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2024 – o ano de todos os perigos

Em vez de razões económicas, os fatores que fazem de 2024 o ano de todos os perigos são fatores geopolíticos, gerando nuvens negras no horizonte, tanto a nível de cada nação, como regionalmente e a nível global.

Acredito que o ano que agora começa vai ser um ano perigoso para a sustentabilidade e progresso nacional e mundial.

Surpreendentemente, e apesar dos prognósticos negativos recentes, as razões não são económicas. De facto, após uma súbita subida da inflação em 2022, seguido do mais rápido aumento das taxas de juro de que há memória nas últimas décadas, a expetativa era de uma recessão económica. No entanto, a inflação parece agora controlada e o ciclo das taxas de juro está-se a inverter, com algum alívio de taxas esperado já para 2024. Uma recessão profunda parece ter sido evitada, certamente nos Estados Unidos, mas também na Europa apesar da debilidade económica dos últimos meses. O aumento do custo de capital apanhou algumas empresas desprevenidas que levaram a falências, mas não tantas como receado. Muitas empresas, em particular as tecnológicas, anunciaram despedimentos para manter a sua estrutura de custos controlada, mas o nível de emprego nas economias desenvolvidas mantém-se muito elevado.

Assim, durante 2024, a expetativa de descida de taxas de juro vai reduzir o custo de capital e promover o investimento, podendo estabilizar as economias, em particular em países como Portugal que beneficiam grandemente dos fundos estruturais europeus este ano, com a aceleração da execução do PRR e o arranque do Portugal 2030. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento tecnológico a que assistimos, nomeadamente em inteligência artificial e fortes avanços em setores como a Saúde, a Energia e Automóvel, podem levar a aumentos de produtividade e trazer novas armas para combater as mudanças climáticas. De certa forma, o potencial dos mercados abertos no contexto de sociedades democráticas está a ser realizado, levando a aumentos de bem estar das populações, apesar de haver importantes desafios em termos de igualdade económica, inclusão, sistema fiscal e uso de recursos naturais, os quais requerem melhorias.

Em vez de razões económicas, os fatores que fazem de 2024 o ano de todos os perigos são fatores geopolíticos, gerando nuvens negras no horizonte, tanto a nível de cada nação, como regionalmente e a nível global.

Ao nível das nações, muitos países estão a sofrer um contexto político cada vez mais dividido, com o crescimento de ideologias radicais de esquerda ou de direita que abafam o diálogo e anulam o centrismo político onde normalmente se encontram as soluções sensatas, baseadas na evidência e na experiência, para problemas cada vez mais complexos. Isto leva a um radicalismo político e facilita o aparecimento e legitimação de líderes mais autoritários. Neste contexto, líderes com visão e valores tendem a não emergir e há o perigo de vermos a democracia retroceder em vários países.

Ao nível das regiões do globo, temos cada vez mais instabilidade geopolítica, seja na Europa de Leste onde a invasão da Ucrânia pela Rússia já dura há quase dois anos e parece estar empatada, como ao nível do médio oriente onde o conflito que opõe Israel ao Hamas coloca em risco a estabilidade de toda a região. Há o perigo de a normalização das situações de conflito levar a que a guerra pareça “mais normal” e que outros focos possam emergir, provocados normalmente por líderes autoritários que usam a guerra como desculpa para as suas falhas ou como instrumento da construção de impérios.

Ao nível global, assistimos na última década ao final do ciclo de uma ordem internacional definida pela hegemonia americana, sendo substituída pela competição entre duas grandes potências que tentam definir e arregimentar os seus blocos de aliados. Neste contexto, as organizações multilaterais perdem influência e são vistas e geridas como meros instrumentos de prossecução da agenda política dos Estados mais fortes. A Organização das Nações Unidas, por exemplo, parece enfraquecida nesta nova ordem mundial, gerando o perigo de ninguém estar ao leme para a resolução dos problemas mundiais.

Apesar dos perigos para 2024, há também esperança. Nunca antes a Humanidade teve tanto conhecimento, talento, capital e tecnologia que podem ser usados para o bem comum. A agenda de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas continua a ser uma inspiração para guiar a nossa atenção, políticas e recursos até 2030, num caminho de maior sustentabilidade e prosperidade. Acredito que para este potencial ser concretizado, e tendo em conta o difícil contexto geopolítico que atravessamos, vão ser importantes três fatores:

- Uma atitude ativa e construtiva por parte dos cidadãos: protesto por protesto não resolve nada e protesto radical apenas provoca reações antagónicas. Dar o poder a partidos populistas não vai resolver os problemas complexos com que a sociedade moderna se defronta. Resistência dos cidadãos à mais pequena tentativa de reforma vai fazer os líderes políticos evitar enfrentar os problemas mais sérios. Querer melhorias mas não estar disponível para fazer quaisquer sacrifícios ou mudança nos comportamentos individuais vai levar a fracos resultados. Os cidadãos, tanto individualmente como coletivamente, são mais poderosos do que em qualquer altura no passado e, se usarem esse poder inteligentemente e de forma construtiva, a sociedade pode melhorar.

- Reforço da governança global e das organizações multilaterais: é necessário o reforço e a intervenção ativa de organizações multilaterais na resolução dos problemas complexos que o mundo enfrenta, tais como as mudanças climáticas, saúde global, fluxos migratórios, reforma fiscal global, perda de biodiversidades, entre muitos outros. Estes desafios só poderão ser resolvidos com uma governança global por organizações internacionais com recursos próprios e mandatos claros, sejam elas organizações supranacionais com funções políticas ou reguladoras, ou grandes ONG, fundações e alianças criadas em torno de objetivos comuns.

- O assumir da agenda da sustentabilidade pelas empresas: num mundo mais perigoso, regido mais fortemente pelos interesses dos Estados-Nações, as grandes empresas precisam de assumir maior responsabilidade e liderança na prossecução da agenda da sustentabilidade. As empresas só conseguem singrar num ambiente próspero e têm portanto objetivos de longo prazo alinhados com a sustentabilidade. Onde a liderança política parece estar a faltar, a liderança empresarial precisará de colmatar, assumindo uma responsabilidade que vai para além dos acionistas e stakeholders diretos.

Para que o ano de 2024 traga uma esperança renovada no futuro da humanidade, os cidadãos, líderes empresariais e organizações multilaterais precisam de assumir a liderança do tema da sustentabilidade, promovendo a paz, a defesa do planeta e a prosperidade dos cidadãos.

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