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Luís Marques Mendes 28 de Julho de 2024 às 21:28

Marques Mendes: "O PS ficou com menos condições para votar contra o OE"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala das eleições nos EUA, da visita do primeiro-ministro a Angola, da nova redução do IRS e do fim das portagens nas Scut, entre outros temas.

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ELEIÇÕES NOS EUA

1. Foi uma grande semana para os Democratas norte-americanos. Há muito tempo que o Partido Democrata não tinha uma semana tão esplendorosa como esta. Tudo lhe correu bem.

· Primeiro, deu-se o efeito surpresa em todo o seu esplendor. Kamala Harris uniu o partido; mobilizou as suas principais figuras; e introduziu um discurso novo e acutilante, centrado na justiça e nos direitos das mulheres. O protagonismo e a iniciativa estão do seu lado. Quase fez esquecer o atentado a Trump.

· Segundo, Kamala Harris colocou os Republicanos à defesa, sem estratégia. Antes, a estratégia era Biden. Como agora não há Biden, deixou de haver estratégia. Com uma agravante: antes, o problema era a idade de Biden. Agora, o idoso no palco é Trump.

· Terceiro, Kamala Harris mudou a dinâmica da campanha. Antes, a dinâmica estava a favor dos Republicanos. Agora está a favor dos Democratas. A grande prova está nas sondagens. Em todas elas Kamala está melhor do que estava Biden. A recuperação é notória. Há muito tempo que os Democratas não tinham uma atitude tão afirmativa.

2. Nada disto significa que Kamala vá ganhar. Mas há uma nova janela de oportunidade. Está tudo em aberto. Duas questões vão ser decisivas:

· Qual o candidato a vice-presidente que Kamala Harris vai escolher? É uma escolha essencial. Seguramente será homem, branco e de um dos Estados decisivos. Falta saber quem.

· Qual a nova estratégia que os Republicanos vão adotar? Neste momento estão literalmente "entalados" no meio da ponte. Falta saber como se vão "desentalar". O futuro promete.

MONTENEGRO EM ANGOLA

1. A visita do PM a Angola tem um duplo significado: político e económico. Politicamente, esta visita ocorre num momento em que as relações políticas entre os dois países estão num plano de excelência. É o melhor momento desde a independência de Angola em 1975. O sinal dado é no sentido de potenciar esta realidade.

2. No plano económico, esta visita pode significar a abertura de um novo ciclo. É bem necessário. A verdade é que as relações económicas entre Portugal e Angola perderam muita força nos últimos anos.

· Angola é hoje o 9º destino das nossas exportações. Mas há dez anos era o 4º, a seguir à Espanha, Alemanha e França. O mercado angolano perdeu força.

· O saldo da balança comercial é favorável a Portugal (992 milhões de euros em 2023). Mas o comércio de bens entre os dois países – exportações e importações – está num valor muito baixo.

· O investimento português em Angola também está em queda. Teve um pico em 2015 e daí para cá tem estado quase sempre a cair. Já foi muito mais elevado do que é hoje.

3. Tudo isto sucede porque a economia angolana atravessa um período muito débil. Esperemos que esta visita contribua para relançar as relações económicas entre as empresas portuguesas e angolanas. Houve um sinal dado com o reforço da linha de crédito para apoio ao investimento português em Angola. Aguardam-se os resultados.

NOVA REDUÇÃO DO IRS

1. Esta semana houve polémica em torno da promulgação da lei que consagra uma redução do IRS. Mas tudo não passou de uma tempestade num copo de água. Afinal, PR e Governo fizeram o que lhes competia:

· Concordando ou discordando da lei, o PR não podia deixar de a promulgar. É o normal. Além do mais, se a vetasse, seria um veto inútil. A lei podia ser confirmada na AR. PS e Chega têm maioria absoluta.

· O Governo também fez o que tinha de fazer: decidiu alterar as tabelas de retenção na fonte. Não tinha alternativa. Primeiro, a lei é para 2024. Depois, se o não fizesse, seria acusado de agir por vingança, por discordar do conteúdo da lei.

· Assim sendo, tudo normal. Cumpriram-se as regras. Logo, vai haver um alívio fiscal em setembro, no valor de 350 milhões de euros, beneficiando 3,2 milhões de agregados familiares.

2. As leis agora promulgadas facilitam ou dificultam as negociações do OE? Financeiramente, dificultam. Elas custam umas centenas de milhões de euros. Assim, a folga para novas despesas é menor. Mas isso não é novo. Já se conhece desde a aprovação das leis, em junho.

· O que isto significa é que Governo e PS têm pouca margem negocial. O Governo tem menos dinheiro para dar. Até porque o OE vai voltar a ter um excedente. O PS tem menos espaço para pedir novos aumentos de despesa. Já leva uns milhões de avanço. Em linguagem desportiva, o PS começa o jogo negocial a ganhar por 3 a 0 (IRS, portagens e IVA da eletricidade). Três leis aprovadas contra a vontade do governo. Não pode pedir muito mais.

