Opinião
A greve dos tribunais - uma oportunidade para reflexão
Juízes e Funcionários Judiciais estão em greve. Aproveitar este momento para refletir sobre o papel dos Tribunais Cíveis na tutela de direitos fundamentais e na promoção de investimento é crucial.
Cinco anos volvidos desde a reforma do Código de Processo Civil aprovada pela Lei n.º 41/2013(em vigor desde 01.09.2013), um dos seus objetivos está a ser cumprido: maior flexibilidade de ação do Juiz, ao serviço da Justiça do caso concreto e da celeridade. O Juiz passou a ter, de forma clara, a faculdade e o dever de decidir o que aceitar das partes e o que pedir às partes, podendo recusar o que tenha cariz burocrático ou dilatório.
Hoje, em caso de justificada urgência, é possível obter, em tempo útil, uma decisão judicial. É também possível reunir com o Juiz do processo para discutir os contornos de uma transação ou a melhor calendarização para a fase de produção de prova. Já se evita que as testemunhas se desloquem ao Tribunal em vão ou em horário desnecessariamente antecipado face à hora prevista para o seu depoimento (a obrigação de cooperação com a Justiça não pode ser feita sem método, sob pena de se atentar precisamente contra a dignidade da Justiça). Os meios para inquirição por videoconferência são eficazes e, apesar da inexistência de concretização legal expressa, os tribunais vêm aceitando o depoimento via Skype.
Mas é possível servir melhor a administração da Justiça em Portugal.
Por um lado, é importante que todos – Juízes, Funcionários e Advogados – façam por merecer confiança recíproca, enquanto administradores da Justiça. Apenas com esse espírito os Juízes poderão exercer, de forma eficiente, a gestão do processo, sem constrangimentos face a condutas potencialmente litigantes de Advogados. Os Advogados, por seu lado, têm que sentir-se ouvidos e envolvidos pelo Juiz, como parte do problema e da solução de cada processo, para o que será necessário estarem à altura de um diálogo construtivo sobre o processo, para lá de jogos processuais destituídos de conteúdo útil.
Os Advogados estão, por definição, comprometidos com uma das soluções finais da causa, mas não comprometidos ao ponto de frustrar a realização da Justiça. Cabe a Juízes, Funcionários e Advogados promover confiança e respeito recíprocos entre si.
Por outro lado, é fundamental dotar os Tribunais com os meios necessários para que possam cumprir a sua função de órgãos de soberania.
Os Tribunais são o meio privilegiado de tutela de direitos fundamentais. A garantia de tal tutela frustra-se se os processos não são julgados em período adequado. E para além do dano verificado na esfera individual de cada cidadão, é a própria confiança da comunidade na Justiça que é lesada.
E se a tutela de direitos fundamentais não basta para justificar a atribuição de meios adicionais (humanos e técnicos) aos Tribunais, não será de esquecer a perspetiva económico-financeira que a administração da Justiça também assume: uma das primeiras perguntas que um investidor faz antes de concretizar um negócio relacionado com Portugal prende-se com o funcionamento da Justiça. Esta é uma pergunta chave e à qual todos os Advogados respondem com dificuldade. Igualmente complicada é a reiterada confirmação aos nossos constituintes de que o seu processo não apresenta novidades; são contactos difíceis e que geram frustrações de parte a parte.
Na Irlanda foi criado, em 2004, o Commercial Court, um super Tribunal para litígios de natureza comercial de maior complexidade. Em França os Juízes são assessorados por paralegals, que analisam processos e preparam diligências e projetos de decisão. Estas, entre outras, poderiam ser perspetivas a adotar em Portugal.
Os períodos de greve agendados na reta final deste ano por Juízes e Funcionários não vão ajudar no fito da celeridade processual. Mas se forem aproveitados para uma reflexão sobre a administração da Justiça, o saldo final não será tão negativo quanto se suporia.
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico