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09 de Maio de 2008 às 13:59

A neuroeconomia: revolução ou confusão?

Estar no departamento de Economia da Universidade de Chicago é ter o privilégio de debater ideias e opiniões com aqueles que moldaram e moldam o estado de arte da ciência económica. Assim foi na terça-feira, na habitual fila para o almoço. A indecisão de

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“Galinha ou atum?” – pergunta Derek. “Na indiferença, moeda ao ar!” – respondo. “Atum” – escolhe Derek e acrescenta: “Uma aluna, a que chamarei Ana, disse-me que ‘num restaurante, sempre que estou indecisa entre dois pratos favoritos, opto por um terceiro, que gosto menos. Não acredito em preferências completas. A teoria económica deveria ser alterada’.” Robert Lucas, em defesa da Teoria Neoclássica reage: “Quando um avião cai, não questionamos as leis da física. Porquê por em causa os princípios da ciência económica quando certas anomalias são observadas ou quando um modelo falha nas suas previsões? É isto que a neuroeconomia pretende: revolucionar a ciência económica. Economistas confusos, direi eu.”

Revolução ou confusão? O que ganha a ciência económica com os avanços da neurociência? A neurociência usa imagens da actividade cerebral (ressonâncias magnéticas), entre outras técnicas, para inferir sobre o funcionamento do cérebro. Sabe-se então que o comportamento humano resulta de uma interacção entre processos racionais e automáticos e entre um sistema cognitivo e afectivo. Entre os processos racionais, encontram-se, por exemplo, as decisões de compra, de investimento e de poupança. Os processos automáticos, sejam eles cognitivos ou afectivos, não são conscientes e não exigem esforço de pensamento. Por exemplo, o acto de vestir um casaco por reacção ao frio. O sistema cognitivo é responsável, por exemplo, pela distinção entre verdadeiro e falso. O sistema afectivo rege as emoções sociais, como o ciúme, e as emoções biológicas, como a fome.

A teoria económica tradicional, construiu-se assumindo uma separação entre, por um lado, comportamentos racionais e cognitivos e por outro, comportamentos automáticos e emotivos. E assume que as preferências dos indivíduos são reveladas pelas suas escolhas. Escolhas estas que resultam de um processo racional e puramente cognitivo (por exemplo, de uma aprendizagem baseada na experiência de consumo). Assim, a terceira opção da Ana é de facto a opção favorita.

Para os defensores da neuroeconomia, a neurociência potencia uma inovação radical na ciência económica. Por um lado, o reconhecimento da interacção entre vários sistemas, nomeadamente a interacção entre emoções e processos racionais, põe em causa modelos económicos que têm o seu fundamento em decisões exclusivamente conscientes e deliberadas. A escolha de Ana poderá resultar somente de um impulso, não revelando as suas reais preferências. A neuroeconomia reclama, assim, a capacidade em revelar as “verdadeiras” preferências dos indivíduos.

Num outro extremo, há quem, reconhecendo as vantagens da neurociência para a psicologia, não acredite na sua capacidade de revolucionar a teoria económica neoclássica. A neuroeconomia é terapêutica e paternalista nas suas ambições, contrariamente à teoria económica neoclássica. Para esta, importa perceber como diferentes instituições alteram escolhas dos agentes económicos. Por exemplo, qual o efeito de uma redução no preço na escolha de Ana. Mas pouco importa saber se Ana está a maximizar a sua felicidade, seguir uma norma moral, ou agir por impulso.

Não acredito que o conhecimento sobre o funcionamento do cérebro revolucione os princípios que regem a ciência económica. Acredito, porém, que desvenda variáveis relevantes em processos de decisão, permitindo assim a construção de modelos económicos com melhor capacidade de previsão. Quando um avião cai, não questiono as leis da física, mas aguardo por aviões mais seguros.

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