Opinião
Do lixo ao luxo: economia circular e simbiose industrial
Num modelo de economia circular os produtos são desenhados para serem duráveis, reutilizáveis e recicláveis e os materiais para produção de novos produtos provêm de velhos produtos.
O tema da economia circular tem despertado a atenção de líderes empresariais por todo o mundo. Atualmente, a indústria usa matérias-primas provenientes do meio ambiente e transforma-as em novos produtos, depois descartados para o meio ambiente, findo o ciclo de utilização. Este é um processo linear, no qual as matérias-primas são, normalmente, finitas e representa um duplo desperdício, pelos custos de tratamento dos resíduos e pelo impacto no ambiente. Acresce o facto de os processos produtivos serem muitas vezes ineficientes, levando a um desperdício adicional dos recursos naturais. E o problema poderá tender a piorar se considerarmos que, em 2030, o mercado global atingirá 3 mil milhões de consumidores de classe média.
Sem repensarmos a forma como usamos as matérias-primas nesta economia linear de "recolher-produzir-descartar", os recursos vitais para a indústria podem esgotar-se num prazo de dez a cinquenta anos. Recordo que, este ano, a população mundial esgotou os recursos naturais produzidos pela Terra no final de julho, o que significa que viveremos "a crédito" da natureza durante cinco meses. Pelas contas da Global Footprint Network, hoje, precisaríamos de 1,7 Terras para satisfazer as nossas necessidades.
Num modelo de economia circular, por outro lado, os produtos são desenhados para serem duráveis, reutilizáveis e recicláveis e os materiais para produção de novos produtos provêm de velhos produtos. Tanto quanto possível, tudo deve ser reutilizado, remanufaturado, reciclado e retransformado em matéria-prima e até usado como fonte de energia.
E há já alguns sinais de que estamos a dar passos nesta direção. A China foi dos primeiros países a adotar uma lei que promove a recuperação de recursos a partir de resíduos, em 2008. No mesmo ano, os ministros do Ambiente do G8 acordaram quanto à implementação de um plano de ação para os 3 Rs: reduzir, reutilizar e reciclar. Em 2015, a Declaração dos Líderes da Cimeira do G7 sublinhou a necessidade de cadeias de abastecimento sustentáveis. A União Europeia adotou um Pacote de Economia Circular, com metas para a reutilização de alimentos, água e plástico. Em Portugal, o Governo aprovou, em 2017, o Plano de Ação para a Economia Circular no âmbito da sua estratégia até 2020. E no 6 de Julho teve a apresentação oficial do "Porto Protocol": uma plataforma de troca de ideias, experiências e estudos empresariais que ajudem a mitigar as alterações climáticas.
Há quatro grandes benefícios associados a um modelo de economia circular: crescimento económico, poupança de recursos, crescimento do emprego e inovação. O PIB aumenta, resultado do aumento da receita proveniente de novas atividades circulares e da maior produtividade de recursos. O emprego cresce, como consequência dos trabalhos de mão de obra na reciclagem e reparações e na logística. Na Europa, isto pode significar a criação de 500.000 novos empregos. E novos negócios podem ser criados através de serviços inovadores e novos modelos de negócios, baseados na otimização de todo o sistema e na colaboração entre designers, fabricantes e recicladores.
O potencial de poupança é gigante. Os custos de refabricar telemóveis, por exemplo, podem ser reduzidos em cerca de 50% se a indústria produzir aparelhos de fácil desmontagem, melhorando o ciclo reverso, e se criar incentivos para a devolução de dispositivos que não são usados. As máquinas de lavar roupa de alta gama podem estar acessíveis a todos se forem alugadas, em vez de vendidas, algo que poderá representar poupanças em mais de um terço do custo por ciclo de lavagem, e cerca de um terço adicional em lucros, para os fabricantes. Globalmente, e apenas no que diz a materiais, estimam-se poupanças de mais de um trilião de dólares por ano, neste modelo.
Mas a economia circular requer pensamento sistémico e cooperação. Os ganhos económicos só podem concretizar-se se os vários "players" se unirem e redesenharem os principais fluxos de materiais e processos de produção, apoiados pelos decisores políticos e investidores. As empresas devem trabalhar numa lógica de "simbiose industrial" - o tipo de parceria em que os fluxos de resíduos da empresa A são trocados com a empresa B, que os utiliza como recurso nos seus próprios processos. Um exemplo bem-sucedido de simbiose industrial é o do ecoparque industrial em Kalundborg, na Dinamarca.
Mais do que às empresas, os benefícios podem estender-se a setores industriais e às economias nacionais. À medida que os países aprenderem a ampliar o uso de recursos, reduzirão a sua dependência de matérias-primas e outros produtos importados.
Estamos hoje perante um ponto de viragem. Se, por um lado, vemos como a busca de padrões lineares insustentáveis de consumo e produção ameaça o bem-estar das gerações futuras, verificamos, por outro lado, a abertura a uma abordagem reparadora para o aumento da prosperidade global.
O desafio e as oportunidades estão aí. A mensagem é que, enquanto protegemos o ambiente, podemos estimular o desenvolvimento económico e promover crescimento e novos empregos. A economia circular representa uma mudança sistémica que cria resiliência a longo prazo, gera oportunidades comerciais e económicas e proporciona benefícios ambientais e sociais. Não é um luxo, é uma obrigação.
Porto Business School