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Opinião
12 de Outubro de 2006 às 13:59

A melhor chave para mudar a sociedade

A melhor "chave" para abrir as portas que dão acesso a uma mudança da sociedade, uma transformação profunda, maior justiça e competitividade, é a educação. É um processo lento, porque normalmente envolve duas, três, ou até mais gerações.

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É um processo caro, porque os custos de uma boa educação são cada vez mais altos. É um processo doloroso, porque estudar, aprender, exigir, é sempre, no curto prazo, o caminho mais difícil. Mas a educação, é a única via com sucesso garantido. Educação livre, para todos, da mesma forma.
 
1. A revolução dos cravos chegou ao ensino?

Pense dez segundos na resposta! A educação é livre em Portugal? Não, não é. Repare, certamente concorda que um sistema educativo coerente com a Liberdade e Igualdade de Oportunidades de Educação é aquele que reconhece e respeita a liberdade de escolha dos cidadãos e se coloca ao seu serviço. É assim não é? Por isso mesmo, num sistema assim baseado, a intervenção dos poderes públicos passa a ter como único objectivo garantir a liberdade e a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos no acesso à educação de qualidade, quer se trate de alunos, professores, pais ou outros membros da comunidade educativa.

Na prática, isto significa muita coisa, mas deveria permitir, por exemplo, que cada aluno (ou encarregado de educação consoante as idades) pudesse escolher realmente a escola onde aprende. Essa escolha está cheia de entraves. Geográficos, administrativos e financeiros. Para uma família média portuguesa não é a mesma coisa escolher uma escolha privada ou pública, desde logo porque os encargos financeiros são um entrave a essa liberdade de opção.

Dirá, mas isso não se passa em todos os sectores de actividade? Não é assim na justiça, onde quem pode ter acesso a um melhor advogado – em teoria mais caro –, terá a probabilidade de ter uma melhor defesa? Não é assim na saúde? Tendencialmente é. Mas erradamente. E é exactamente por isso é que neste caso, na educação, num dos pilares fundamentais da sociedade é preciso forçar a mudança, trabalhar por uma verdadeira liberdade de educação.

A liberdade de educação é um princípio constitutivo do ser humano, inerente ao Homem, elevado à condição de direito fundamental pelo direito internacional e pela ordem jurídica nacional. Assim a organização do sistema educativo deverá obrigatoriamente garantir a todos os cidadãos dois objectivos básicos. Por um lado a capacidade de escolher a escola que desejam frequentar e o respectivo projecto educativo. Mas também a capacidade de criar escolas com projectos educativos diferenciados, desde que respeitem as regras de prestação de serviço de educação fixadas por lei.

Deste modo, ao Ministério da Educação deveria caber uma atitude essencialmente de serviço e apoio à liberdade das escolas e menos de gestor.
 
2. Velhos do Restelo e resultados à vista

A liberdade de educação provoca resultados imediatos. Óbvios. O primeiro fruto desta extensa autonomia das escolas, quer sejam estatais ou não-estatais, é o seu projecto educativo. Os professores poderão elaborar o projecto educativo de acordo com a realidade dos alunos que as frequentam, as capacidades do corpo docente que a elas se dedicam e o meio que as envolve. A consequência do respeito pela liberdade de educação é a transformação das escolas em instituições dinâmicas, embrenhadas na comunidade, e de projectos educativos diferenciados, inovadores e adaptados aos alunos que os escolhem.

Deste modo, os professores recuperam o seu papel central no processo educativo. Uma escola com verdadeira autonomia, ao mesmo tempo que permite um maior comprometimento dos professores, desde logo pela sua responsabilidade na definição do projecto educativo da escola, reconhece a importância destes se reverem e se identificarem com ela, e de, através da sua responsabilização, se realizarem profissionalmente.

Realidades como avaliação, "rankings", concorrência, melhoria do ensino, passam a ser uma prioridade e a marcar a agenda do ensino.

Mas há entraves à mudança. Por um lado, a cultura paternalista que desconfia das iniciativas que não estejam debaixo do controlo do Estado e, por outro, a débil consciência dos cidadãos acerca do que são os deveres e os direitos numa democracia autêntica.

No terreno verifica-se que este monopólio estatal na prestação dos serviços públicos  confunde-se com o dever do Estado garantir os direitos e liberdades, designadamente no que respeita ao acesso ao ensino de qualidade, com a prestação propriamente dita do serviço. Por outro lado, o sistema educativo é excessivamente centralizado e burocrático, não acreditando na deontologia profissional dos professores e na capacidade de autonomia das escolas. Regista-se também que o ensino é por todos reconhecido como um forte instrumento de desenvolvimento pessoal e social, e como tal joga-se no sistema educativo uma forte componente de promoção da liberdade e da igualdade de oportunidades entre os cidadãos. A resposta a este desafio tem sido a promoção de um sistema de modelo único, como se por terem regras iguais, todas as escolas fossem realidades iguais. Ora debaixo desta falsa ilusão de igualdade escondem-se realidades bem distintas.

Finalmente a desresponsabilização dos cidadãos, em particular das famílias: ao obrigar os pais a matricular os filhos na escola da sua área de residência, o Estado retira aos pais um direito e um dever fundamental no âmbito da sua responsabilidade de pais: o direito e o dever de escolha da escola que melhor coopera com eles na educação dos filhos.
 
3. O que fazer... já!

Existem várias medidas que podem e devem ser implementadas no sentido de tornar a liberdade e a igualdade de oportunidades de educação no primeiro e mais importante princípio organizativo do sistema educativo português. Aqui ficam apenas quatro, das muitas que podem, de uma forma simples, ser implementadas desde já. Acabar com a obrigação de matrícula na escola da zona de residência, mantendo apenas a garantia de prioridade no acesso aos alunos da vizinhança e aos irmãos, caso seja essa a sua vontade. Permitir o acesso gratuito a qualquer escola que integre a "rede de serviço público de educação".  Implementar medidas de avaliação externa das escolas, quer qualitativas quer quantitativas, incluindo a avaliação formativa e sumativa (com exames nacionais) dos alunos ao longo do percurso educativo, que dêem às famílias indicadores sobre os quais basear a sua escolha.  Dotar todas as escolas de ampla autonomia curricular e pedagógica, flexibilizando os currículos, com a redução da componente obrigatória aos conhecimentos e competências verdadeiramente essenciais, e permitindo às escolas, entre outros, definir os horários, o número de alunos por turma, e a carga lectiva e conteúdos de algumas disciplinas, sendo, seguidamente, responsabilizadas pelos resultados das aprendizagens dos seus alunos.

Todas estas mudanças não visam produzir mais licenciados, atribuir mais títulos. Não é esse o fim. O fim é educar, melhorar o nível educacional. Ou como diria Alfred Montapert, "nem todos podem tirar um curso superior. Mas todos podem ter respeito, alta escala de valores e as qualidades de espírito que são a verdadeira riqueza de qualquer pessoa".

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