Opinião
Ascensão e queda das bolsas infectadas
Não é com dinheiro que, nesta altura, se vai estimular a economia e retirar o medo aos consumidores.
Comente aqui o artigo de Ulisses Pereira
O início da semana passada foi de recuperação nas bolsas mundiais. Conforme escrevi no último artigo neste espaço de opinião, era altamente provável que acontecesse um ressalto nos mercados, depois da primeira semana de pânico e quedas violentas. O Dow Jones chegou, inclusivamente, a ter a sua maior subida diária em pontos (não percentualmente) de sempre.
Estas subidas do arranque da última semana eram previsíveis, foi um ressalto técnico à extrema "sobrevenda" em que se encontravam alguns indicadores técnicos e daí não podemos aferir força do mercado. Isso poderá acontecer daqui a uns tempos quando o mercado subir consistentemente e ignorar as más notícias. Por agora, é prematuro. E foi também com naturalidade que nos últimos dois dias da semana, os mercados regressaram às quedas fortes que têm caracterizado este período em que o novo coronavírus fala mais alto.
Não podemos também ignorar que, no início da semana passada, surgiram notícias nos Estados Unidos que agradaram aos mercados e ajudaram a tornar mais forte o ressalto. A Superterça-feira nos Estados Unidos deu uma enorme vantagem a Joe Biden sobre Bernie Sanders na corrida para encontrar o candidato democrata às eleições presidenciais norte-americanas. Bernie Sanders é o nome mais temido pelos mercados, pelo que o facto de passar a ter uma baixa probabilidade de vir a ser o próximo Presidente dos Estados Unidos foi muito bem recebido pelo mercado.
Além disto, a Reserva Federal norte-americana (Fed) decidiu, de uma forma extraordinária, longe de qualquer normal reunião sobre esta matéria, cortar em 50 pontos base as taxas de juro nos Estados Unidos. A ideia subjacente a esta decisão é actuar rápida e preventivamente antes que a economia comece a ser afectada pelo coronavírus. É muito raro uma decisão desta magnitude da parte da Fed mas recordo que, em 22 de Janeiro de 2008, a Fed cortou em 75 pontos base, na sequência das quedas violentas no mercado e, nesse mesmo ano, em 8 de Outubro, numa decisão concertada com a maior parte dos bancos centrais mundiais, houve um corte generalizado de 50 pontos base. Foram os cortes extraordinários mais fortes na história da Fed. Em 2008, essas decisões foram muito importantes para reverter a grave crise financeira existente, mas confesso que não me agrada a actual decisão.
Não é com dinheiro que, nesta altura, se vai estimular a economia e retirar o medo aos consumidores. O que vivemos não é uma crise financeira e assusta-me que a Fed tenha gasto duas "balas" (dois cortes de 25 pontos base) de uma só vez nesta altura. Os mais optimistas dirão que esta actuação rápida da Fed mostrará ao mercado que continuará a intervir no mercado caso a situação se deteriore e que o clássico adágio "don’t fight the Fed" mostrará a força do corte de taxas no mercado. Já os mais pessimistas defenderão que esta actuação extraordinária e rara da Fed apenas fará o mercado ficar mais preocupado pois é sinal de uma situação grave. Entre ambas as perspectivas, confesso que sinto que o mercado ficou mais frágil depois do corte do que antes dele, pelo sinal que ele em si encerra.
Alguns poderão achar coincidência que a recuperação do PSI-20 na primeira metade da semana passada tenha terminado nos 5.000 pontos durante a sessão de quarta-feira. Como devem calcular pelo que aqui tenha escrito, não acho que tenha sido coincidência. A zona entre os 5.000 e os 5.050 pontos é agora a resistência do PSI e é natural que o ressalto tenha chegado ao fim quando o índice chegou a essa importante zona. Já os velhinhos e sábios manuais de análise técnica defendiam que um suporte quebrado passa a ser a nova resistência e a bolsa portuguesa provou isso mesmo.
Durante o ressalto da primeira metade da semana passada na bolsa portuguesa, o grande destaque vai para o comportamento da EDP e EDP Renováveis. Como escrevi no artigo de há duas semanas, estas acções continuam a comportar-se de uma forma anormal em relação ao resto do mercado, mostrando uma força compradora avassaladora. Continua a guerra por posições nas eléctricas, com a pressão compradora a continuar a ser evidente. E, por isso, não surpreendeu que no ressalto do mercado tenham sido as acções que mais subiram. A EDP Renováveis conseguiu, inclusivamente, fechar ao nível mais alto de sempre, o que nestas condições de crise é um feito absolutamente extraordinário.
Como poderemos saber que a bolsa portuguesa deu um verdadeiro sinal de força? Se quebrar a zona de resistência entre os 5.000 e os 5.050 pontos dará um sinal de força inequívoco que não podemos ignorar. Mas, na verdade, o mercado tem vindo a afastar-se dessa zona, o que torna improvável esse cenário nas próximas semanas.
Não são apenas as pessoas que estão infectadas com o novo coronavírus, os mercados também estão. Muitos têm sido os corajosos que têm tentado entrar, acreditando que está já curado e pronto para correr de novo. Mas o mercado está cheio de heróis sem cabeça, de falsos faquires que teimam a apanhar facas a cair. Haverá muitos ressaltos e subidas fortes nos próximos tempos, como é próprio depois de quedas violentas. Mas não há ainda qualquer sinal de força consistente e, enquanto isso não suceder, há que respeitar a fraqueza de um mercado contaminado.
