Opinião
Marques Mendes: Pedro Nuno Santos devia ter pedido a demissão depois de ter sido humilhado por Costa
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre a polémica do SEF, o conflito entre primeiro-ministro e Ministro na TAP, a reestruturação da companhia aérea, a recandidatura de Marcelo, o estado da pandemia e a bazuca europeia.
A POLÉMICA DO SEF
- Primeiro apontamento: foram precisos nove meses para o país despertar para este assassínio. Não vale a pena disfarçar: quase todos negligenciaram o assunto – PR, Governo, partidos e até alguma comunicação social. Com duas excepções a saudar – DN e Público.
- Segundo apontamento: foram precisos nove meses para o Governo fazer duas coisas elementares – demitir a Directora do SEF e mandar pagar a indemnização aos familiares da vítima ucraniana. Mesmo assim, o Governo só actuou por causa da pressão da opinião pública. E nem sequer a hombridade teve de, ao menos, pagar a transladação do cadáver para a Ucrânia. Inacreditável.
- Terceiro apontamento: o Ministro Eduardo Cabrita não tem condições para continuar como Ministro. Primeiro, não foi capaz de agir a tempo e horas. Segundo, é criticado por todos, incluindo pelo seu próprio partido. E, sobretudo, desqualificou-se a si próprio na Conferência de Imprensa da passada quinta-feira. Foi ridículo e, em política, o ridículo mata. Ridículo a criticar toda a gente. Ridículo a auto-elogiar-se. Ridículo a dizer que foi a sua acção como Ministro que "salvou" a recandidatura de Marcelo porque evitou mortes nos fogos florestais. Ainda não percebeu que lhe vai acontecer o mesmo que à sua antecessora – arrastar-se penosamente no lugar até sair pela porta pequena.
- Quarto apontamento: a maior responsabilidade é do PM.
Agora, em vez de substituir o Ministro para defender o prestígio das instituições, põe-se a defender o amigo. Diz o PM que Eduardo Cabrita agiu bem. Bem? Com este tipo de declarações e comportamentos? O PM, além do próprio Cabrita, deve ser o único português a achar que o Ministro agiu bem. Por isso, tornou-se cúmplice de toda esta aberração.
TAP – O CONFLITO ENTRE PM E MINISTRO
- Comecemos pelo princípio: há uma semana eu disse duas coisas – que o Governo tinha intenção de levar a votos na AR o dossier da TAP; e que já tinha comunicado essa intenção ao PSD. O Ministro do sector, que representa o Governo, confirmou publicamente essa intenção. O PSD fez o mesmo ao declarar, através da Lusa, que o "Grupo Parlamentar do PSD foi informado pelo Governo da intenção do Executivo de levar o plano de reestruturação da TAP a debate na AR". Em conclusão: boas fontes. Só depois é que veio o recuo!
- A reestruturação da TAP começa mal. Começa com um conflito político sério entre o PM e o Ministro do sector.
O PM não só não deixou como fez questão de, em público, desautorizar e humilhar o seu Ministro, chamando-lhe "má fonte". Como quem diz: ele não é credível, não é confiável. Não levem a sério o que ele diz. Nunca vi um PM destratar assim um Ministro. Nem José Sócrates, com feitio difícil. Muito menos António Guterres que tinha regras e princípios.
- Posto isto, acho que ambos se saíram mal neste conflito:
Sai mal António Costa. Um PM que se preza, quando tem uma divergência com um Ministro, só tem um de dois caminhos: ou lhe dá uma reprimenda em privado; ou o demite, se achar que a divergência afecta a relação de confiança entre os dois. O que não pode é fazer o que António Costa fez: desautorizá-lo em público, humilhá-lo, desacreditá-lo, maltratá-lo.
- No plano da relação pessoal, não é bonito o que o PM fez. Humilhar uma pessoa não se faz. Não se faz a um adversário político. Muito menos a um colega de Governo. Veja-se o exemplo de Merkel esta semana na UE. Impôs a sua vontade, sem humilhar a Hungria e a Polónia.
- No plano da governação, é um desastre. É minar a coesão do Governo e a autoridade do Ministro. O Governo fica mais fraco por culpa do PM.
- Questão de fundo: o programa da TAP devia ou não ser votado na AR? Devia
- Em circunstâncias normais, este dossier não tem de ser votado no Parlamento. É competência do Governo.
- Mas depois do precedente que foi aberto com o Novo Banco, é da mais elementar prudência que se coloque à AR esta questão: o Parlamento está disponível para autorizar , ano a ano, a injeção de capital na TAP? É que no NB, quando chegou a última prestação, o Parlamento bloqueou o processo. E se faz o mesmo à TAP? Quem se responsabiliza pelas consequências? Antes prevenir que remediar.
TAP – A REESTRUTURAÇÃO
- Sobre a reestruturação da TAP nada de especialmente novo:
- O país está profundamente dividido. Já não há a tolerância que havia em relação à TAP.
- Socialmente o plano é duríssimo (com despedimentos e cortes salariais).
- Financeiramente temos mais um NB em perspectiva.
