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O adeus do Presidente que governou para os mercados

Os mercados podem gostar de Trump. Eu acho que o mundo não merece uma liderança assim.

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Não gosto de Trump. Ver uma personalidade como ele à frente de um país como os Estados Unidos foi algo que nunca imaginei. O seu carácter, os seus preconceitos, a sua forma de estar, são tudo aquilo que eu acho que um líder mundial não deve ter. Mas, ao contrário de mim, os mercados adoram Donald Trump.

É verdade que quando foi eleito já a bolsa norte-americana vivia anos dourados, depois da épica recuperação da violenta crise de 2007-2009. Curiosamente, no mês que antecedeu a sua eleição, os mercados caíram, temendo o que poderia fazer um homem como ele à frente do Governo mais poderoso do mundo. Mas Donald Trump sempre governou para o mercado e contribuiu para que este tenha sido (ou esteja a ser, depende da perspectiva) um longo "bull market" de 10 anos.

A forte redução de impostos, o fim de inúmeras regulamentações, a pressão sobre a Fed no corte de taxas e a adopção de uma política muito agressiva de compra de activos são apenas alguns dos exemplos da razão pela qual os mercados adoram Trump. Mesmo quando os Estados Unidos ameaçavam a China com a guerra comercial, quando sentia que as bolsas começavam a ficar demasiado afectadas por isso, aparecia logo uma palavra de concórdia e de esperança de um entendimento. Por vezes, essas declarações apareciam em suportes importantes, quase como se Trump fosse um analista técnico que ajudava o mercado nos pontos-chave.

Em Fevereiro, esperava-se um passeio para Trump na sua reeleição. A economia estava pujante e, apesar dos vários problemas institucionais que a personalidade de Trump provocava, as sondagens indicavam a sua reeleição. Mais do que as sondagens, prefiro olhar para as casas de apostas porque é aí que quem faz as "odds" põe o seu dinheiro em risco e, nessa altura, essas "odds" implicavam uma probabilidade de Trump vencer as eleições superior a 60%. Veio o novo coronavírus, o desemprego a ele associado e uma gestão horrível da crise sanitária. Se é verdade que os Estados Unidos, como é seu apanágio, intervieram rapidamente e de uma forma muito pujante na economia, a forma como Trump conduziu toda a política de comunicação foi um verdadeiro desastre.

As manifestações anti-racismo e o verdadeiro clima incendiário nas grandes cidades americanas foram o rastilho que fez detonar Trump. O racismo é um problema criado pelo Presidente dos Estados Unidos? Não. É um problema que tem séculos de História. Mas a forma insensível, sem demonstrar qualquer compaixão, tornou-o o rosto desse problema. E aquele momento em que afastou à força uma multidão para ir tirar uma foto com a Bíblia à porta da Igreja foi o culminar de uma série de atitudes que nem alguns dos seus mais próximos aliados perdoaram.

Depois de tudo isto, quem apostar, numa casa de apostas, na vitória de Trump receberá bastante mais dinheiro do que se apostar em Biden, já que as probabilidades implícitas de vitória do actual Presidente já são apenas de 40%. E, apesar de, teoricamente, o grande capital ter estado sempre do lado de Trump devido à sua política pró-mercado, neste momento Joe Biden já angariou mais fundos para a sua campanha do que o republicano, com a ajuda do anterior Presidente Obama.

Mas será Joe Biden mau para os mercados? O candidato à presidência tem aberto muito pouco o jogo sobre o seu programa. Sabe que Trump está em queda livre, por isso, fala pouco, mostra pouco, deixando que seja o actual Presidente a cavar a sua própria sepultura. Mas, tradicionalmente, os democratas taxam muito mais e parece já evidente que isso custará um dinheiro significativo às principais empresas cotadas em bolsa. Quanto à questão de voltar a apertar a regulação, é ainda difícil perceber qual vai ser a política, dada esta estratégia de "fingir-se" de morto por parte de Biden, esperando que Trump caminhe para o abismo.

Biden é um candidato sem carisma, sem liderança e que não consegue criar uma onda à sua volta. Mas um candidato mediano, no actual contexto de desgaste de Trump, deverá bastar para o derrotar. E é bem possível que os democratas façam um "sweep", ou seja, conquistam a presidência, o Senado e a Casa dos Representantes.

Ainda faltam alguns meses para as eleições e muita coisa pode mudar. Se a bolsa americana perder força, o grande argumento de Trump para a reeleição, esvanece-se. Por outro lado, acredito que, quanto mais nos aproximamos das eleições e os mercados percepcionarem a vitória de Biden, poderão surgir quedas. É um factor que devemos começar a ter em conta daqui para a frente e que estará na agenda dos próximos meses.

Adoro os mercados, tal como Trump. Adoro menos regulamentação, tal como ele. Mas quando um Presidente dos Estados Unidos, em plena pandemia que já causa mais de 120 mil mortos no país, e no momento de maior tensão nas ruas deste século e das homenagens fúnebres a George Floyd decide começar o seu discurso, nesse dia, dizendo que "Wall Street está em forte alta, mostrando a pujança da economia americana", diz muito do carácter deste homem. Os mercados podem gostar de Trump. Eu acho que o mundo não merece uma liderança assim. E festejarei a sua derrota no dia 3 de Novembro.


Artigo escrito em 26/06/20 às 12h00
Fontes: https://www.nyse.com/index
https://www.oddschecker.com/politics/us-politics/us-presidential-election-2020/winner

Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico


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