com a previsão de benefícios fiscais ou de mecanismos de protecção de investimentos realizados numa perspectiva de longo prazo (por exemplo, a criação de um regime de exclusão parcial de tributação condicionada à realização de reinvestimento).


Advogada especialista em Direito Fiscal - Departamento Fiscal da SRS Advogado

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