Opinião
A hora do plano México
Os Estados Unidos e o México preparam-se para anunciar um programa orçado entre os 800 milhões e os mil milhões de dólares para combater nos próximos seis anos o narcotráfico. O acordo surge numa conjuntura de guerra aberta entre o governo mexicano e os c
A altura é propícia porque os cartéis de estupefacientes digladiam-se pelo controlo de um mercado em baixa e procuram alternativas para rentabilizar as redes de tráfico.
Um mercado mundial estagnado
A produção e consumo global de estupefacientes estagnaram, segundo o último relatório anual da Agência de Controlo da Droga e Prevenção do Crime divulgado em Junho.
Apesar de 200 milhões de pessoas (5% da população mundial) terem consumido pontualmente algum tipo de estupefacientes em 2006, o número de consumidores dependentes, entre os 15 e os 64 anos, ronda os 25 milhões, ou seja 0,6 por cento da população do planeta.
A única excepção na estagnação de um mercado que gera vendas anuais superiores a 300 mil milhões de euros advém da explosão na produção de ópio no Afeganistão que representava 92 por cento das 6610 toneladas métricas contabilizadas pelas Nações Unidas em 2006.
Os aumentos no consumo de heroína, em contraste com as tendências de contenção ou redução no uso de estupefacientes noutras regiões nos últimos três anos, verificaram-se no Paquistão, Irão e países da Ásia Central, além da Rússia, Índia e certas áreas de África.
Nos Estados Unidos, cujo mercado absorve 60 por cento das drogas ilegais, regista-se uma quebra nos níveis de consumo de todos os tipos de drogas, sendo particularmente sensível a diminuição do número de consumidores de cocaína.
Os dados disponíveis, relativos a 2005, indicam que apenas 2,8 por cento da população norte-americana entre os 15 e os 64 anos consume cocaína o que mostra uma quebra de superior a 50 por cento nas duas últimas décadas.
O orçamento do Office of National Drug Control Policy aumentou 34 por cento nos últimos seis anos, cifrando-se em cerca de 12,7 mil milhões de dólares, e aplica aproximadamente 65 por cento das verbas em programas de combate à produção e tráfico. A região andina concentra o grosso desses orçamentos: 721,5 milhões de dólares destinam-se a acções destinadas à redução da produção de cocaína.
O plano Colômbia
Na Colômbia a área de cultivo de coca sofreu uma redução de 52 por cento entre 2000 e 2006, mas a produção de cocaína a nível regional manteve-se estável nos últimos três anos (1 008 toneladas métricas em 2004 e 984 no ano passado) devido ao uso de fertilizantes e pesticidas, inovações tecnológicas, e ao aumento das quotas da Bolívia e do Peru.
O “Plano Colômbia” lançado em 1999 pelos presidentes Bill Clinton e Andrés Pastrana já mobilizou 4,7 mil milhões de dólares. A quase totalidade desse dinheiro destinou-se ao reforço das forças armadas colombianas e a acções de pulverização com herbicidas das plantações de coca, mas o país continua a prover mais de metade da cocaína que entra no mercado mundial.
Os resultados são mitigados, pois a produção de coca persiste em 24 das 32 províncias da Colômbia e só em 2004 foram exportadas para os Estados Unidos cerca de 450 toneladas de cocaína.
A violência diminuiu consideravelmente, mas os guerrilheiros das FARC ainda controlam extensos territórios, e as conivências de apoiantes do presidente Alvaro Uribe com os grupos de extrema-direita da UAC e os sucessivos assassínios de sindicalistas continuam a provocar críticas dos congressistas democratas em Washington que contestam a excessiva militarização do “Plano Colômbia” e recusam ratificar o acordo de livre-comércio entre os dois países.
O relativo fracasso do “Plano Colômbia” é, por sinal, mensurável através da análise dos preços de venda de cocaína nos Estados Unidos que são actualmente três vezes mais baixos do que em 1990.
Acresce que 90 por cento da cocaína que entra nos Estados Unidos transita pelo México, que também viu aumentar significativamente a produção de meta-anfetaminas com destino ao vizinho do Norte, e, consequentemente, chegou agora a vez de centrar as atenções no “Plano México”.
A ofensiva Mexicana
A campanha desencadeada este ano pelo presidente Felipe Calderón para combater o narcotráfico levou a uma mobilização em força do exército. Mais de 20 mil militares mexicanos participam agora directamente em operações de combate ao narcotráfico em cooperação com a polícia federal.
As reformas judiciárias e reestruturações das forças de seguranças em curso, a par das campanhas de erradicação de plantações de marijuana e desmantelamento de laboratórios de produção de meta-anfetaminas, além das extradições de traficantes para os Estados Unidos, têm vindo a dar novo ânimo ao combate ao narcotráfico, mas os resultados são, ainda, incertos.
À corrupção das forças policiais e do sistema judiciário, sobretudo ao nível dos municípios e dos governos estaduais, junta-se a extrema violência dos cartéis na luta pelo controlo das rotas de tráfico do Pacífico e da costa do Golfo do México.
Desde o início deste ano mais de 1700 pessoas (contando-se cerca de duas centenas de polícias entre as vítimas) morreram em ataques de sicarios.
Os assassínios começaram a diminuir em Junho, mas, a atenuação da violência ficou a dever-se a um acordo de partilha territorial entre os principais cartéis.
À ofensiva militar e policial contra os cartéis, após dois anos de violências inauditas por parte do crime organizado, que provocaram 1600 mortes em 2005 e 2200 vítimas em 2006, junta-se agora o reforço da cooperação com os Estados Unidos que se limitava essencialmente à recolha e partilha de informações e à formação de efectivos policiais mexicanos.
O acordo entre Bush e Calderón exclui desde logo a participação directa de conselheiros militares e policiais norte-americanos em operações de vigilância e combate à produção e tráfico ao contrário do que acontece na Colômbia.
Os Estados Unidos fornecerão ao México equipamentos de monitorização e vigilância, sistemas de escutas, e irão encarregar-se da formarão de pessoal especializado.
Unidades mistas terão a seu cargo a vigilância dos 3 mil quilómetros de fronteira e acções de identificação de rotas marítimas e aéreas de tráfico.
Por parte de Washington será reforçada a repressão dos grupos que a partir dos Estados Unidos fornecem armamento, componentes químicos para produção de estupefacientes, e procedem a financiamentos e lavagem de dinheiro.
A administração Bush, enfraquecida na sua capacidade negocial com o México depois do Congresso ter rejeitado a reforma das leis de imigração, compromete-se, ainda, a incrementar programas de prevenção do consumo de drogas o que obriga a rever as estratégias do Office of National Drug Control Policy que reserva apenas 12 por cento do seu orçamento para esse efeito.
A conjuntura é propícia à cooperação no combate ao narcotráfico, mas tudo vai depender da capacidade do estado mexicano concretizar reformas institucionais e judiciárias e de Washington reorientar a sua política anti-droga a nível global.
Além de um aumento dos programas de prevenção que aproveitem a tendência de quebra no consumo de estupefacientes, os Estados Unidos terão de conciliar operações de combate à produção e tráfico com financiamentos a projectos de auxílio económico.
A componente repressiva, essencial para promover condições de segurança e evitar a criminalização das estruturas do estado, terá de ir a par de programas de auxílio capazes de reforçar a coesão social e promover as economias dos países produtores e dos estados que se transformaram em plataformas de tráfico.
Para não esquecer a enormidade e extrema dificuldade da tarefa basta mencionar dois países bem diferentes do México ou da Colômbia e sem solução à vista: o Afeganistão e a Guiné-Bissau.