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100 milhões por uma obra-prima ou um pedaço de mármore?

A venda de uma peça pode contribuir para manter empregos. Coloca-se, contudo, a questão se todos os empregos são necessários, ou se algumas pessoas ficarão sem nada para fazer. Mas, tendo tantas peças de arte, não haverá um grande impacto se se venderem umas poucas.

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A londrina Royal Academy of Arts está, à semelhança de muitas outras instituições culturais e artísticas, a atravessar uma situação financeira difícil. A Academia está a equacionar uma redução de custos anuais, que se deve traduzir no despedimento de cerca de 150 empregados.

Surgiu agora uma proposta de venda de uma escultura que é uma obra de arte de Miguel Ângelo, que poderá valer mais de 100 milhões de libras esterlinas, permitindo assim proporcionar uma liquidez financeira que permita amortizar dívidas e manter os empregos.

Contudo, essa proposta está longe de ser consensual, havendo opiniões diversas.

Por um lado, há quem refira a questão da responsabilidade social da instituição no despedimento de 150 pessoas. A venda de uma peça pode contribuir para manter empregos. Coloca-se, contudo, a questão se todos os empregos são necessários, ou se algumas pessoas ficarão sem nada para fazer. Mas, tendo tantas peças de arte, não haverá um grande impacto se se venderem umas poucas.

Por outro lado, temos a questão da obra ter sido doada pela Lady Margaret Beaumont, como uma inspiração para os estudantes das escolas da Academia, não tendo sido doada como um contributo financeiro para ser usado quando a Academia estivesse numa situação de falta de liquidez. Ao se criar este precedente, muito dificilmente se impedirá outras vendas de obras de arte para estes fins. A atual situação é realmente extraordinária, mas não é difícil no futuro encontrar justificações para argumentar que se está numa situação extraordinária e vender obras de arte.

Pode ter também o efeito de se incentivar algum despesismo uma vez que “se faltar dinheiro, não há problema pois pode vender-se uma ou mais peças e resolver o problema”.

Contudo, um argumento surpreendente de um artista é que é moralmente errado a Academia “agarrar-se a um pedaço de mármore que poderia tornar a mesma financeiramente sólida nos próximos anos”. A parte surpreendente é a de um “pedaço de mármore”. Ora, na linha de pensamento deste artista, então a arte iria rapidamente definhar, pois passaríamos a considerar certas esculturas como uns “calhaus” e certas pinturas como umas “pinceladas numa tela”.

Aliás, na realidade a nossa vida está dependente de perceções e valorização de produtos que na realidade poderiam não ter esse valor. Uma nota de cem euros é um “papelito”, o ouro não tem uma função utilitária (por exemplo, como material de construção) que justifique o seu valor, etc. No dia em que estas atribuições de valor desaparecerem (algumas suportadas em legislação vs. outras em pura perceção), o mundo será muito diferente, especialmente na área da cultura.

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