Opinião
17 de Julho de 2012 às 10:22
A impotência da Reserva Federal
O recente anúncio da Reserva Federal dos Estados Unidos de que vai prolongar a sua Operação Twist ao comprar uns adicionais 267 mil milhões de dólares em obrigações do Tesouro de longo prazo, nos próximos seis meses – para alcançar um total de 667 mil milhões de dólares este ano –, não teve praticamente impacto nenhum nem nas taxas de juro nem nos preços das acções. A falta de resposta do mercado foi um importante indicador de que a flexibilização monetária já não é uma ferramenta útil para aumentar a actividade económica.
A Fed tem dito, repetidamente, que vai fazer tudo o que for preciso para estimular o crescimento. Tal levou a um plano para manter as taxas de juro de curto prazo perto de zero até ao final de 2014, tal como a uma enorme porção de flexibilização quantitativa, seguida pela Operação Twist, em que a Fed substitui títulos do Tesouro de curto prazo por obrigações de longo prazo.
Estas políticas foram bem-sucedidas na redução das taxas de juro a longo prazo. A rendibilidade obtida [“yield”] com as Obrigações do Tesouro a dez anos está agora em 1,6%, abaixo dos 3,4% que registava no início de 2011. Embora seja difícil saber que proporção desta queda reflecte uma maior procura por obrigações do Tesouro devido à aversão ao risco dos investidores em todo o mundo, as políticas da Fed são, sem dúvida, dignas de algum crédito. As mais baixas taxas de juro a longo prazo contribuíram para a ligeira subida de 4% do índice de acções S&P 500 ao longo do mesmo período.
É improvável que a Fed seja capaz de reduzir, ainda mais, as taxas de juro a longo prazo. O nível actual está tão baixo que muitos investidores temem, e com razão, estar a olhar para uma bolha nos preços das obrigações e das acções. O resultado pode ser uma substancial subida nas taxas de juro a longo prazo, conduzida pelo mercado, que a Fed será incapaz de impedir. Uma mudança na carteira dos investidores estrangeiros, com um afastamento de obrigações de longo prazo, poderá facilmente desencadear uma escalada nas taxas.
Além do mais, embora as acções da Fed tenham ajudado os detentores de obrigações e de acções, não é óbvio que tenham estimulado a actividade económica real. A economia dos Estados Unidos ainda está coxa, com o crescimento muito baixo e a taxa de desemprego elevada. Apesar de a economia estar a crescer há três anos, o nível do Produto Interno Bruto (PIB) está apenas 1% acima daquele que se verificava há quase cinco anos, quando começou a recessão. A taxa de crescimento do PIB foi de apenas 1,7% em 2011, e não é significativamente mais alta neste momento. Na realidade, os dados mais recentes mostram uma descida nos rendimentos individuais, um recuo no aumento do emprego e vendas a retalho mais baixas.
O principal impacto da flexibilização monetária é, normalmente, o estímulo da procura por casas e, daí, o volume da construção. Mas, nesta altura, apesar de as taxas de juro das hipotecas estarem no valor mais baixo de sempre, os preços das casas continuam a cair e estão agora, em termos reais, mais de 10% abaixo do valor de há dois anos. O nível de investimento real em habitação representa metade daquele que era marcado antes do início da recessão. A Fed já se apercebeu de que os problemas estruturais no mercado imobiliário têm afectado a sua capacidade de estimular a economia através deste canal.
O investimento das empresas também é fraco, mesmo que as grandes empresas tenham balanços com bastante dinheiro. Com tanta liquidez interna, estas empresas não são sensíveis às reduções nas taxas de juro do mercado. Ao mesmo tempo, as muito pequenas empresas não conseguem obter crédito, dado que os bancos locais, dos quais dependem, têm um montante inadequado de capital, devido às perdas acumuladas nos empréstimos imobiliários comerciais. Estas pequenas empresas, de igual forma, não são ajudadas por taxas de juro mais baixas.
A flexibilização monetária da Fed contribuiu, temporariamente, para um dólar mais fraco, o que impulsionou as exportações líquidas. Mas a queda do dólar tem sido, recentemente, invertida pela procura global por segurança, por parte dos investidores que abandonam o euro.
Mesmo que a economia dos Estados Unidos continue a cambalear nos próximos tempos, a Fed não deverá fazer mais nada até ao final do ano. A próxima mudança da política de ajuda à economia deverá vir do Congresso norte-americano e do executivo dos EUA, depois das eleições de Novembro.
Independentemente disso, aquilo que é preciso fazer é já óbvio. A sombra de um abrupto aumento nas taxas de imposto sobre o rendimento individual e empresarial, programado para entrar em vigor automaticamente no início de 2013, tem de ser eliminada. A subida prevista no défice orçamental a longo prazo tem de ser invertida, ao limitar-se o crescimento nas transferências para os reformados de classe média. Uma reforma fiscal tem de fortalecer os incentivos, de reduzir as “despesas fiscais” distorcidas e de elevar as receitas. Finalmente, a relação entre o governo e as empresas, de momento bastante agressiva, tem de ser melhorada.
