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Agora, a vez da Alemanha... e nós?!

O recente anúncio, por parte do Chanceler Gerhard Schröder, de baixar ainda este ano o imposto sobre os resultados das empresas de 25% para 19% e de simplificar o sistema fiscal alemão, ...

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O recente anúncio, por parte do Chanceler Gerhard Schröder, de baixar ainda este ano o imposto sobre os resultados das empresas de 25% para 19% e de simplificar o sistema fiscal alemão, para além do simbolismo que acarreta, significa a irreversibilidade da tendência de descida da tributação sobre as empresas que os países do leste da Europa, hoje membros da União Europeia, tinham já começado a propagar à antiga UE-15 (casos da Finlândia e da Holanda), descontando o caso da Irlanda, o verdadeiro precursor (europeu) nesta matéria.

Trata-se de um gesto simbólico porque, (i) na verdade, a tributação sobre as empresas na Alemanha, contando com os impostos regionais e locais descerá de 38.7% para 32.7%, permanecendo ainda acima quer dos valores médios da UE-15 (31,4%), quer da UE-25 (27,4%) no ano passado - mas deixa de ser a mais elevada, descendo abaixo da Itália (37,3%) e da França (35,4%); e (ii), porque a eliminação de diversos benefícios, deduções e isenções fiscais, numa ofensiva para simplificar o sistema fiscal alemão deverá assegurar que a receita fiscal não diminua (quem se esquece dos problemas orçamentais que a Alemanha, a exemplo de Portugal, também atravessa?). Mas é indubitavelmente um sinal positivo para os investidores e representa também uma alteração radical da filosofia alemã, que até agora consistia em combater - por exemplo, pela ameaça de cortes nos fundos europeus - a concorrência fiscal dos países do leste europeu. «Se não os podemos vencer, juntemo-nos a eles» - terá pensado o Sr. Schröder, justificando com os níveis do desemprego (mais de 5 milhões de pessoas, o mais elevado desde a segunda guerra mundial) e a deslocalização de empresas para o leste (por força de motivos como, por exemplo, a fiscalidade mais competitiva), o anúncio de um «pacote» de medidas pró-crescimento e pró-criação de emprego, de que ressalta esta alteração na fiscalidade.

Fez bem o Sr. Schröder, quanto a mim. Percebeu a realidade. Julgo que já há mais tempo o devia ter feito - mas lá diz o ditado, «mais vale tarde que nunca». Mal vai quem ainda não percebeu que esta tendência na fiscalidade é mesmo para ficar, e a desdenha. E, tratando-se da Alemanha, é uma questão de tempo até que esta realidade se generalize pela UE-15.

Mas Schröder foi ainda mais longe, decidindo incumbir o Comité Alemão de Sábios Económicos de apresentar até Outubro uma profunda reforma do sistema fiscal alemão. Não querendo fazer futurologia, sou capaz de apostar que esta reforma aproximará o sistema fiscal germânico do que já vigora em países do leste europeu como a Estónia (desde 1991), a Letónia (1994), a Lituânia (1994), a Eslováquia (2004), a Roménia (2005), a Rússia (2001), a Ucrânia (2003) ou a Sérvia (2003) - sendo que estes cinco últimos ainda nem sequer aderiram à UE! -, e que a Polónia e a Hungria adoptarão em breve. E que é um regime fiscal muito simples, praticamente sem deduções ou benefícios, e baseado numa taxa única (flat rate) para o IRC, o IRS e o IVA. Geralmente, esta taxa única acaba por ser baixa (inferior a 20%), o que por si só desincentiva a fraude e a evasão fiscais (basta o leitor pensar por si: se ganhar 100 unidades monetárias, o pagamento de um imposto de 15% ou de 30%, por exemplo, fará toda a diferença sobre a possibilidade de correr o risco e julgar compensadora uma eventual fuga...). E o seu nível, em alguns casos, foi determinado de molde a não perder receita (por exemplo, na Eslováquia os 19% foram obtidos depois de pedidas estimativas ao FMI, ao INE local, aos próprios serviços do Ministério das Finanças e a um comité de especialistas criado para o efeito).

Por outro lado, é claro que o quase desaparecimento dos benefícios, deduções e isenções facilitou imenso a tarefa de vigilância das administrações fiscais, ajudando igualmente a combater (mais) eficazmente a fraude e a evasão.

