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Agulha num palheiro

A ideia de financiar uma empresa que pretende dedicar-se à venda de tremoços no mercado britânico é susceptível de provocar um franzir de testa a qualquer gestor de uma empresa de capital de risco.

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A ideia de financiar uma empresa que pretende dedicar-se à venda de tremoços no mercado britânico é susceptível de provocar um franzir de testa a qualquer gestor de uma empresa de capital de risco. Não admira. No país que anda em busca das promessas de futuro de um "choque tecnológico", um negócio baseado num produto tradicional de escasso valor acrescentado e que é oferecido nas cervejarias portuguesas como complemento para um rodada de imperiais, é um projecto que parece, no mínimo, bizarro.

E, no entanto, é este o plano de Bruno Rodrigues, candidato a empresário que não quer fazer a coisa por menos: a começar pelos tremoços, alimenta o objectivo último de erguer a maior empresa de aperitivos do mundo, como confessa na edição de hoje do Jornal de Negócios. Conhecendo-se o conservadorismo e a aversão à incerteza das empresas que actuam no mercado português sob o rótulo pouco apropriado do "capital de risco", percebem-se as dificuldades que Bruno Rodrigues tem enfrentado para encontrar quem leve a sério os seus sonhos e o seu plano de negócios.

Antes, ainda, da escassa disponibilidade para investir, é nos preconceitos que está um dos pecados originais do capital de risco em Portugal. A imagem superficial da actividade que vai chegando de fora é a de que inovação apenas rima com novas tecnologias e que o único casamento de sucesso que o capital de risco pode fazer é com estes parceiros. O facto de haver, no país, um número crescente de jovens investigadores que querem ser empresários e que vão conseguindo concretizar os seus projectos é positivo. Mas, por vezes, a míngua de recursos disponíveis e de vontade para arriscar deixa de fora planos de negócio que não se inscrevem nas modas do momento.

É um erro, porque entre muitas das histórias mais exemplares que podem ser citadas quando se procuram casos de sucesso que nasceram e cresceram com a ajuda de capital de risco, encontram-se negócios tradicionais, simplesmente reinventados para resultarem num novo conceito. A Starbucks é um caso. E não deixa de ser curioso que a Amazon, uma das "dotcom" de referência a nível global, deva a sua implantação ao facto de ter conjugado as potencialidades do comércio electrónico com a venda de livros. Isto é, o género de produto de tal forma tradicional que a sua morte já foi anunciada em diversas ocasiões, embora com evidente exagero, como a realidade demonstra.

O discurso oficial louva as virtudes do empreendedorismo, mas a prática está recheada de obstáculos. Veja-se o exemplo da Bioalvo. Actua no sector farmacêutico, exigente e competitivo, onde o trunfo decisivo está na disponibilidade de recursos para investigar, actividade sem a qual não é possível lançar novos produtos. A empresa anda em busca de 5,5 milhões de euros. Trata-se de uma gota de água entre as verbas chorudas que têm sido anunciadas para ajudar as pequenas e médias unidades a enfrentar as ameaças da crise. Ainda assim, os respectivos responsáveis revelam que a tarefa está a ser tão complexa como encontrar uma agulha num palheiro. No limite, admitem, uma das possibilidades é a de tentar encontrar financiador noutro mercado e, de caminho, deslocalizar o negócio.

O problema essencial do capital de risco em Portugal está no facto de ser demasiado parecido com o país. Numa actividade que era suposto ser um motor de mudança, avança--se a medo, investe-se pouco e pedem-se resultados elevados e rápidos, muitas vezes quando as empresas ainda estão na sua primeira infância.

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