Opinião
A Europa no banco de trás
A reforma da governação económica global continua a ser um tema prioritário dos decisores políticos.
Mas existe muito pouca evidência de que a União Europeia tenha desenvolvido uma abordagem de futuro e coerente para as novas formas que o G20 prometeu estabelecer.
O G20, que vai realizar a próxima cimeira na Coreia do Sul no final desta semana, garantiu que a cooperação multilateral e interdependência tiraria o mundo da crise. A maioria dos políticos europeus, no entanto, não se adaptou bem ao espírito de tal compromisso. A União Europeia pode não ter imposto quotas e tarifas excessivas mas a verdade é que, no seu interior, surgiu um poderoso proteccionismo na forma de subsídios, resgates, ordens judiciais para comprar produtos nacionais e novas restrições ao investimento directo estrangeiro. O Alerta de Comércio Global, um sistema de supervisão independente, identificou mais de 300 novas medidas proteccionistas introduzidas pelos membros do G20.
Desde que o G20 se comprometeu, no ano passado, a realizar progressos para concluir a Ronda de Doha, sobre as negociações comerciais globais, que a União Europeia não fez praticamente nada para alcançar este objectivo. A União Europeia recusou introduzir medidas para melhorar as regras da OCDE para libertar os fluxos de investimento e a nova Comissão Europeia liderada por José Manuel Barroso inclui menos membros pró-mercado do que a anterior equipa do seu primeiro mandato. A maioria dos actuais comissários parecem ser partidários da flexibilização das regras estatais para financiar o investimento em investigação e desenvolvimento; assim, mesmo que não se tenha assistido a uma clara desarticulação do Mercado Único, certamente não se registaram avanços.
Além disso, os governos europeus usaram o G20 de forma altamente instrumental, com a maior percentagem dos fundos de resgate acordados pela estrutura do G20 a serem direccionados para Estados de rendimento médio dentro ou ao redor da Europa. A União Europeia não está apenas sobre-representada no G20, como parece que tem usado o fórum como um meio de receber fundos de emergência para favorecer os seus próprios interesses e não como um verdadeiro meio para uma cooperação multilateral mais alargada e equilibrada.
O grande número de países da União Europeia representados no G20 não tem muito sentido, dada a ausência de coordenação sistemática entre as posições dos Estados-membros e da Comissão Europeia. A União Europeia tem tido pouco a dizer, por exemplo, sobre o tipo de regras e padrões de governação que deveriam guiar os debates sobre o muito necessário reequilíbrio entre os Estados deficitários e excedentários. Em vez disso, cada Estado-membro tem actuado com a flexibilidade que melhor lhe convém para ajudar a sua recuperação económica imediata.
Daqui para a frente, o crescimento económico não será gerado no Ocidente à custa dos excedentes das economias emergentes mas terá que ocorrer dentro do próprio mundo emergente, que deverá deixar de depender de políticas económicas exclusivamente orientadas para as exportações. Mas a influência da União Europeia na reavaliação chinesa tem sido zero. Esta situação tem que mudar.
Em conjunto, todas estas deficiências geraram sérias dúvidas sobre a vontade da União Europeia de liderar o debate sobre a redefinição da governação económica global. Os governos europeus repetem o mantra do “multilateralismo eficaz” mas parecem não ter uma estratégia integral que se traduza numa política coerente.
De facto, quando os europeus pensam sobre a reforma da governação global, limitam-se ao número de lugares e votos nos organismos internacionais. Só agora, é que os governos europeus começam a aceitar de forma relutante a necessidade de reduzir a sobrerepresentação nos organismos multilaterais porque reconhecem que mina, em vez de fortalecer, a influência global da União Europeia ao fazer com que as outras potências realizem acordos separados.
Mas enquanto o debate se centra em quanto a Europa deve diminuir o seu domínio histórico nos organismos internacionais, não existe uma visão de futuro. Por exemplo, a crise financeira não forçou os Estados-membros a convergiram os seus sistemas nacionais de regulação financeira, uma omissão que se opõe a uma visão comum europeia para remodelar a cooperação financeira global.
