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Decisões perigosas

Por cá, o Tribunal Constitucional preferiu interpretar a Constituição sem enquadrar devidamente quer a nossa dependência dos credores, quer a realidade económica e europeia que estamos a viver…

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu, está decidido. Seja em 2012, em 2013, ou noutro qualquer ano. Ponto final. Mas, tratando-se de uma decisão, ela pode ser sempre objecto de concordância ou discordância – mesmo que isso não altere em nada o sentido do julgamento efectuado.


Discordo em absoluto das decisões do TC relativas a várias normas dos Orçamentos do Estado de 2012 e 2013. Já no ano passado expliquei, nesta coluna, o porquê da minha (o)posição em relação à decisão sobre o OE’20121. A recente decisão sobre o OE’2013 (conhecida a 5 de Abril) permite-me, juntando as duas, complementar essa análise. E, em minha opinião, existem duas grandes conclusões a extrair.

A primeira é que, para o TC, a solução para a consolidação orçamental aparenta estar do lado da receita e não do lado da despesa: quer em 2012, quer em 2013, com excepção da taxa sobre o subsídio de doença e o subsídio de desemprego (com valor estimado de cerca de EUR 150 milhões, inferior a 0.1% do PIB), todos os aumentos de receita (via impostos, taxas ou contribuições) foram considerados constitucionais; cortes na despesa foram considerados ilegais… Ou seja: aumente-se os impostos, mas não se toque na despesa – é o que qualquer um pode ser levado a concluir das decisões do TC!... Sufoque-se as empresas, estrangule-se as famílias, enfim, asfixie-se fiscalmente a sociedade – o estilo de vida do Estado é que não pode mudar…

Ora, a verdade é que, se a despesa pública está sobredimensionada (e está: atingiu mais de 51% do PIB em 2010 e, apesar de todos os esforços do Governo, baixou apenas para cerca de 47% da riqueza nacional em 2012), não é aumentando impostos que se resolve o problema: é cortando na despesa, como parece óbvio. Com uma actuação que deve ser estrutural, reformando o Estado e reduzindo o peso da despesa pública na economia – o que nunca pode deixar de atingir as rubricas "Despesas com pessoal" e "Prestações sociais" que, em conjunto, pesam cerca de 70% da despesa total. Mas, como a necessária actuação estrutural na despesa pública está atrasada (e não é de agora, é desde há pelo menos década e meia), no entretanto, e na tentativa de cumprir as difíceis e exigentes (e irrealistas…) metas orçamentais do Programa de Assistência Económica e Financeira, foram tomadas medidas sempre apresentadas como transitórias como os cortes nos salários e de pensões2. Repito: medidas transitórias…

… Tão transitórias como a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a medida que, creio ser consensual na sociedade portuguesa, mais dúvidas de constitucionalidade poderia levantar, uma vez que, a todas as pensões de reforma a partir de pouco mais de EUR 7 500 por mês, exige uma solidariedade de 40% (a somar aos 10% exigidos a todas as pensões acima de EUR 3 750 mensais) – um esforço que pode ser interpretado como confiscatório e, assim sendo, não conforme com a Constituição. Mas a verdade é que esta medida transitória (de aumento da receita, com impacto estimado de cerca de EUR 420 milhões em 2013) passou; o corte nos subsídios – descida da despesa – também transitório… foi reprovado. Creio que a mensagem é clara. Profundamente errada, a meu ver, mas clara.

A segunda conclusão é que, nas circunstâncias que Portugal vive – estamos nas mãos dos nossos credores desde Maio de 2011, e extremamente condicionados por isso – o TC não devia, em meu entender, ter a interpretação que teve da Constituição, e que penso que é extremamente prejudicial ao País. Em minha opinião, os juízes não tiveram em devida conta o contexto de emergência financeira em que vivemos – e os consequentes efeitos negativos em termos de credibilidade internacional, numa altura em que o País é visto internacionalmente como cumpridor, está a recuperar a sua credibilidade, e se encontra a percorrer o caminho de regresso pleno ao financiamento nos mercados. Tal como não tiveram em consideração a deterioração da envolvente externa, nomeadamente na Zona Euro, quer em termos económicos, quer políticos, no seguimento do impasse resultante das eleições italianas de Fevereiro de 2013, e da desastrada gestão do resgate a Chipre por parte das autoridades europeias (Março de 2013).

Não, não se trata de "suspender a Constituição" – tratar-se-ia, em meu entender, de levar em consideração, de forma adequada, a conjuntura que enfrentamos e os objectivos a que estamos obrigados. A comparação entre as decisões do nosso TC de 2012 e 2013 com a do seu homólogo alemão de 12 de Setembro de 2012, por exemplo, é elucidativa. Nesse dia, o TC germânico pronunciou-se favoravelmente à participação da Alemanha no Mecanismo Europeu de Estabilidade (o fundo de resgate da Zona Euro que entrou em funcionamento ainda em 2012, substituindo o provisório Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) – não ignorando o contexto europeu que se vivia (e vive). Tivesse a sua decisão sido contrária (como uma boa parte da sociedade alemã queria, incluindo políticos da coligação que suporta o Governo de Angela Merkel), e o que teria acontecido à moeda única e ao projecto europeu?... Sem a participação da Alemanha, não haveria fundo de resgate permanente na Zona Euro…

Por cá, o Tribunal Constitucional preferiu interpretar a Constituição sem enquadrar devidamente quer a nossa dependência dos credores, quer a realidade económica e europeia que estamos a viver…

Tudo somado, as decisões de 2012 e 2013 do Tribunal Constitucional parecem-me perigosas. Ou mesmo, jogando com as palavras… inconstitucionais.

1Ver texto "A despesa pública e o Tribunal Constitucional", de 1 de Agosto, 2012.

2Já desde o primeiro corte salarial na esfera pública, ainda com José Sócrates como primeiro-ministro

Economista. Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças

miguelfrasquilho@yahoo.com

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