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09 de Abril de 2025 às 09:15

"Welcome to PLUTO!"

Se, neste momento, parece que estamos noutro planeta, é porque estamos a viver nos tempos de PLUTO. Somos extraterrestres no nosso planeta Terra. Tal como no seu homónimo planetário, estamos a entrar numa nova fase de mudanças intensas e profundas que transformam a nossa vida.

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Não, ainda não chegámos a Plutão! Até pode parecer que estamos a viver num outro planeta, mas continuamos na Terra e Plutão continua bem distante no nosso horizonte. PLUTO é somente a nova mnemónica para descrever os conceitos-chave do cenário global em que vivemos. Primeiro foi o mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo, Ambíguo). Depois veio o BANI (Frágil, Ansioso, Não Linear, Incompreensível). Hoje, a nova administração dos EUA parece encarnar e, simultaneamente, desafiar todas as categorizações anteriores, dando origem a um novo mundo. Polarizado, Líquido, Unilateral, Tenso e Omnirrelacional, eis o mundo PLUTO. Que quer isto dizer? Que fazer? Vejamos.

Polarizado: manter-se fiel
Todos comprovamos, diariamente, que o mundo está mais polarizado do que nunca, ao nível político, social e económico. Talvez “nunca” seja demasiado, mas, certamente, desde a chamada Guerra Fria. Ora este facto, acarreta, entre outras, duas consequências relevantes. Em primeiro lugar, questões como a importância da diversidade ou os requisitos do ESG, como guião para enfrentar as mudanças climáticas, apenas para citar algumas, que muitos pensávamos estarem a fazer um caminho progressivo consistente — quer se concordasse com a trajetória, quer não. Estas voltam uma vez mais a ser postas em causa e a ser calorosamente debatidas, resultando, em muitos casos, num retrocesso ou mesmo abandono de medidas e políticas, entretanto, implementadas. Por outro lado, os “stakeholders — dos clientes e investidores aos colaboradores — exigem cada vez mais clareza nos valores defendidos e nas expectativas que lhes são prometidas.

Nestas circunstâncias, o “P” de polarização exige um segundo “P”: propósito. As empresas com um propósito institucional claro ultrapassam melhor contextos adversos do que as que não o têm — a própria razão pela qual a empresa existe — ou em que aquele não está claro.

Que fazer? Definir o propósito de longo prazo da empresa e alinhar a estratégia com valores perenes, em vez de ceder a pressões de curto prazo, tipo “braço de ferro”. Lutar por alcançar bons resultados financeiros, mas permanecendo fiel ao propósito da organização. Navegar os tempos com empatia, visão e um forte compromisso para com um futuro para todos, mesmo todos.

Assim se diferenciarão as empresas e os líderes que, de forma autêntica, acreditam numa sociedade mais inclusiva e num mundo mais sustentável.

Líquido: preparar-se para cenários de mudança

As políticas e as alianças mudam de dia para dia. As empresas devem ir além de reagir a tudo e elaborar estratégias baseadas em cenários que ajudam a reduzir a ansiedade criada pela volatilidade. Um bom exercício é imaginar onde estará a empresa daqui a 12 meses, 3-5 anos e 10 anos, considerar o melhor e o pior dos cenários, buscando alternativas e medidas de contingência. Em ambientes caóticos e complexos que estão em constante evolução, há que ter processos ágeis para avaliar regularmente o que funciona, o que se tem aprendido e o que é preciso melhorar. Contudo, além disso, o próprio exercício aumentará o nível de confiança com que se encara a incerteza presente e o futuro.

Unilateral: desbravar oportunidades ao encontrar-se só
Durante décadas o comércio tem-se baseado, maioritariamente, em relações multilaterais. Porém, num instante, os acordos de cooperação multinacional evaporam-se. A política dos EUA — agora transacional e tática — centra-se no que beneficia a sua própria economia e nem mesmo os tradicionais aliados de longa data, como a Europa, são poupados.

