Opinião
Humano ou natural: qual o melhor capital?
Há poucas dúvidas sobre o impacto positivo da educação para o crescimento económico e o desenvolvimento social. O "capital humano" revela-se muito mais importante para o desenvolvimento dos países do que a abundância de recursos naturais.
A dependência de um recurso natural tende a limitar a criação de uma economia eficiente, gerando o fenómeno que ficou conhecido como "doença holandesa". O enriquecimento súbito de um país devido, por exemplo, à descoberta de petróleo provoca uma entrada brusca de capital, levando à valorização da moeda e à perda de competitividade dos restantes setores. Este efeito pode também ser sentido ao nível regional ou local, com a inesperada fonte de riqueza a absorver os recursos, de capital e humanos, estiolando as restantes atividades. A extração de volfrâmio, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, gerou grandes fortunas no interior do país, mas não permitiu um desenvolvimento sustentado nem reduziu as assimetrias regionais. Foram sobretudo empresas multinacionais e técnicos estrangeiros que asseguraram os picos de extração gerados pelos grandes conflitos militares como observava o historiador João Paulo Avelãs Nunes em "Minas, mineiros e guerras: as corridas ao volfrâmio" no Público de 6 de novembro de 2011.
O petróleo é talvez o recurso natural que mais tem contribuído para limitar o desenvolvimento dos países onde é mais abundante. Mesmo nos EUA, as regiões com maior produção de petróleo e carvão tendem a ter um rendimento inferior à média e um desenvolvimento humano muito inferior. Para serem úteis ao desenvolvimento local, os recursos naturais devem estar associados a elevado capital humano e modelos de governação eficientes. O exemplo mais notável é o da Noruega em que os rendimentos do petróleo são investidos num fundo soberano para benefício das gerações futuras e no apoio a atividades que permitam reduzir o impacto ambiental das emissões de dióxido de carbono, como a produção de energias renováveis ou a utilização de veículos elétricos.
Embora tradicionalmente desprovido de recursos naturais abundantes, Portugal pode vir a explorar petróleo, que a prazo tende a ser menos valioso, ou o seu possível sucessor, o lítio, essencial para a produção de baterias, em que se estima vir a ser o quinto maior produtor mundial. Este cenário pode ser uma ameaça, se não formos capazes de evitar que se repita o abandono da agricultura e indústria provocado pela febre do volfrâmio. Porém, o ensino português pode revelar a capacidade de formar os quadros necessários a esta e outras atividades que a transformação económica exige, sem que os efeitos negativos se materializem.
A crise financeira revelou a capacidade regenerativa do nosso setor empresarial. Privados de investimento estrangeiro e com um mercado interno atrofiado, desenvolvemos atividades exportadoras nos mais diversos setores de atividade. É particularmente notável que grande parte desta expansão se devesse à criação de novas empresas, muito além dos "unicórnios", cuja valorização superior a mil milhões de dólares tem merecido tanto destaque.
O ensino superior português tem tido um papel fundamental tanto no desenvolvimento do capital humano como no fomento do empreendedorismo. A evidência do primeiro está no nível de aceitação que muitos milhares de recém-licenciados portugueses tiveram nos países europeus mais desenvolvidos, quando as oportunidades internas escassearam. Hoje vivemos a situação inversa, de procura superior à oferta, intensificada pelo regresso de empresas multinacionais. No entanto, também esta situação representa uma ameaça, dado que o inevitável aumento de salários e oportunidades pode desencorajar a criação dos próximos "unicórnios".
A ISCTE Business School promoveu, desde o início do novo milénio, o fomento do empreendedorismo através do ensino, da investigação e da criação de dois centros de apoio, o Audax, em 2005, e a BGI (Building Global Innovators) em 2010. A colaboração com escolas de engenharia e de ciências permitiu apoiar mais de uma centena de start-ups ao nível da elaboração de planos de negócio, incubação, obtenção de financiamento, desenvolvimento estratégico ou da internacionalização. A Science4You é um dos exemplos mais inspiradores a que se juntam novas empresas em setores tão diversos como os das tecnologias de informação, da bioengenharia ou da economia do mar. O contributo de uma geração mais qualificada, para a criação de novas empresas e a inovação das já existentes, será decisivo para enfrentar os riscos da dependência de setores cuja vantagem comparativa resulta apenas de recursos naturais abundantes.
Diretor da ISCTE Business School
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