Artigo escrito em 06/03/20 às 12h30
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
www.nyse.com
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
O início da semana passada foi de recuperação nas bolsas mundiais. Conforme escrevi no último artigo neste espaço de opinião, era altamente provável que acontecesse um ressalto nos mercados, depois da primeira semana de pânico e quedas violentas. O Dow Jones chegou, inclusivamente, a ter a sua maior subida diária em pontos (não percentualmente) de sempre.
Não podemos também ignorar que, no início da semana passada, surgiram notícias nos Estados Unidos que agradaram aos mercados e ajudaram a tornar mais forte o ressalto. A Superterça-feira nos Estados Unidos deu uma enorme vantagem a Joe Biden sobre Bernie Sanders na corrida para encontrar o candidato democrata às eleições presidenciais norte-americanas. Bernie Sanders é o nome mais temido pelos mercados, pelo que o facto de passar a ter uma baixa probabilidade de vir a ser o próximo Presidente dos Estados Unidos foi muito bem recebido pelo mercado.
Além disto, a Reserva Federal norte-americana (Fed) decidiu, de uma forma extraordinária, longe de qualquer normal reunião sobre esta matéria, cortar em 50 pontos base as taxas de juro nos Estados Unidos. A ideia subjacente a esta decisão é actuar rápida e preventivamente antes que a economia comece a ser afectada pelo coronavírus. É muito raro uma decisão desta magnitude da parte da Fed mas recordo que, em 22 de Janeiro de 2008, a Fed cortou em 75 pontos base, na sequência das quedas violentas no mercado e, nesse mesmo ano, em 8 de Outubro, numa decisão concertada com a maior parte dos bancos centrais mundiais, houve um corte generalizado de 50 pontos base. Foram os cortes extraordinários mais fortes na história da Fed. Em 2008, essas decisões foram muito importantes para reverter a grave crise financeira existente, mas confesso que não me agrada a actual decisão.
Não é com dinheiro que, nesta altura, se vai estimular a economia e retirar o medo aos consumidores. O que vivemos não é uma crise financeira e assusta-me que a Fed tenha gasto duas "balas" (dois cortes de 25 pontos base) de uma só vez nesta altura. Os mais optimistas dirão que esta actuação rápida da Fed mostrará ao mercado que continuará a intervir no mercado caso a situação se deteriore e que o clássico adágio "don’t fight the Fed" mostrará a força do corte de taxas no mercado. Já os mais pessimistas defenderão que esta actuação extraordinária e rara da Fed apenas fará o mercado ficar mais preocupado pois é sinal de uma situação grave. Entre ambas as perspectivas, confesso que sinto que o mercado ficou mais frágil depois do corte do que antes dele, pelo sinal que ele em si encerra.
Alguns poderão achar coincidência que a recuperação do PSI-20 na primeira metade da semana passada tenha terminado nos 5.000 pontos durante a sessão de quarta-feira. Como devem calcular pelo que aqui tenha escrito, não acho que tenha sido coincidência. A zona entre os 5.000 e os 5.050 pontos é agora a resistência do PSI e é natural que o ressalto tenha chegado ao fim quando o índice chegou a essa importante zona. Já os velhinhos e sábios manuais de análise técnica defendiam que um suporte quebrado passa a ser a nova resistência e a bolsa portuguesa provou isso mesmo.
Durante o ressalto da primeira metade da semana passada na bolsa portuguesa, o grande destaque vai para o comportamento da EDP e EDP Renováveis. Como escrevi no artigo de há duas semanas, estas acções continuam a comportar-se de uma forma anormal em relação ao resto do mercado, mostrando uma força compradora avassaladora. Continua a guerra por posições nas eléctricas, com a pressão compradora a continuar a ser evidente. E, por isso, não surpreendeu que no ressalto do mercado tenham sido as acções que mais subiram. A EDP Renováveis conseguiu, inclusivamente, fechar ao nível mais alto de sempre, o que nestas condições de crise é um feito absolutamente extraordinário.
Como poderemos saber que a bolsa portuguesa deu um verdadeiro sinal de força? Se quebrar a zona de resistência entre os 5.000 e os 5.050 pontos dará um sinal de força inequívoco que não podemos ignorar. Mas, na verdade, o mercado tem vindo a afastar-se dessa zona, o que torna improvável esse cenário nas próximas semanas.
Não são apenas as pessoas que estão infectadas com o novo coronavírus, os mercados também estão. Muitos têm sido os corajosos que têm tentado entrar, acreditando que está já curado e pronto para correr de novo. Mas o mercado está cheio de heróis sem cabeça, de falsos faquires que teimam a apanhar facas a cair. Haverá muitos ressaltos e subidas fortes nos próximos tempos, como é próprio depois de quedas violentas. Mas não há ainda qualquer sinal de força consistente e, enquanto isso não suceder, há que respeitar a fraqueza de um mercado contaminado.
zona entre os 5.000 e os 5.050 pontos é a zona de resistência do PSI-20
Variação do PSI-20
Ressalto pode ter chegado ao fim quando o índice chegou a essa zona.
Artigo escrito em 06/03/20 às 12h30
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
www.nyse.com
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
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