Opinião
A solidão da Sérvia
Cumprida a obrigação de três anos de espera e aceite a regra de 55 por cento de votos favoráveis de recenseados para dissolução da União Sérvia-Montenegro, assim que surgiu a oportunidade o primeiro-ministro do Montenegro Milo Djukanovic fez valer o compr
Durou três anos a união forçada que o alto comissário europeu para a política externa Javier Solana impôs à Sérvia e ao Montenegro. Foi uma união de conveniência sem hino ou bandeira comuns. Uma Solania sem moeda, nem alfândegas partilhadas.
Cumprida a obrigação de três anos de espera e aceite a regra de 55 por cento de votos favoráveis de recenseados para dissolução da União Sérvia-Montenegro, assim que surgiu a oportunidade o primeiro-ministro do Montenegro Milo Djukanovic fez valer o compromisso de referendo pela independência.
Do ponto de vista pessoal Djukanovic averbou um êxito de vulto. Iniciado nas juventudes comunistas da república, chegou a primeiro-ministro em 1991, aos 29 anos, com a bênção de Slobodan Milosevic. Levou seis anos a distanciar-se do regime de Milosevic e a fazer-se eleger presidente montenegrino ainda no quadro da República Federal da Jugoslávia constituída em 1992. Em 2000 apostava na cartada da independência e, desde então, contando com a intransigência dos sucessivos dirigentes sérvios, a sua acção, incluindo o retorno à chefia do governo em 2002, visou exclusivamente criar condições para uma secessão pacífica.
O investimento no turismo, os capitais que chegam da Rússia e muito em especial o interesse do oligarca russo Oleg Deripaska em investir na fábrica de alumínio de Podgorica, na central térmica de Pljevlja, além das minas de bauxite e carvão, juntaram-se aos proventos da maior rede de contrabando de tabaco do Adriático, operando a partir do porto de Bar, para criar expectativas e poupar a economia do Montenegro às maiores agruras sentidas na Sérvia.
Agora, Bruxelas terá de honrar a palavra e abrir negociações com o Montenegro para um acordo de associação e estabilização assim que Podgorica e Belgrado formalizarem a separação. Não há muito para dividir, mas o Montenegro terá de garantir o acesso da Sérvia ao Adriático pois reza a história que um estado que perca o seu único acesso ao mar jamais perdoará a afronta como bem o atesta, por exemplo, o irredentismo da Bolívia desde a perda da província de Antofagasta para o Chile em 1884.
Em prol da estabilidade a União Europeia terá, portanto, de conseguir que o Montenegro ofereça assim condições condignas à Sérvia para acesso ao Mediterrâneo, tanto mais que em Belgrado o primeiro-ministro Vojislav Kostunica se tem feito eco da maior intransigência em relação aos independentistas montenegrinos.
Outro choque para a Sérvia
A Sérvia confronta-se com mais um traumatismo de vulto que augura o pior para o que irá acontecer quando se concretizar a separação da província albanesa do Kosovo, tida como o berço histórico da nação sérvia.
Apesar do reino de Montenegro, com uma tradição de autonomia secular e resistência acirrada ao domínio otomano, só ter sido absorvido pela Sérvia em 1918 e, gozar de autonomia administrativa nas subsequentes entidades estatais sob controlo maioritário sérvio, a partilha da mesma herança cultural levou a maior parte dos políticos e intelectuais sérvios a assumirem a união política como um dado adquirido.
Ao perder o controlo de um território tido como parte integrante do estado pivot do sul dos Balcãs, o sentimento de isolamento sérvio acentua-se, precisamente na altura em que se encontram suspensas as negociações com Bruxelas pela conivência das suas polícias e serviços secretos com criminosos de guerra a monte como Ratko Mladic.
Um sentimento nacionalista em alta depois das guerras dos anos noventa é algo de muito pouco desejável na Sérvia que tem problemas com a minoria húngara da Voivodina, no norte do país, e questões muito mal resolvidas com as vizinhas Macedónia e Bósnia-Herzegovina, mas surge como algo de irremediável.
O Grupo de Contacto – Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Rússia e Estados Unidos – pretende impor um compromisso até ao final deste ano sobre a formalização das condições de independência do Kosovo, partindo do pressuposto expresso publicamente de que os albaneses, 90 por cento dos cerca de dois milhões de habitantes da província, têm o direito de se separar de Belgrado.
As negociações abertas em Fevereiro pressupõem, ainda, que a província, protectorado internacional há sete anos, seja obrigada a criar instituições de segurança e judiciais sob supervisão externa, tenha interdita a possibilidade de eventual confederação, federação ou integração com a Albânia e mantenha a integridade territorial de forma a obstar a um efeito dominó de partilha étnica na Macedónia e na Bósnia-Herzegovina.
O exemplo do Montenegro vem, no entanto, evidenciar que a «soberania limitada» da província poderá vir a revelar-se uma mera solução de recurso, condenada a prazo, independentemente das garantias que venham a obter as minorias não-albanesas, essencialmente os cerca de 80 mil sérvios que ainda aí residem, e dos termos de protecção e livre acesso aos santuários e templos da Igreja ortodoxa no Kosovo.
Risco Nacionalista
A verdade é que os Balcãs, tirando a Eslovénia, continuam a ser uma zona de grande tensão e desarmonia étnica e que só a perspectiva de integração na União Europeia e adesão à NATO vai evitando o retorno dos demónios que alimentaram as guerras nacionalistas. O consenso de que não é possível isolar ou abandonar num limbo a faixa ocidental dos Balcãs, confronta-se com o impasse institucional da União e a indefinição sobre o financiamento dos programas de desenvolvimento para os países mais pobres da Europa.
Dificilmente haverá sincronismo entre os processos de autonomização e independência política e os possíveis acordos de associação ou integração na União Europeia o que alimenta a potencial radicalização nacionalista nos Balcãs.
Aos nacionalistas sérvios nem sequer valem de consolo as declarações de Vladimir Putin de que o compromisso a aplicar no Kosovo implica o respeito por «princípios únicos e universais» na resolução de conflitos étnico-nacionais pois o empenho diplomático russo nos Balcãs, tem como contrapartida cedências da União Europeia no caso do apoio de Moscovo aos secessionistas da Transdnistria, na Moldova, da Abkázia, na Geórgia, ou às reivindicações das minorias russas nos estados bálticos.
A solidão da Sérvia, que vê esvair-se o estatuto de potência regional, vai atingir o paroxismo bem perto do final deste ano quando ganhar contornos claros a perda do Kosovo.