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Manuel Falcão - Jornalista 05 de Novembro de 2010 às 11:55

A esquina do Rio

Escrevo terça-feira à noite, depois de assistir a resumos do dia parlamentar. Se não tivesse visto, não acreditaria.

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Herança
Escrevo terça-feira à noite, depois de assistir a resumos do dia parlamentar. Se não tivesse visto, não acreditaria. Ninguém, em seu perfeito juízo, que olhasse para o que se passou no Parlamento, poderia achar que existia, firmado a menos de 72 horas, um acordo sobre o Orçamento do Estado. Se Louçã fez o que lhe competia, procurando tirar vantagens do facto de o Orçamento passar graças à abstenção do PSD, já se compreende menos que o próprio Sócrates se tenha dado ao desplante de atacar o seu parceiro de negociação, precisamente por ter negociado e por ter procurado ser discreto na negociação. Estava sentado a ver o resumo de imagens, olhava para a cara de Sócrates e para as suas afirmações, dos seus ministros e dos seus parlamentares, e dei comigo a pensar que o ambiente entre os pilotos "kamikaze" japoneses não devia ser muito diferente. Se exceptuarmos a questão da honra e do patriotismo que os "kamikaze" japoneses tinham, o comportamento de Sócrates é igual apenas em matéria de vontade suicida. Procura ansiosamente o fim, procura provocá-lo. Esta negociação, em boa parte, foi contra os seus planos: no seu íntimo teria preferido romper e conseguir uma saída aparentemente honrosa para a situação.

Nestas últimas semanas acho que Sócrates se imaginou a conseguir seguir a tendência exportadora de alguns recentes antigos primeiro-ministros portugueses: Guterres foi para as Nações Unidas, Durão Barroso para a Comissão Europeia. Sócrates talvez se imaginasse nalgum cargo internacional de atletismo, ligado ao "jogging" e às meias maratonas - a mais não poderia aspirar. Embora, no fundo, o seu sonho fosse ser um Al Gore europeu a fazer "powerpoints" filmados sobre as energias renováveis.

Olho para o que se passou nestes últimos dias e vejo um rasto de mentiras, por parte do Governo, em todo este processo negocial. Numa negociação destas, quem tem de mostrar boa fé é quem tem o objecto de negociação na mão - o Orçamento. Ora, foi exactamente isso que não se viu. O Governo nunca esteve, aparentemente, de boa fé. Teixeira dos Santos poderá ser um homem sério, mas em todo este processo não foi essa a imagem que transmitiu.

Estamos autenticamente em clima de fim de festa, rufam já os tambores de eleições no horizonte. Olhamos para o futuro e vemos o que Sócrates nos deixa: um País pior, uma economia destruída, um clima de corrupção generalizado, a desconfiança dos cidadãos em relação ao Estado. Em suma, uma receita para que a participação eleitoral seja menor, para que as pessoas participem menos nas grandes decisões. A imagem que Sócrates pretende fazer passar - de infalível e insubstituível - ajuda muito pouco a que as novas gerações olhem para a política com vontade. À sua volta só vêem mentira, demagogia, engano.

Se Sócrates cumprir o mandato legislativo até ao fim, há uma geração que irá votar pela primeira vez depois de quinze anos de desgoverno de Guterres e Sócrates. Uma geração que usa Magalhães, mas que tem uma economia destruída, finanças públicas caóticas e possibilidade de emprego compatível com as qualificações muito difícil. É uma pesada herança. Mas é o que Sócrates levará às costas quando sair.


