Opinião
Em mais um Dia Internacional da Mulher
Em Portugal, as mulheres praticamente atingiram a paridade em termos de educação e da população empregada. Contudo, um olhar mais detalhado sobre os números reconhecerá que existem três tipos de atividades económicas que empregam um terço das mulheres e onde estas são a maioria, a saber: Saúde e Apoio Social (83,3%), Educação (75%) e Atividades de Base Familiar (98%).
Logo no início do mês de março festejamos o Dia Internacional da Mulher. Este dia é antes de mais um alerta para a salutar convivência, desejada e desejável, entre homens e mulheres. Mas, no fundo, é um dia em que celebramos a própria diversidade: a riqueza de sermos diferentes e a beleza de sermos semelhantes. E celebramos porque a diversidade é a nossa própria humanidade.
Quando pensamos em diversidade, e em como a gerir nas nossas organizações, naturalmente que, mais além do “business case”, existe uma questão moral e ética que se baseia na profunda convicção de que todas as pessoas partilham a mesma dignidade inerente, o mesmo valor, os mesmos direitos e que tal facto nos chama a ser solidários uns com os outros, pela simples razão da nossa comum humanidade. Por isso, gerir a diversidade e promover o sentido de pertença é, simplesmente, a coisa certa a fazer.
Regressando ao “business case”, na verdade, analisando a abundante investigação sobre o impacto da diversidade, seja de sexo, etnia, idade, nacionalidade ou cultura, no desempenho, não se conclui que exista uma clara relação entre ambas as variáveis. Porém, embora tal facto pareça corroborar que o desempenho é fruto de competências, conhecimento, atitudes mais além da diversidade, é, contudo, inegável que promover o desenvolvimento dos colaboradores potencia uma maior inovação, criatividade, eficiência e estes são fatores que, reconhecidamente, contribuem para o sucesso sustentável das organizações. Daí que a gestão da diversidade tenda, na prática, a traduzir-se numa gestão atenta a cada um, às suas especificidades, incluindo culturais, mas também sociais, etárias e tantas outras que fazem de cada um o ser único que é.
Aliás, esta capacidade de lidar com diferentes pessoas revela-se fundamental para os líderes de hoje. É crucial reconhecer diferenças legítimas e abordar desigualdades injustas, promovendo políticas e práticas que garantam que todos tenham a oportunidade de contribuir e beneficiar do que se constrói na empresa. Mais ainda, é responsabilidade dos líderes promover a unidade para além das diferenças, ou seja, cultivar condições para que todos possam prosperar em comunidade.
Nas nossas empresas, podemo-nos perguntar: há trabalhos ou funções que — face a uma circunstância que faz algumas pessoas serem diferentes — poderá tornar quem as executa vulnerável, marginalizado ou fragilizado? Como gerimos estas situações?
Esta unidade na diversidade corresponde à criação de um ecossistema em que todos contribuem para um mesmo fim, com autonomia e interdependência mútua. Como ecossistema, é sempre delicado o equilíbrio entre demasiada diversidade, que pode ser desestabilizadora, e demasiada unidade, que levaria à esterilidade. No meio está a virtude, como o povo nos recorda, mas o equilíbrio, embora não seja fácil e dê trabalho, é, por seu turno, o garante de que as interações entre todos permanecem harmoniosas e bem coordenadas, formando um todo coeso e integral.
Nas nossas empresas, podemo-nos perguntar: como alcançamos a unidade na diversidade, evitando o caos ou a estagnação por excesso de rigidez?
Visto desta forma, num tal ambiente, as diferenças tornam-se um convite a olhar e ver a vulnerabilidade de uns e de outros, começando por nós mesmos, e entender a dependência mútua que nos une, acolhendo a oportunidade de servir e cuidar dos outros e a oportunidade de nos deixarmos servir e cuidar por outros.
Todos temos um elevado nível de autonomia e, na maioria das vezes, desfrutamos disso. Podemos, inclusivamente, chegar a pensar que é nisso que está o nosso principal valor: na facilidade com que agimos e decidimos por nós mesmos. Ou, ainda, pensar que é isso mesmo o que a sociedade nos exige enquanto adultos. A verdade, contudo, é que haverá fases da vida em que dependemos totalmente de outros, em que teremos de permitir que outros cuidem de nós e outras fases da vida em que devemos ser nós a cuidar de outros. Nem sempre estaremos preparados para assumir a interdependência exigida pela nossa vulnerabilidade, mas vale a pena refletir sobre três pontos.
Em primeiro lugar, sentimo-nos bem, sentimo-nos mais humanos, conforta-nos a alma, e o corpo, o facto de nos sentirmos apoiados, estimados e ajudados pelos outros, nomeadamente, nas situações de maior fragilidade. São momentos que se tornam inesquecíveis pelo seu grande teor de humanidade.
Para além disso, nascemos seres relacionais e, por isso mesmo, realizamo-nos na companhia de outros. Experimentamos o bom que é quando vivemos, trabalhamos, estamos juntos, em comunidade, seja na família, na empresa ou noutro qualquer ambiente. Sabemos a diferença que faz, para melhor, sermos parte de uma comunidade que nos protege do isolamento e da solidão, uma comunidade em que não somos anónimos e com quem partilhamos a nossa intimidade e a nossa humanidade.
Por último, é no seio destas relações que aprendemos a estimar, a acolher e a cuidar dos outros e também deste mundo onde todos vivemos: a casa familiar, o bairro, a empresa, a cidade, o país, o mundo. A única maneira de construir um mundo à medida da nossa humanidade é fazer da humanidade, a cuidadora do mundo.
O que tem tudo isto a ver com o Dia Internacional da Mulher? Tudo! Em Portugal, as mulheres praticamente atingiram a paridade em termos de educação e da população empregada. Contudo, um olhar mais detalhado sobre os números reconhecerá que existem três tipos de atividades económicas que empregam um terço das mulheres e onde estas são a maioria, a saber: Saúde e Apoio Social (83,3%), Educação (75%) e Atividades de Base Familiar (98%). Pode argumentar-se que se trata de estereótipos culturais e que ainda existem barreiras de acesso a outro tipo de atividades. Sem dúvida, mas tais argumentos são curtos face à dimensão dos números. Pode, por outro lado, argumentar-se que as mulheres, genericamente, se sentem mais atraídas por profissões com uma forte componente humana e em que a sua atitude, acolhedora e cuidadora, a par do seu desempenho fará, certamente, a diferença. Têm um conhecimento não apenas técnico, mas humano sobre as circunstâncias, um saber-cuidar que vem de gerações. Sem dúvida, também.
E por isso, a preocupação de trazer não apenas para o mundo social, mas também para o mundo económico e político mais mulheres, principalmente em funções com capacidade de decisão, deve ser uma preocupação genuína da nossa sociedade. Assim como o vice-versa, atraindo mais homens para âmbitos mais sociais. Para que em todos os ambientes estejam presentes ambos os olhares, de homens e mulheres, sobre uma mesma humanidade partilhada. Só nessa medida, poderemos aspirar a construir, em conjunto, uma sociedade não apenas do bem-fazer, mas do bem-cuidar; uma sociedade que cuide de cada um e em que cada um cuide dos outros e do mundo; uma sociedade mais humana e mais resiliente, porque mais comprometida. Até lá, mantenhamos o alerta!