Em vez disso, na sequência da crise, a União Europeia decidiu dar prioridade às suas principais relações bilaterais. Lançou parcerias estratégicas com o Brasil, o Canadá, a China, a Índia, o Japão, o México, a Rússia, a África do Sul, os Estados Unidos, a União Africana e a NATO. A maioria destas parcerias tem muito pouco conteúdo geopolítico e o seu número reduz a sua importância aos olhos dos parceiros. Actualmente, está a ser negociado uma nova série de novos acordos comerciais bilaterais.
A febre dos acordos bilaterais pode ser compreensível devido à procura de resultados rápidos e de um maior sentido de controlo sobre as tendências internacionais. Mas os custos são elevados, na medida em que estes acordos reduzem o mesmo multilateralismo que, em geral, também funciona para a União Europeia. Como é que a União Europeia pode esperar que outras potências aplicam os princípios do multilateralismo se ela própria os ignora?
Cada vez mais, o resto do mundo olha para o multilateralismo europeu como um meio para legitimar a intervenção da União Europeia nos assuntos dos países mais fracos e excluir a crescente participação de outras potências nos assuntos europeus. As potências europeias têm sido tão voláteis na construção das suas alianças como as potências que supostamente têm menos princípios.
À medida que situação recupera das ondas de choque da crise financiera e que as tendências apontam para o eixo Estados Unidos-China como o motor da economia global, a Europa está claramente com uma postura mais defensiva. Longe de participar na definição de uma nova estrutura de governação global, a União Europeia viu-se reduzida a adoptar uma série de posturas de retaguarda com o objectivo de mitigar o facto de ter perdido importância.
A União Europeia parece ter decidido que o mundo vai ter que enfrentar a rivalidade entre as grande potências e isso exige uma abordagem de poder político perante a governação global. De facto, co-existem numerosas e diferentes dinâmicas que continuam em movimento. A União Europeia ainda tem a oportunidade de dar forma à nova ordem pós-Ocidental emergente, em vez de aceitar os seus parámetros com uma resignação passiva.
Mas a Europa arrisca-se a ser demasiado servil ao cortejar novas alianças, baseadas nos beneficios de curto prazo e desprovidas de uma ideia clara sobre a forma como essas alianças se encaixam nos valores que deveriam guiar a governação global. Quando a França assumir a liderança do G20 após a cimeira de Seul, deve agir rapidamente para resolver estas deficiências.
Pedro Solbes, antigo ministro das Economia e das Finanças de Espanha, e antigo comissário europeu dos Assuntos Económicos, é presidente do think tank, com sede em Madrid, Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Exterior (FRIDE). Richard Youngs é director-geral do FRIDE.
Direitos de Autor: Project Syndicate/Europe’s World, 2010.
www.project-syndicate.org
www.europesworld.org
O G20, que vai realizar a próxima cimeira na Coreia do Sul no final desta semana, garantiu que a cooperação multilateral e interdependência tiraria o mundo da crise. A maioria dos políticos europeus, no entanto, não se adaptou bem ao espírito de tal compromisso. A União Europeia pode não ter imposto quotas e tarifas excessivas mas a verdade é que, no seu interior, surgiu um poderoso proteccionismo na forma de subsídios, resgates, ordens judiciais para comprar produtos nacionais e novas restrições ao investimento directo estrangeiro. O Alerta de Comércio Global, um sistema de supervisão independente, identificou mais de 300 novas medidas proteccionistas introduzidas pelos membros do G20.
Além disso, os governos europeus usaram o G20 de forma altamente instrumental, com a maior percentagem dos fundos de resgate acordados pela estrutura do G20 a serem direccionados para Estados de rendimento médio dentro ou ao redor da Europa. A União Europeia não está apenas sobre-representada no G20, como parece que tem usado o fórum como um meio de receber fundos de emergência para favorecer os seus próprios interesses e não como um verdadeiro meio para uma cooperação multilateral mais alargada e equilibrada.
O grande número de países da União Europeia representados no G20 não tem muito sentido, dada a ausência de coordenação sistemática entre as posições dos Estados-membros e da Comissão Europeia. A União Europeia tem tido pouco a dizer, por exemplo, sobre o tipo de regras e padrões de governação que deveriam guiar os debates sobre o muito necessário reequilíbrio entre os Estados deficitários e excedentários. Em vez disso, cada Estado-membro tem actuado com a flexibilidade que melhor lhe convém para ajudar a sua recuperação económica imediata.