· Politicamente, estas leis até facilitam a aprovação do OE. É que, com estas leis, o PS tem menos condições para votar contra o OE. Votar contra o OE significaria, na prática, votar contra as leis que

ele próprio fez questão de aprovar e que só com o OE terão aplicação plena. Alguém compreenderia? Nem dentro do PS.

FIM DAS PORTAGENS NAS SCUT

1. Abolir portagens é sempre um processo muito discutível, desde logo por razões ambientais. Basta olhar para os países do norte da Europa: mais ricos do que nós e tradicionalmente não usando portagens. Estão a introduzi-las agora. Mas já que se resolveu fazer uma abolição de portagens, o processo devia ser, ao menos, mais seletivo. Não foi.

· A intenção foi boa. Acabar com as portagens nas Ex SCUT para os residentes no interior faz sentido. É preciso uma diferenciação positiva a favor do interior, o que a própria UE autoriza.

· A solução é má porque vai beneficiar a todos por igual: os que são e os que não são do interior. Um turista inglês, espanhol ou americano, com poder de compra acima de qualquer português, vai ter um benefício igual ao de um residente. Um benefício à custa do OE. Ou seja, dos nossos impostos. Isso não é justo.

· Os números, segundo os especialistas, não são irrelevantes: se o fim das portagens fosse só para os residentes, a medida custaria ¼ do que vai custar (40 a 50 milhões de euros).

2. Uma eliminação seletiva podia ter outro efeito positivo: o dinheiro que se poupava podia permitir também um desconto nas portagens das zonas suburbanas de Lisboa e do Porto.

· Localidades como Rio Tinto, Valongo, Gondomar e outras no Grande Porto; Sintra, Amadora, Loures e outras na Grande Lisboa também têm residentes a viverem com sérias dificuldades. Mereciam também ter uma redução de portagens. Se a AR tivesse um critério mais seletivo, seria mais justa. E sendo mais justa, poderia beneficiar mais gente.

INVESTIMENTO NAS FA

1. Raras vezes acontece um Conselho de Ministros dedicado à Defesa e às Forças Armadas. Sucedeu esta semana. Isto mostra o peso político do Ministro Nuno Melo. É importante que a Defesa tenha um Ministro com peso político. Já quanto ás medidas tomadas, são justíssimas:

· Primeiro, era urgente melhorar a remuneração dos militares das FA. Portugal não está a conseguir recrutar os militares de que precisa, nem sequer a reter aqueles que já tem nas suas fileiras. Esta valorização vai inverter a situação? Esperemos que sim.

· Segundo, investir mais em Defesa é a regra dentro da NATO. Em Portugal ou em qualquer outro país da UE. Afinal, investir em Defesa não é uma extravagância. É uma necessidade. Nesta matéria, a Europa está cada vez mais "entalada" entre a ameaça russa e o abandono americano. Entregue a si própria. Logo, tem de abrir os cordões á bolsa.

· Terceiro, é essencial valorizar as FA. Elas são um pilar essencial da nação. E têm estado muito desvalorizadas nos últimos anos.

· Finalmente, é justa a medida anunciada em relação aos ex-combatentes no acesso a medicamentos gratuitos.

2. Aqui está mais um aumento sério de despesa pública. Nada a objetar: é absolutamente necessário. Até agora tem sido assim: ou se baixam impostos ou se aumentam despesas. Mas importa perguntar: quando se começa a cortar na despesa inútil do Estado? Nas gorduras do Estado? Nos consumos intermédios? Nas empresas participadas pelo Estado que não fazem sentido dentro do Estado? A questão é pertinente.

AS GÉMEAS LUSO-BRASILEIRAS

1. Para muito boa gente, a CPI ao caso das gémeas luso-brasileiras é mais do mesmo. Já se tornou algo de repetitivo e requentado. Até certo ponto é verdade. Mas há uma dúvida nova, recentemente levantada, que, a confirmar-se, torna tudo bastante mais grave do que a mera "cunha".

· Segundo o que se tem escrito, havia um seguro privado brasileiro que podia e devia ter suportado as despesas de saúde destas crianças. Isto é ou não verdade? A CPI e o MP têm o dever de investigar. Isto, sim, é uma dúvida grave.

· E, neste caso, a intervenção de Nuno Rebelo de Sousa surge porquê? Afinal, foi altruísmo ou negócio? Outra dúvida que merece ser respondida.

2. Das audições desta semana, o mais importante não foram os depoimentos dos colaboradores de Belém. Esses, como se esperava, confirmaram que não houve qualquer tratamento de favor. Só que, evidentemente, são depoimentos de parte. O mais relevante foi o testemunho do ex-Chefe de Gabinete de António Costa: Francisco André não tem nada a ver com a Presidência da República e nem sequer faz parte das relações pessoais ou políticas do Presidente. É, pois, um testemunho completamente isento e distanciado da situação. E ele veio afirmar o seguinte: que este caso foi tratado como qualquer outro, sem qualquer favorecimento, e que em São Bento nem sequer se sabia que o peticionário era o filho do PR. Mais claro era impossível.

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