Ouvir
O que eu gosto mais em Tricky é de ele dar a ideia de que trabalha para que os ouvintes da sua música se sintam parte da aventura dos sons, dos ambientes, do espírito nómada e irrequieto que anima os seus discos. Desde que se fez notado nos Massive Attack e, depois, quando começou a sua carreira a solo, Tricky tem persistentemente explorado a capacidade de produzir sonoridades que percorrem os ritmos e os ritos do encantamento. Umas vezes não consegue atingir os seus objectivos e noutras, felizmente, como acontece neste "Mixed Race", acerta em pleno no alvo. Em 2008 Tricky fez um álbum chamado "Knowle West Boy", que surgia um pouco como o seu regresso às origens. Este novo "Mixed Race" tem pouco mais de meia hora, as canções raramente passam os três minutos, as faixas são envolventes e intensas. Não era preciso mais tempo. É a medida certa para um grande disco. (Tricky, Mixed Race, CD Dominico)


Resumo da Semana
Em matéria de Orçamento, Sócrates, primeiro, empatou as negociações; a seguir Sócrates engoliu as negociações; depois, Sócrates atacou as negociações.


Arco da Velha
O processo Face Oculta começa, cada vez mais, a ter caras visíveis: depois de Armando Vara, eis que Mário Lino também surge no processo. Segundo a acusação, o ex-ministro das Obras Públicas, uma das mais ridículas e penosas figuras da governação socrática, terá intercedido a favor de Godinho, procurando avolumar-lhe as negociatas, sob o argumento de que o empresário seria um "amigo do PS". Bem sei que é uma piada um bocado secante e que o homem, no fundo, é um sucateiro - mas com amigos destes, quem precisa de inimigos?


Registo
Cavaco Silva, no Twitter, no primeiro dia do debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado em que o PS acusou o PSD de ter vergonha do acordo que fez, disse ver "com muita apreensão o desprestígio da classe política e a impaciência com que os cidadãos assistem a alguns debates".


Pergunta
O que é feito da ministra da Cultura e da política cultural?


Folhear
A edição de Novembro da revista "Vanity Fair" é dedicada aos diários secretos de Marilyn Monroe, ou seja, à maneira como ela encarava os Kennedys, os seus maridos e amantes e as preocupações que a atormentavam. Mas esta belíssima edição daquela que muitos consideram ser A REVISTA por excelência, tem também uma curiosa entrevista com o príncipe Carlos de Edimburgo e um artigo que bem podia ser intitulado como "Watergate parisiense", sobre as ligações de Liliane Bettencourt, a herdeira da L'Oreal, com o Presidente Sarkozy. Picante, atrevida e aliciante - é esta a imagem de marca da "Vanity Fair", uma indispensável leitura todos os meses. Como bónus, nesta edição, a mostra, em primeira mão, para os leitores da revista, das aventuras de David Hockney com a aplicação de Brushes para o iPad. Deliciosas. Algo de novo está a nascer.


Provar
O local é muito simpático - literalmente em cima do Tejo, no Cais do Sodré, fica mesmo ao lado do Bar do Rio. A esplanada, desde que não chova, nestes dias simpáticos de Outono, é uma possibilidade. O Ibo tem uma inspiração moçambicana, bem expressa na carta. Mas, para quem não quer arriscar nessa aventura (e faz mal), tem atractivos europeus - até nos belos bifes. A decoração é sóbria, contemporânea e confortável, o serviço tenta ser atento e a cozinha é verdadeiramente a boa razão de conhecer esta casa. Eu submeti-me com gosto ao caril de caranguejo desfeito, um prato de confecção fabulosa, com origens em Moçambique. Desta safra há mais propostas, na carta. Se quiser uma coisa mais, digamos, ocidental, prove os impecáveis filetes de polvo com arroz de feijão manteiga, ou as vieiras salteadas com açafrão. Remate a refeição com banana crocante, acompanhada de gelado. Se conseguir, peça uma mesa no primeiro andar, do lado do rio. A vista é de cortar a respiração. Pena que as obras de António Costa tenham estragado tanto a envolvente deste restaurante. Merecia bem melhor. IBO, telefone 21 342 36 11, fica no Armazém A, compartimento 2, Cais do Sodré, logo a seguir à estação de comboios. Encerra Domingo ao jantar e segunda-feira todo o dia.



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