Globalmente é, pois, maior a probabilidade de aumentar a receita. Que será, depois, canalizada para ajudas e apoios directos aos grupos da sociedade que se pretende beneficiar - deixando a redistribuição do rendimento de ser feita através do sistema fiscal, como hoje acontece (e erradamente, porque o sistema fiscal deve ser simples e concentrar-se na angariação de receita).

E para os mais cépticos, que desconfiem, por exemplo, da progressividade da tributação em sede de IRS, basta atentar que, num sistema deste género, até um determinado rendimento ninguém é tributado; acima desse nível, toda a parcela remanescente é tributada à mesma taxa - o que significa que quanto mais se ganha, maior é a taxa efectivade imposto, isto é, o sistema é progressivo. O gráfico anexo (ver edição do Jornal de hoje) ilustra a situação na Eslováquia, em que até 50% do salário médio da economia ninguém é tributado; a partir daí, todo o remanescente é tributado a 19%.

Como refere Steve Forbes, dono e director da famosa Forbes Magazine, a propósito do caso eslovaco, «(...) a Eslováquia será a próxima Irlanda ou Hong Kong - um pequeno país que se tornará num verdadeiro potentado económico. Poderá despoletar o efeito dominó que transformará o resto da UE num espaço mais livre e empreendedor para as empresas (...)». Para o que, acrescento eu, a decisão do Sr. Schröder veio dar um valente e decisivo empurrão.

E Portugal?

Infelizmente, na anterior legislatura, não se cumpriu a promessa (que, como se sabe, me era tão cara...) de descer, no Orçamento do Estado para 2003, o IRC de 30% para 20% - o que seria um primeiro passo no caminho certo -, tendo apenas esta taxa sido reduzida para 25% no OE’2004. E assim, como houve eleições antecipadas em Fevereiro último, as expectativas dos agentes acabaram por ser defraudadas. Mas não posso deixar de recordar a reforma da tributação do património imobiliário, com uma simplificação e descida de taxas que levaram a que, no primeiro ano de efectividade, a receita nesta área tenha aumentado, comprovando as ideias atrás defendidas.

Não pertenço à família política do actual Governo comandado por José Sócrates, mas não tenho problema algum em apoiar uma maior qualificação dos recursos humanos e um uso mais intensivo das novas tecnologias (o famoso «plano tecnológico»), nem a desburocratização da nossa economia em todas as suas vertentes, por exemplo. Agora, o que não posso é concordar com o papel que se atribui à política fiscal no Programa do Governo. Desde logo, porque são promovidos muitos benefícios fiscais e situações de excepção, complicando ainda mais o já de si emaranhado legal que é o nosso sistema fiscal - numa actuação contrária ao que se faz lá fora e que é uma prática desaconselhada, por exemplo, pela OCDE. Mas também, e sobretudo, porque a vertente da competitividade fiscal é absolutamente esquecida - o que não devia acontecer.

Porque, como já referi, é uma área com importância crescente na esfera internacional.

Porque até já a Alemanha (com um Primeiro-ministro que, por acaso, até é socialista...) o percebeu - e sem dúvida levará atrás de si o resto da UE-15.

E porque uma pequena economia periférica como é Portugal, e que possui tantas desvantagens noutros campos face à maioria dos países europeus (qualificação dos recursos humanos, legislação laboral, burocracia no ambiente empresarial, na administração pública, na justiça e no licenciamento industrial, por exemplo), não pode deixar de ser atractivo fiscalmente. Até porque se trata de uma área em que uma actuação como a que atrás refiro provoca efeitos positivos mais rápidos sobre a dinamização do investimento e da actividade, o crescimento económico e a criação de emprego (não é um objectivo do recém empossado Governo criar 150 mil postos de trabalho até 2009?) do que, por exemplo, qualquer «plano tecnológico», cujos resultados nunca serão visíveis em menos de 10 anos, já com boa vontade... E em que, ao invés do que muitas vezes se diz, até se pode nem perder receita, bem pelo contrário...

O resultado, se não se actuar como já devia ter sido feito, será, como o leitor já terá percebido, contribuir para colocar Portugal mais longe dos níveis de bem-estar mais elevados da Europa.

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