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28 de Março de 2014 às 09:56

Moledo do Minho: a última praia portuguesa?

Quando era miúdo, olhava dali para Espanha e abençoava a nortada. Mesmo. Pensava - e costumava partilhá-lo com amigos, tanto locais como "invasores de Agosto" - que quanto pior fosse o tempo, menor seria a probabilidade de destruição da património em nome da "economia". "O mau tempo salva", era o meu evangelho, tipo "a brincar que o digas".

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Quando era miúdo, olhava dali para Espanha e abençoava a nortada. Mesmo. Pensava - e costumava partilhá-lo com amigos, tanto locais como "invasores de Agosto" - que quanto pior fosse o tempo, menor seria a probabilidade de destruição da património em nome da "economia". "O mau tempo salva", era o meu evangelho, tipo "a brincar que o digas".


Acho que uma boa parte do charme da zona - além de se distinguir do habitual panorama amarelado de praia português, ao acrescentar-lhe o cheiro a verde da montanha - se deve ao facto de a meteorologia funcionar como uma espécie de barreira natural: com humor, digo que levar chicotada de areia nas pernas - ou mesmo chuva em pleno Agosto - pode ser normal na Normandia, mas por cá, é só mesmo para quem gosta. Faz bem, podem crer, e tende a atrair aqueles que de facto gostam do sítio pelo que ele é. São os militantes da aldeia de António Pedro - encenador e fundador do Teatro Experimental do Porto, ali criado - gente de todo o lado, unida por essa característica, o gosto pelo que é autóctone, das Festas e Romarias ao Atlântico gelado, passando pelo edificado religioso de luxo, pela arquitectura - que inclui duas casas da autoria de Siza Vieira - o Pinhal do Camarido que um helicóptero galego salvou em 1996, indo até algumas das mais bens estimadas cidades e vilas portuguesas e até mesmo… a praia.


Quantas pessoas - ali, naquela aldeia, e tantas outras do nosso território - terão conseguido sustentar-se e por lá ficar? Quantas moram ainda entre ali e o Porto, com menos de quarenta anos de idade? Um número que desconheço, mas cuja influência directa na actividade económica local, identidade e defesa dos interesses da região, não pode deixar de ser nefasta. Esta semana, o desvario voltou à baila.


Poupo-o, caro leitor, à lembrança do descalabro que foi o estado do mar este ano, um pouco por toda a parte; naquela praia, têm vindo a suceder-se os galgamentos marítimos e este ano não foi excepção: o paredão, consolidado há sessenta anos, cedeu. A duna está, literalmente, comida e na vertical. A linha de mar terá avançado talvez cem metros em dez anos (diz quem sai para o mar, e eu confio) e a actividade balnear - nevrálgica numa região onde a crise não começou só quando a troika chegou - está em risco. Que faz um dono de um bar de praia com licença obtida junto do Governo? Pois não tendo onde montar arraiais, avança com uma obra em plena duna. Exacto, em plena duna; não é ao pé, nem por uns metros, como no caso de corrupção corrente do Freeport, é em cima. O caso está a dar brado e ainda bem; a Junta de Moledo e Cristelo apela a todos que se juntem à sua página do Facebook para que o protesto continue. É que a licença passa ao lado da sede concelhia, a Câmara de Caminha; repare, é a APA - Agência Portuguesa do Ambiente - que licencia. O que isto quer dizer, na prática, é que um representante eleito pelas populações (neste caso, o presidente da Junta) é ultrapassado por um governante escolhido pelo partido do Governo, neste caso o ministro do Ambiente e/ou seus acólitos. Uma vergonha autêntica, para não dizer mesmo um crime: é que aqueles terrenos são da Junta, que os comprou nos finais do século XIX. E tem sido a Junta a tratar deles, a responsabilizar-se (às vezes, com melhor articulação com a Câmara de Caminha, outras vezes pior, como é natural) e a preservá-los. Era lógico e legítimo que a Junta tivesse sido chamada; não foi.


Não venham com os argumentos do desenvolvimento local, porque esse paradoxo não colhe, como não colhe a história do tolinho que vendeu o aparelho de televisão para ter dinheiro para comprar uma box… Aliás, um comboio que ligasse Caminha ao Porto, a uma média de 90km/h, faria mais pela actividade económica local do que qualquer dos enxames de asneiras e chico-espertices que vamos vendo. A zona tem exemplos de sucesso sustentável que terminam com esta discussão e que nunca precisaram de invadir nada - não querendo nem fulanizar, nem fazer publicidade, apelo a que puxem da massa cinzenta e ao conhecimento real da vida daquela aldeia para concluírem a que me refiro.


Com Espanha omnipresente, e hoje a quarenta e cinco minutos de um valiosíssimo Aeroporto como o "Sá Carneiro" (no Porto), as portas continuam abertas ao verdadeiro desenvolvimento - turístico também, mas não só. Resta saber se nós, que gostamos de Moledo, queremos que esta seja a última das praias portuguesas, ou a primeira. Porque tal noção depende exclusivamente se se vê de sul para norte, ou de norte para sul.

 

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