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17 de Setembro de 2012 às 23:30

Agente federal das Finanças

Estamos a dar-nos conta do que é trabalhar quase exclusivamente para liquidar juros e capital da dívida externa e manter um Estado capturador e capturado: chama-se a isto empobrecimento colectivo.

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O mundo mudou, como alguém afirmou. Portugal ainda não mudou! E não o vai fazer tão cedo. As recentes reacções testemunham-no. Julgamo-nos livres, mas estamos oprimidos pelos credores que nos cercam. Revoltamo-nos como se tivéssemos recursos próprios para o motim, assumindo que a rica e desafogada Europa política e das opiniões públicas mesquinhas ampara incondicionalmente o nosso fado. É a armadilha deste debate.

Qualquer argumento neste momento é aceitável para condenar as últimas decisões do Governo acarinhadas pela troika: conhecidos e anónimos cidadãos, amigos e familiares assistem a uma real redução do seu bem-estar. Perante dramas humanos que se criam, a racionalidade ou oportunidade das medidas serão sempre contestáveis. O País divide-se agora erradamente entre os impiedosos e os solidários, os experimentalistas e os das soluções óbvias, entre os austeros ideologizados e os nobres pródigos, entre os defensores de baixos e os de elevados salários.

Perdemos memória: de PEC em PEC disputado vírgula a vírgula entre os partidos, ofereceram-nos um exigente memorando obrigatório. Os papéis entre poder e oposições reverteram-se. E a cena repetir-se-á se nos afastarmos dos compromissos. Quer fazer-se política ao arrepio da realidade financeira do País. Só vamos ter desilusões. Os amuos e diferenças na coligação, as iras da oposição, e o lamento legítimo das vítimas da austeridade dificilmente modificarão o rumo.

A ambição de termos os Estados Unidos da Europa como solução da crise tem já um agente da federação no Governo: o ministro das Finanças. O primeiro-ministro e o País estão espartilhados entre o ministro que representa também os interesses financeiros da federação e os compromissos internacionais, os ministros da política de mão vazia, e os naturais interesses da sociedade. Estamos a dar-nos conta do que é trabalhar quase exclusivamente para liquidar juros e capital da dívida externa e manter um Estado capturador e capturado: chama-se a isto empobrecimento colectivo.

As medidas seleccionadas, nalguns casos, revelam alguma inépcia do Governo. O contrato definitivo é diferente do prometido. Queríamos domadores da despesa pública, temos opressores fiscais, enquanto não contivermos o Estado social e erradicarmos o Estado dos interesses.

Num estudo denominado Missão Crescimento, promovido pelo Fórum de Administradores de Empresas, Ordem dos Economistas, Ordem dos Engenheiros, Projecto Farol (Deloitte), e CIP dizíamos: "a génese da crise de crescimento em Portugal radica ainda no modo como se processou a articulação entre política, economia e sociedade ao longo de décadas – a incongruência entre as políticas públicas e as exigências de financiamento quetais políticas implicam tornou-se insustentável. Por outro lado, a subtracção de recursos à sociedade pela via de acréscimos de impostos com o propósito de refinanciar essas políticas esbarrará na estagnação e regressão da economia real. Enquanto se mantiver esta configuração distorcida, não ocorrerá crescimento em Portugal".

Paralelamente, o senhor Krugman e o senhor Stiglitz avisaram-nos que as políticas europeias não iriam surtir efeito imediato no crescimento e na diminuição do peso da nossa dívida. E o desemprego iria acelerar. Os números actuais provam-no. Não temos recursos para políticas expansionistas, a não ser que a Europa desperte e a Senhora Merkel e seguidores se queiram tornar keynesianos tardios ou afrouxem na sua obsessão monetária.

A reorientação da economia para o exterior, isto é, crescer sem o suporte do consumo interno e ter salários ajustados à competitividade externa está inscrita na solução para o País, qualquer que seja o tabuleiro político e social.

Os que estão de acordo com a primeira afirmação dos Nobel desconfiaram, em geral, da sua segunda: os salários em Portugal vão ter que reduzir significativamente. Juntámos penosamente desendividamento com necessidade de competitividade salarial sem moeda própria. Aqueles que querem cavalgar no descontentamento falam-nos em alternativas. Precisamos de explicações convincentes.

Estamos incrédulos com as medidas. A história repete-se. Naturalmente que fulminaremos os mensageiros. E o vicioso círculo repetir-se-á? Talvez não. A descontinuidade política e social vai ocorrer. Suspeito que se reforçará o poder do agente federal. Se os actuais líderes do poder e oposição não se entreajudarem, descobriremos que outros, melhores e diferentes, construirão o futuro que merecemos.

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