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A Política Industrial

Foi na passada semana que o País soube que a General Motors (GM) decidiu de forma brutal encerrar a sua fábrica na Azambuja.

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A reacção dos vários agentes envolvidos foi globalmente digna e ilustrou um misto de sentimentos e reacções que vão desde a defesa do respeito pelos contratos assinados, até a um sentimento de impotência e até injustiça perante uma decisão que afecta de forma muito negativa pessoas e regiões.

Há, porém, um outro conjunto de aspectos, que este episódio pode ajudar a iluminar. Refiro-me sobretudo à qualidade da política industrial e de apoio ao investimento estrangeiro que tem vindo a ser seguida em Portugal.

Esta iluminação e aprendizagem só ocorrerá se as entidades públicas, para além de actuarem com firmeza na defesa do princípio do cumprimento integral dos contratos, fizerem um exercício sério de avaliação do valor criado para Portugal com os recursos totais investidos pelo Estado no apoio à GM, quer de origem nacional, quer de origem comunitária, quer ainda de origem autárquica.

Além de fazerem essa avaliação séria, as entidades públicas deveriam divulgar os resultados desses estudos para que a sociedade possa avaliar se, neste caso, o dinheiro público destinado ao apoio do investimento foi bem gasto. Claro que este exercício de avaliação rigorosa contribuiria também para que apoios futuros a novos projectos de investimento ou de captação de investimento estrangeiro pudessem beneficiar da aprendizagem ocorrida com a vida desta fábrica.

Que fique claro que o objectivo desta avaliação não deveria centrar-se num descobrir de culpados. Este projecto tem tido a colaboração de muitos Governos e de muitos dirigentes e técnicos da administração pública, pelo que seria lamentável e indesejável que este exercício de avaliação se centrasse num descobrir de culpados ou de «impedir que a culpa morra solteira». O objectivo da avaliação rigorosa é compreender a utilidade e a qualidade dos actuais processos de concessão de apoios tal como eles ocorrem hoje. Uma boa avaliação económica do valor destes projectos não deveria ter consequências jurídicas, a não ser, claro está, que houvesse qualquer suspeita de corrupção – algo que não parece credível neste caso.

É fácil de perceber porque é que este caso é quase ideal para avaliar a qualidade da política industrial portuguesa.

Em primeiro lugar, a fábrica irá mesmo encerrar no final do ano. O que significa que, no final deste ano, todos os fluxos financeiros e consequências económicas criados por esta fábrica serão conhecidos na totalidade. As incertezas que ainda restem em termos de indemnizações serão integradas de forma relativamente simples na avaliação.

Em segundo lugar, as relações contratuais do Estado português com a GM cessam. Logo não há nenhuma razão para que, por razões do interesse de Estado, se mantenham confidenciais os valores concretos dos apoios concedidos.

Em terceiro lugar, como o projecto irá acabar, será fácil e interessante comparar os pressupostos e valor económico do projecto feito no início, com aquilo que efectivamente aconteceu. Como o projecto já se esgotou no tempo esta avaliação pode ser feita de forma definitiva. Mas mais interessante ainda é que se poderá passar a ter uma medida precisa de quanto é que o Estado gastou em cada posto de trabalho bem como qual a fracção dos custos efectivamente suportados pelo Estado. Estes dados são tipicamente avançados para os novos projectos sem que a sociedade tenha qualquer ponto de comparação para se saber se os números são bons ou maus. A partir de agora poderíamos dizer ao menos se os novos projectos são melhores ou piores que o da Azambuja.

Em quarto e último lugar, esta seria uma óptima forma de promover uma maior colaboração entre as empresas e as universidades. Existem muitos investigadores nas universidades portuguesas com capacidade de fazer esta avaliação e com recurso a métodos de avaliação que podem ser diferentes e mais rigorosos do que aqueles que são usados pelas entidades públicas. Por isso, a avaliação dos investimentos do Estado na fábrica da Azambuja poderia ser feita pelas universidades portuguesas bastando para isso que o Estado português se mostrasse disponível para libertar todos os dados relevantes, incluindo os contratos celebrados.

Acresce que a avaliação feita pelos académicos poderia até ser publicável em revistas científicas e sujeita ao escrutínio dos pares para aferir a qualidade da metodologia usada e da robustez das conclusões.

Em suma, a forma abrupta e traumática como a GM encerrou as suas operações em Portugal cria uma excelente oportunidade para que o Estado aprenda e avalie a qualidade da sua política industrial. Acresce que esta avaliação pode ser feita com total transparência, rigor e independência. Será que o nosso Estado acredita no valor do conhecimento e quer mesmo ser moderno e transparente?

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