- Finalmente, falta saber se Bruxelas aceita o plano ou se exige mais rigor.
- Mas há, entretanto, uma questão que muitos portugueses colocam: afinal, para que serviu a reversão da privatização da TAP feita em 2016? Para ser o Estado sozinho a meter milhões em cima de milhões? Este foi o pecado original de António Costa.
- Na privatização feita em 2015, o accionista privado ficou com a maioria do capital (61%). O Estado com 34%.
- Se esta proporção se tivesse mantido, o accionista privado é que tinha neste momento a maior responsabilidade financeira. Era ele que tinha a responsabilidade maior de "arranjar" dinheiro para meter na TAP.
- Com a reversão que foi feita por António Costa e por Pedro Marques, e com os desenvolvimentos seguintes, é caso para dizer: o Estado deu ao Sr. Neelman o Euromilhões. Salvou-o da pandemia. É o único a rir disto tudo. Os contribuintes, esses, ficaram com a "fava".
- Talvez fosse bom o PM explicar ao país uma única vantagem que teve a reversão feita em 2016.
A RECANDIDATURA DE MARCELO
- A recandidatura de Marcelo não é surpresa e a sua reeleição também não. Basta olhar para as sondagens. A novidade é o futuro. Corremos o risco, nos próximos cinco anos, de voltar a um tempo de instabilidade.
O PR teve problemas sérios nestes cinco anos, que resolveu bem – a crispação do país no início do mandato; os fogos florestais a meio; a pandemia do fim. Mas viveu sempre num ambiente de estabilidade política. Só que isto pode mudar nos próximos cinco anos. Podemos cair na tempestade perfeita – acrescentar instabilidade à crise pandémica, económica e social.
- Vejamos alguns riscos que podem complicar o próximo mandato:
Governo até 2023 – É outra hipótese. Mas com o estado de degradação que aí vai, podemos ter novo pântano. Um Governo "arrastado".
Mudança de líder no PS – Nos próximos cinco anos, António Costa deixará a liderança do PS. É praticamente inevitável. Ora, estas mudanças geram sempre instabilidade. Novo desafio.
A alternativa de centro-direita – Até agora, não se vislumbra. Segundo todas as sondagens, os partidos à direita do PS, todos juntos, não valem mais que a PAF em 2015. Assim não se ganham eleições. Claro que isto pode mudar. Mas o risco de instabilidade é grande.
O Chega – Um problema para o sistema político. À direita, querem promovê-lo ao Governo. À esquerda, falam em ilegalizá-lo. Dois erros que só servem para fazer o jogo do Chega, dando-lhe força e publicidade.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Estamos com um problema sério – o número de infetados baixa ligeiramente, mas o número de internados e óbitos aumenta.
Número de óbitos – Tivemos a pior semana de sempre. Em vésperas de facilidades natalícias, não é boa notícia.
Portugal na Europa – Estamos em 9º lugar. Mas continuamos bem pior que a média europeia.
- A questão mais séria é a contradição entre Portugal e Alemanha:
Todavia, assistimos a esta contradição: esta semana, a Chanceler Merkel fez um apelo emotivo ao Parlamento alemão para a tomada de medidas mais restrictivas por causa do Natal, para evitar mais mortes e salvar os mais idosos. E hoje mesmo, domingo, anunciou as novas restricções.
Em Portugal – que tem mais casos por dia que a Alemanha – o PM fez o contrário: aliviou as restrições para o Natal. É simpático, é popular mas pode tornar-se muito arriscado. Se em Janeiro a situação se agravar, já sabemos quem responsabilizar. Entretanto, esperemos que os portugueses sejam mais responsáveis que o Governo.
A BAZUCA EUROPEIA
- Grande vitória da UE, da Presidência Alemã e da Chanceler Merkel. Foi o último grande momento de Angela Merkel que vai deixar o Governo alemão no próximo ano. E sai em grande. A Europa ainda vai ter saudades da Chanceler.
- A solução encontrada é engenhosa. A Hungria e a Polónia ganham tempo. Cerca de dois anos até se aplicarem as novas regras europeias sobre o Estado de Direito. A UE ganha nos princípios e na eficácia para os aplicar no futuro. Solução inteligente.
- Tudo isto é excelente para Portugal. Em 9 anos, entre 2021 e 2029, só a fundo perdido temos para investir 57,9 mil milhões de euros.
- Na prática, em média, iremos receber a fundo perdido cerca de 6,4 mil milhões euros/ano.
- É cerca do dobro do que temos recebido até ao momento.
- A UE é decididamente o nosso "seguro de vida".
- Vamos começar já a ter os fundos europeus em Janeiro? Não, ainda não. O processo de decisão em Bruxelas é complexo. Ainda falta a ratificação nos 27 Estados da UE do chamado dossier dos novos recursos próprios da UE.
- É uma decisão que tem de ser aprovada por unanimidade dos 27 países da União.
- Em 22 dos 27 países tem de ir aos Parlamentos nacionais.
- Há cerca de 30 Parlamentos que têm de pronunciar-se. Porque nalguns países há duas Câmaras.
- Basta que um país não aprove e o processo fica bloqueado.