Se isto acontecer em 2013, a economia dos Estados Unidos pode voltar a um mais normal caminho de expansão económica e de crescimento do emprego. Nesta altura, a Fed pode centrar-se no seu principal mandato: impedir um aumento da taxa de inflação. Até lá, encontra-se impotente.
Martin Feldstein, professor de Economia em Harvard, foi presidente do Conselho Económico do presidente Ronald Reagan e presidente da organização norte-americana de pesquisa National Bureau for Economic Research.
Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Estas políticas foram bem-sucedidas na redução das taxas de juro a longo prazo. A rendibilidade obtida [“yield”] com as Obrigações do Tesouro a dez anos está agora em 1,6%, abaixo dos 3,4% que registava no início de 2011. Embora seja difícil saber que proporção desta queda reflecte uma maior procura por obrigações do Tesouro devido à aversão ao risco dos investidores em todo o mundo, as políticas da Fed são, sem dúvida, dignas de algum crédito. As mais baixas taxas de juro a longo prazo contribuíram para a ligeira subida de 4% do índice de acções S&P 500 ao longo do mesmo período.
Além do mais, embora as acções da Fed tenham ajudado os detentores de obrigações e de acções, não é óbvio que tenham estimulado a actividade económica real. A economia dos Estados Unidos ainda está coxa, com o crescimento muito baixo e a taxa de desemprego elevada. Apesar de a economia estar a crescer há três anos, o nível do Produto Interno Bruto (PIB) está apenas 1% acima daquele que se verificava há quase cinco anos, quando começou a recessão. A taxa de crescimento do PIB foi de apenas 1,7% em 2011, e não é significativamente mais alta neste momento. Na realidade, os dados mais recentes mostram uma descida nos rendimentos individuais, um recuo no aumento do emprego e vendas a retalho mais baixas.
O principal impacto da flexibilização monetária é, normalmente, o estímulo da procura por casas e, daí, o volume da construção. Mas, nesta altura, apesar de as taxas de juro das hipotecas estarem no valor mais baixo de sempre, os preços das casas continuam a cair e estão agora, em termos reais, mais de 10% abaixo do valor de há dois anos. O nível de investimento real em habitação representa metade daquele que era marcado antes do início da recessão. A Fed já se apercebeu de que os problemas estruturais no mercado imobiliário têm afectado a sua capacidade de estimular a economia através deste canal.
O investimento das empresas também é fraco, mesmo que as grandes empresas tenham balanços com bastante dinheiro. Com tanta liquidez interna, estas empresas não são sensíveis às reduções nas taxas de juro do mercado. Ao mesmo tempo, as muito pequenas empresas não conseguem obter crédito, dado que os bancos locais, dos quais dependem, têm um montante inadequado de capital, devido às perdas acumuladas nos empréstimos imobiliários comerciais. Estas pequenas empresas, de igual forma, não são ajudadas por taxas de juro mais baixas.
A flexibilização monetária da Fed contribuiu, temporariamente, para um dólar mais fraco, o que impulsionou as exportações líquidas. Mas a queda do dólar tem sido, recentemente, invertida pela procura global por segurança, por parte dos investidores que abandonam o euro.
Mesmo que a economia dos Estados Unidos continue a cambalear nos próximos tempos, a Fed não deverá fazer mais nada até ao final do ano. A próxima mudança da política de ajuda à economia deverá vir do Congresso norte-americano e do executivo dos EUA, depois das eleições de Novembro.
Independentemente disso, aquilo que é preciso fazer é já óbvio. A sombra de um abrupto aumento nas taxas de imposto sobre o rendimento individual e empresarial, programado para entrar em vigor automaticamente no início de 2013, tem de ser eliminada. A subida prevista no défice orçamental a longo prazo tem de ser invertida, ao limitar-se o crescimento nas transferências para os reformados de classe média. Uma reforma fiscal tem de fortalecer os incentivos, de reduzir as “despesas fiscais” distorcidas e de elevar as receitas. Finalmente, a relação entre o governo e as empresas, de momento bastante agressiva, tem de ser melhorada.
Se isto acontecer em 2013, a economia dos Estados Unidos pode voltar a um mais normal caminho de expansão económica e de crescimento do emprego. Nesta altura, a Fed pode centrar-se no seu principal mandato: impedir um aumento da taxa de inflação. Até lá, encontra-se impotente.
Martin Feldstein, professor de Economia em Harvard, foi presidente do Conselho Económico do presidente Ronald Reagan e presidente da organização norte-americana de pesquisa National Bureau for Economic Research.
Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Mais artigos do Autor
Irão os EUA capitular perante a China?
01.03.2019
A confusão das tarifas sobre a China
10.10.2018
O que se segue no mercado de acções dos EUA?
03.09.2018