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A importância do (esperado) regresso aos mercados

… E, enfim, depois de tantos meses plenos de agruras e sacrifícios, e sem uma boa notícia que nos pudesse animar, o início do ano trouxe um sinal de esperança: o regresso, para muitos surpreendente pelo "timing", do Estado Português aos mercados de dívida numa emissão de longo prazo.

Perguntará o leitor: sim, parece consensual, pelas reações generalizadas, que se tratou de um facto positivo –, mas como se materializará ele nas nossas vidas?... Vejamos.


1. Não foi para mim surpreendente que Portugal tivesse testado os mercados a 23 de Janeiro numa emissão sindicada (colocada junto dos investidores por um conjunto de bancos nacionais estrangeiros especificamente contratados para o efeito). Porquê?... Desde meados do ano passado notei, nos vários contactos que habitualmente mantenho com investidores, analistas, investigadores e jornalistas estrangeiros, por razões profissionais e políticas, que a perceção sobre o nosso país estava a mudar. Essencialmente, por duas razões: (i) a mudança de atitude do BCE desde que, no final de julho passado, Mario Draghi disse, sem papas na língua, que a autoridade monetária europeia faria tudo o que fosse necessário para preservar o euro (adiantando "and believe me, it will be enough") – ao contrário do que até aí tinha deixado transparecer; (ii) a reputação que Portugal tem vindo a granjear de país cumpridor do PAEF em geral (mesmo com a revisão em alta das metas do défice público e da subida da dívida pública de 2012 a 2014, porque tem vindo a criar-se progressivamente a ideia, confirmada pelas avaliações trimestrais positivas da Troika, de que o trabalho de casa está a ser feito – e que são as dificuldades económicas que têm complicado o cumprimento dos objetivos orçamentais). E, desde novembro último, o interesse de analistas e investidores incidia essencialmente sobre a possibilidade de Portugal regressar rapidamente aos mercados de dívida pública numa emissão de longo prazo, aproveitando a queda das taxas de juro que se estava a verificar. Era, portanto, desde essa altura, apenas uma questão de tempo até que esse regresso se verificasse.

2. Essa operação de colocação de dívida foi, objetivamente, um sucesso: (i) o juro já foi muito aceitável (4.89%, contra 6.64% da última emissão comparável, realizada em Fevereiro de 2011), embora ainda não sustentável; (ii) a procura real foi muito elevada (quase 5 vezes superior aos EUR 2.5 mil milhões colocados); e (iii) houve uma esmagadora maioria (mais de 90%) de compradores estrangeiros.

3. Sim, é verdade, que Portugal – sabiamente – aproveitou a boleia da Irlanda, que tinha efetuado uma emissão também sindicada a 5 anos em condições muito favoráveis (com um juro de 3.35%) duas semanas antes. Como também é verdade que, como foi defendido por tantos, sem a referida alteração da atitude do BCE tal não teria sido possível: foi isso que devolveu confiança aos investidores para acreditarem que a Zona Euro sobreviveria e que, portanto, os títulos de dívida pública com rendibilidades mais atrativas (juros ainda elevados, apesar de tudo) e agora menos arriscadas, eram uma boa opção.

4. Simplesmente, há uma segunda parte desta história de que muitos – convenientemente?... – se "esqueceram": é que sem o trabalho competente que o País como um todo tem mostrado ao Mundo, este regresso também não teria sido possível. Porque o BCE foi muito claro na mensagem enviada: estaria pronto a ajudar os países em dificuldades desde que os respetivos programas estivessem a ser cumpridos como acordado com a Troika. Ou seja, o papel de "lender of last resort" iria ser, sim, prosseguido pelo BCE, mas sujeito a uma determinada condicionalidade (como desde há muito venho defendendo): basicamente, que os países em questão mostrassem que estavam a resolver os seus problemas, a mudar de vida e a assegurar sustentabilidade financeira e económica.

5. Tratou-se, por isso, de uma inegável vitória do Governo e dos Portugueses em geral: mesmo tratando-se apenas de uma etapa, ela nunca poderia deixar de ser cumprida. Porquê?... Porque o acesso, digamos, "normal" aos mercados só acontecerá quando Portugal cumprir os requisitos que o BCE tem deixado subentendidos para que um país se possa qualificar para o seu programa de compra de dívida e, assim, ficar sob sua proteção. Requisitos esses que poderão não andar longe de três emissões de dívida nos prazos considerados emblemáticos da curva de rendimentos – 3, 5 e 10 anos – e com pelo menos uma delas a ser realizada em leilão. Ora, com o acesso aos mercados ganho por parte da República, as empresas portuguesas poderão também voltar a financiar-se em condições "normais" – o que, no caso do setor financeiro, poderá significar um aumento do financiamento à economia e, portanto, condições mais favoráveis para a recuperação da atividade.

6. Para além de ter de testar novamente os mercados (e mais do que uma vez), para ficar protegido pelo "chapéu do BCE, Portugal vai ter de manter o rumo – o que significa continuar a cumprir o PAEF, com toda a programada austeridade que lhe está associada (novas doses podem ser questionáveis face à experiência passada) – preferencialmente com uma composição diferente (por exemplo, aproveitando cortes estruturais na despesa para aliviar, mesmo que pouco, a pesadíssima carga fiscal que nos sufoca – e a realizar as transformações estruturais que permitirão tornarmo-nos mais competitivos.

7. Só assim serão criadas as condições para que a saída da Troika, planeada para Junho de 2014, possa vir a materializar-se e, desta forma, recuperarmos a nossa autonomia política e financeira – embora com a condicionalidade subjacente ao cumprimento das regras orçamentais europeias, ainda recentemente transpostas para a Lei de Enquadramento Orçamental e aprovadas no Parlamento.

8. O "caminho das pedras" que temos de continuar a percorrer não é, por isso, mais fácil do que até aqui. E existem, até, riscos e incertezas acrescidos, sobretudo na vertente internacional, que não controlamos de todo – como as conhecidas situações de instabilidade em Espanha e Itália (esta nas vésperas de uma importante eleição legislativa) – e que podem dificultar, por mero efeito de contágio, os testes que ainda teremos de realizar nos mercados.

9. Creio porém, poder afirmar-se que existe uma luz – embora ainda fraca – ao fundo do túnel para os Portugueses, que começam a perceber que os duríssimos sacrifícios que lhes têm sido pedidos poderão não ser em vão. Primeiro, porque Portugal está, agora, sem dúvida, mais associado à imagem cumpridora da Irlanda – e cada vez mais distante da Grécia incumpridora; segundo porque, se foi a perda de acesso ao financiamento nos mercados que conduziu ao pedido de ajuda externa e ao exigente programa de ajustamento por que estamos a passar, teríamos sempre de efetuar o caminho inverso (ganhar progressivamente a confiança dos investidores internacionais) para que a situação se possa inverter algures num futuro que todos desejamos não seja muito longínquo.

10. Em conclusão: vencemos uma etapa. Pode parecer pouco, mas sem este sinal e a esperança que a ele está associada, por mais ténue que seja, não poderíamos nunca ambicionar a melhorar o nosso futuro.

Economista, Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças

miguelfrasquilho@yahoo.com

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