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Miguel Pina e Cunha - Professor 04 de Fevereiro de 2016 às 20:25

Líderes que gostam de pessoas

Um dos factos interessantes da vida organizacional é que se trata porventura do único "locus" da atividade humana no qual o amor não tem lugar. O amor, nas suas cambiantes, move o mundo. A racionalidade move as organizações.

Trata-se, naturalmente, de uma falácia. Sendo construções sociais, as organizações são vulneráveis a tudo o que é humano, incluindo o amor e seus efeitos - os sublimes e os destrutivos.

 

Mas desse lado não se falava, como daquele membro desonroso da família que é como se não existisse. Até que se começou a dar pelo tema. Primeiro por via da inteligência emocional, e nomeadamente por causa da popularidade do trabalho do seu ponta de lança, Daniel Goleman. Esta linha veio notar que a ideia de que na empresa as emoções ficam à porta é, digamos, impraticável.

 

Por cá, mais recentemente, António Pinto Leite escreveu "O Amor como Critério de Gestão", importante reflexão pessoal já referenciada nestas páginas. Em Espanha, uma equipa do IESE estuda os efeitos do amor na gestão das empresas. Sigal Barsade publicou sobre o assunto na "Administrative Science Quarterly", uma das mais reputadas revistas académicas de gestão.

 

E do lado das empresas? Recorda-se o colunista de ter escutado Paulo Pereira da Silva (da Renova), numa palestra na sua escola, referir que uma das descobertas da sua vida gestionária fora a de que gostava de pessoas. Ouviu e não esqueceu. E voltou a lembrá-la recentemente. Explicava João Cotrim de Figueiredo nas páginas da Sábado: "Habituei-me a pensar que na maioria dos casos toda a gente pode dar mais. Gosto de desemprateleirar, isso faz-se mostrando às pessoas que se gosta delas." E afirmava Rui Paiva (WeDo e outra boa referência da gestão em Portugal), que "há muita gente que gere pessoas mas não gosta de pessoas" (i, 28 de novembro). Um sarilho, fazer aquilo de que não se gosta.

 

Mas o que significa afinal gostar de pessoas? Que na minha empresa devemos ser todos amigos uns dos outros? Impossível. Que não há conflitos? Mau sinal. Que ninguém discorda das orientações dos chefes? Se calhar por medo. O amor em contexto organizacional deve ser uma combinação de cuidado e firmeza. "Tough love", dizem em inglês. O que significa proporcionar este compósito, amor firme? Trabalho empírico realizado em Portugal indica que a organização cuidadosa com as suas pessoas se vê como uma comunidade humana de trabalho. Numa comunidade há cuidado. Mas trabalha-se, nestas comunidades. Por outro lado, na organização dotada da capacidade de expressar amor ao próximo, existe uma orientação para aquilo que é virtuoso. Nestas organizações os líderes querem obter os resultados da maneira certa. Oferecem bom exemplo e estabelecem as regras. Ou seja, numa organização capaz de expressar amor, as pessoas trabalham numa comunidade alinhada por uma bússola moral. Não se trata, portanto, de ser mole mas de ser duro da forma correta. Num certo sentido faz-se na empresa aquilo que fazemos com as pessoas de quem mais gostamos: os nossos filhos. Os nossos colaboradores não são nossos filhos, mas usar algum conhecimento adquirido em casa talvez possa facilitar uma melhor gestão da empresa.

 

Professor na Nova School of Business and Economics

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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