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Miguel Pina e Cunha - Professor 07 de Setembro de 2016 às 19:05

Fogo!, ou um país atascado no presente

Durante o verão, como em todos os verões, os noticiários foram tomados de assalto pelos incêndios. A área ardida foi obscena. Nenhum país arde tanto como o nosso. Podemos invocar o azar e os deuses do fogo, mas talvez seja melhor olhar para dentro. Porque arde Portugal?

1. Visto pelos leigos, por causa do calor, do vento e do tempo seco. Dos interesses associados à terra e ao fogo. Por causa dos tolinhos que gostam de fazer algo "grande", como atear uns fogos. Por causa dos foguetes e das beatas dos cigarros. Por falta de prevenção. O que é necessário fazer? Segundo alguns dirigentes, um grupo de trabalho. A melhor maneira de fazer sem fazer é fazer grupos de trabalho para diagnosticar problemas. É como se um médico, em vez de tratar o paciente, realizasse diagnósticos em cima de diagnósticos até o paciente se acabar. Pelo menos saber-se-á com precisão a causa do óbito.

 

  1. 2. Este foi um verão de Jogos Olímpicos. Como em todos os verões de Jogos Olímpicos os atletas portugueses levam um carregamento de esperanças. Regressam com as malas vazias, mas carregados de elogios que atestam o pior do nacional porreirismo. Não admira. Num país sem desporto escolar nem cultura desportiva, não pode dar para mais. As escolas, constantemente submetidas a atribulações, greves e mudanças, não têm tempo para se dedicarem a estas questões. No tempo em que o colunista andou no liceu, as aulas de Educação Física eram uma perda de tempo. As aulas dos seus filhos continuaram a ser uma perda de tempo. Não há desporto escolar digno desse nome e os meninos e as meninas fazem basicamente umas corridas à volta do recreio. Em vez de usar o desporto escolar para criar cultura de exercício e um mecanismo de deteção de talento, a educação física é colocada no fundo da cadeia pedagógica. Não serve para muito e não é nada respeitada.

  

  1. 3. Para o ano, já sabemos, voltarão os incêndios. Far-se-ão mais grupos de trabalho. Lamentar-se-ão as vidas perdidas – dos bombeiros e dos cidadãos anónimos apanhados pelo inferno. Daqui a quatro anos lamentar-se-á a reduzida coleção de medalhas olímpicas, mas as escolas continuarão a pôr os meninos e as meninas a correr à volta do recreio. Talvez alguém, por esforço e talento pessoal extraordinários, consiga ultrapassar este contexto e transformar-se em herói nacional. Mas só assim.

 

  1. 4. Portugal, em resumo, parece um país apanhado no feitiço do tempo, como no filme "GroundhogDay". Um país inconsequente, sem capacidade de pensar a médio prazo, atascado no presente, condenado a repetir-se a si próprio. Como a administração pública se torna mais depauperada,  menos capacitada e atrativa, falta capital humano para dar continuidade a políticas e a linhas de desenvolvimento. Passamos a vida a mudar e por isso não mudamos nada. A falta de continuidade gera demasiada continuidade: eis a nossa lusitana tragédia.                    

 

Professor na Nova School of Business and Economics

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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