Daqui para a frente, o crescimento económico não será gerado no Ocidente à custa dos excedentes das economias emergentes mas terá que ocorrer dentro do próprio mundo emergente, que deverá deixar de depender de políticas económicas exclusivamente orientadas para as exportações. Mas a influência da União Europeia na reavaliação chinesa tem sido zero. Esta situação tem que mudar.
Em conjunto, todas estas deficiências geraram sérias dúvidas sobre a vontade da União Europeia de liderar o debate sobre a redefinição da governação económica global. Os governos europeus repetem o mantra do “multilateralismo eficaz” mas parecem não ter uma estratégia integral que se traduza numa política coerente.
De facto, quando os europeus pensam sobre a reforma da governação global, limitam-se ao número de lugares e votos nos organismos internacionais. Só agora, é que os governos europeus começam a aceitar de forma relutante a necessidade de reduzir a sobrerepresentação nos organismos multilaterais porque reconhecem que mina, em vez de fortalecer, a influência global da União Europeia ao fazer com que as outras potências realizem acordos separados.
Mas enquanto o debate se centra em quanto a Europa deve diminuir o seu domínio histórico nos organismos internacionais, não existe uma visão de futuro. Por exemplo, a crise financeira não forçou os Estados-membros a convergiram os seus sistemas nacionais de regulação financeira, uma omissão que se opõe a uma visão comum europeia para remodelar a cooperação financeira global.
Em vez disso, na sequência da crise, a União Europeia decidiu dar prioridade às suas principais relações bilaterais. Lançou parcerias estratégicas com o Brasil, o Canadá, a China, a Índia, o Japão, o México, a Rússia, a África do Sul, os Estados Unidos, a União Africana e a NATO. A maioria destas parcerias tem muito pouco conteúdo geopolítico e o seu número reduz a sua importância aos olhos dos parceiros. Actualmente, está a ser negociado uma nova série de novos acordos comerciais bilaterais.
A febre dos acordos bilaterais pode ser compreensível devido à procura de resultados rápidos e de um maior sentido de controlo sobre as tendências internacionais. Mas os custos são elevados, na medida em que estes acordos reduzem o mesmo multilateralismo que, em geral, também funciona para a União Europeia. Como é que a União Europeia pode esperar que outras potências aplicam os princípios do multilateralismo se ela própria os ignora?
Cada vez mais, o resto do mundo olha para o multilateralismo europeu como um meio para legitimar a intervenção da União Europeia nos assuntos dos países mais fracos e excluir a crescente participação de outras potências nos assuntos europeus. As potências europeias têm sido tão voláteis na construção das suas alianças como as potências que supostamente têm menos princípios.
À medida que situação recupera das ondas de choque da crise financiera e que as tendências apontam para o eixo Estados Unidos-China como o motor da economia global, a Europa está claramente com uma postura mais defensiva. Longe de participar na definição de uma nova estrutura de governação global, a União Europeia viu-se reduzida a adoptar uma série de posturas de retaguarda com o objectivo de mitigar o facto de ter perdido importância.
A União Europeia parece ter decidido que o mundo vai ter que enfrentar a rivalidade entre as grande potências e isso exige uma abordagem de poder político perante a governação global. De facto, co-existem numerosas e diferentes dinâmicas que continuam em movimento. A União Europeia ainda tem a oportunidade de dar forma à nova ordem pós-Ocidental emergente, em vez de aceitar os seus parámetros com uma resignação passiva.
Mas a Europa arrisca-se a ser demasiado servil ao cortejar novas alianças, baseadas nos beneficios de curto prazo e desprovidas de uma ideia clara sobre a forma como essas alianças se encaixam nos valores que deveriam guiar a governação global. Quando a França assumir a liderança do G20 após a cimeira de Seul, deve agir rapidamente para resolver estas deficiências.
Pedro Solbes, antigo ministro das Economia e das Finanças de Espanha, e antigo comissário europeu dos Assuntos Económicos, é presidente do think tank, com sede em Madrid, Fundación para las Relaciones Internacionales y el Diálogo Exterior (FRIDE). Richard Youngs é director-geral do FRIDE.
Direitos de Autor: Project Syndicate/Europe’s World, 2010.
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11.11.2010