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A Sociedade e as Universidades

É comum ouvir dizer a alguns dos jovens asiáticos que aspiram a um melhor nível de vida que ambicionam estudar numa universidade americana mas que prefeririam depois viver na Europa. Este tipo de opiniões sintetiza, por um lado, a atractividade da Europa,

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Este tipo de opiniões sintetiza, por um lado, a atractividade da Europa, como sociedade, para o resto do Mundo, e, por outro lado, a capacidade que as universidades americanas têm para atrair jovens de elevado potencial de todo o mundo.

As universidades são talvez as instituições onde existe maior diferenciação entre a Europa e os Estados Unidos.

As diferenças podem ser sumariadas em três dimensões. Em primeiro lugar, as grandes universidades americanas são mais integradas. Os alunos dos vários cursos e faculdades convivem mais entre si. Há uma vida estudantil que não se esgota nos cursos frequentados. A população estudantil é mais heterogénea em termos de etnia, cultura e "background". Acresce que muitos jovens deixam de viver com os pais nesta fase da sua vida, o que transforma a ida para a universidade num ritual que simboliza a passagem para a vida adulta.

Pelo contrário, as universidades europeias são mais fragmentadas. As faculdades, departamentos ou cursos são por vezes as únicas realidades com que os alunos convivem. Os alunos de cada cursos tendem a ser mais homogéneos, bem como o corpo docente que os ministra. E o ritual de passagem à vida adulta ocorre no final da licenciatura com a integração no mercado de trabalho.

Uma segunda zona de diferença tem a ver com o papel da universidade na sociedade. Enquanto na Europa o papel social que se espera da universidade se centra na formação dos jovens, nos Estados Unidos a contribuição da universidade para o avanço do conhecimento é também fundamental. Este é talvez no plano cultural a barreira mais difícil para a Europa. Nos meus contactos com o mundo exterior à universidade, o interesse centra-se sempre nos alunos. As empresas querem saber se os estudantes são bons, quem são os melhores alunos e o que o podem fazer para os aliciar. Raramente querem saber qual a investigação que se está a fazer na Universidade e quais os assuntos que estão no topo da agenda de investigação académica em cada área do saber. Ou seja na Europa, e em Portugal também, o curso superior é visto como o único "output" importante das universidades. É essa visão que cria uma grande fragilidade das universidades europeias face às suas congéneres americanas. E é também esta diferença que permite às universidades americanas serem mais atractivas para os académicos mais competentes e solicitados.

Uma terceira diferença importante têm a ver com a heterogeneidade da reputação das diversas universidades. Na Europa, há um esforço público de uniformização das diferentes universidades. O objectivo central das políticas de ensino superior parece ser o de garantir que os cursos ministrados por todas as escolas sejam iguais, ou que os graus académicos obtidos tenham um valor idêntico. Pelo contrário, nos Estados Unidos a ideia de heterogeneidade faz parte da própria visão que a sociedade tem das universidades. Sabe-se em cada área do saber quais as escolas que são mais reputadas, que são sempre as escolas onde se faz investigação e se produz saber. Pelo contrário, na Europa as universidades são por vezes criticadas pela sociedade por alocarem à investigação parte dos seus recursos. Nos Estados Unidos, a hierarquia que existe entre as universidades, em qualquer área do saber, desde as ciências exactas e naturais às ciências humanas ou às artes está sempre ligada à capacidade que as universidades têm de atrair os investigadores académicos mais reputados. Nos Estados Unidos convivem escolas de investigação, com escolas de ensino, ou mesmo com escolas que se especializam na formação à distância ou pela Internet. Todas são importantes à sua maneira, mas tipicamente só as universidades de investigação beneficiam de apoios importantes quer do Estado quer do sector privado para se manterem na fronteira do saber.

Na Europa, porém, como a ideia de diferenciação entre escolas é rejeitada os recursos de investigação, que normalmente são muito escassos, são distribuídos quase proporcionalmente entre as instituições em nome de princípios de uniformidade.

As universidades têm um papel importante na divulgação e explicação a um público generalista dos resultados obtidos na investigação académica. Mas em última análise uma sociedade não deverá gastar recursos em investigação se os valores dos cidadãos não valorizam essa dimensão da universidade, e a sociedade tem todo o direito de questionar se as verbas que afecta à investigação académica estão a ser bem gastas.

Pela minha parte gostaria que o avanço do conhecimento e a descoberta científica fossem valorizados em si mesmo pela sociedade. Mas tenho que respeitar a vontade dos meus concidadãos se eles valorizam essencialmente os aspectos formativos ou instrumentais da universidade.

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