Esta mudança de estratégia dos Estados Unidos, voltando-se para si mesmos, pode representar uma oportunidade para outros, nomeadamente para a Europa. Em concreto, é o momento de corrigirmos fragilidades de longa data: ultrapassar divisões internas, sair da situação de “tecnologia intermédia” para evoluir para tecnologia de ponta e competir, porque não com os Estados Unidos e a China, em matéria de inovação, repensar a regulamentação e implementar uma estratégia de aplicação de inteligência artificial com o foco no aumento da produtividade. Em todo este panorama, é claro que há desafios, mas há também oportunidades.

Tenso: proteger as operações e as cadeias de abastecimento
As tensões geopolíticas e geoeconómicas serão uma constante nos próximos anos, seja devido a guerras, como na Ucrânia e em Gaza, ou a rivalidades comerciais, desde logo entre os EUA e a China, mas envolvendo também o Canadá, o México, a Europa, etc. Por seu turno, as tarifas e outras medidas que venham a ser decretadas alterarão profundamente a estrutura de custos para as empresas.

O que fazer? Dar prioridade à resiliência. É altura de diversificar as cadeias de abastecimento para reduzir a exposição a pontos únicos de falha; investir em mercados alternativos e novos centros de produção para manter a flexibilidade; adotar estratégias de “nearshoring e “friendshoring para atenuar os riscos geopolíticos e reforçar as reservas financeiras para absorver o impacto de mudanças súbitas e inesperadas de política.

Omnirrelacional: descobrir novos parceiros e oportunidades
O antigo “dean” da Harvard Business School, Nitin Nohria previu, há alguns anos, que o século XXI seria um século multipolar. Dizia ele que “se nos concentrarmos apenas nas práticas de gestão americanas ou europeias, não estamos a preparar-nos para a inovação que vem da China, Índia, Brasil, África e de outras partes do mundo que estão a emergir rapidamente na cena mundial. Temos de ser muito melhores a detetar e a aceitar a inovação que pode ocorrer em qualquer parte deste mundo em mudança”.

Tem razão. Se avaliarmos o domínio da China apenas em termos da sua competição com os EUA, ignoramos os investimentos que, de forma crescente, tem feito na América Latina, em África e noutros locais do mundo. A própria corrida global pelo domínio da inteligência artificial é também uma história geopolítica multifacetada. É o momento de desenvolver a capacidade para obter ideias em locais improváveis. É o momento de encontrar novos parceiros que se baseiem nos mesmos valores, para forjar novas alianças e descobrir novas oportunidades onde quer que elas se encontrem. Elas estão lá, à espera de ser descobertas.

Ao longo da sua história, a União Europeia viveu períodos de maior estabilidade e grandes crises. Jean Monnet, um pioneiro defensor da unidade europeia, escreveu que “a Europa será forjada em crises e será a soma das soluções adotadas para essas crises”. O período recente tem sido longo e particularmente duro: crise após crise, cada uma com grande potencial destrutivo. Neste quadro, a resiliência das empresas e dos países, bem como a fortaleza das soluções colaborativas deve ser um imperativo.

Se, neste momento, parece que estamos noutro planeta, é porque estamos a viver nos tempos de PLUTO. Somos extraterrestres no nosso planeta Terra. Tal como no seu homónimo planetário, estamos a entrar numa nova fase de mudanças intensas e profundas que transformam a nossa vida.

Todos temos, e bem, esta salutar ambição de transformar o mundo para melhor. Mantenhamo-nos atentos ao mundo, aos outros e às inúmeras oportunidades que encontrarmos. Há que as abraçar. São dádivas da própria vida.

Estamos numa época de muitos finais, mas, igualmente, de muitos começos. Lembro-me, a este pretexto, de uma frase de Agustina Bessa-Luís: “O que resta, a vida que resta, o amanhã, é sempre o princípio feliz de alguma coisa.” Assim seja!

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