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13 de Março de 2022 às 21:42

Governo "fez apenas os serviços mínimos" nos combustíveis

A situação na Ucrânia e os seus efeitos na economia, mas também na política em Portugal dominam as notas habituais de Marques Mendes no seu espaço de comentário na SIC.

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O ESTADO DA GUERRA

1. Mais uma semana de guerra. Quatro aspetos a destacar:

a) No plano militar, a situação continua empatada, embora a violência esteja a aumentar. A Rússia vai paulatinamente avançando e ganhando terreno em cidades secundárias, a pensar no ataque a Kiev. A Ucrânia continua a oferecer forte resistência e começou a receber armamento do Ocidente. Em qualquer caso, a supremacia russa é indiscutível. A guerra é desigual.

b) No plano humanitário, há boas e más notícias. Boas notícias, a abertura de vários corredores humanitários, ainda que cheios de contratempos. As más notícias: o ataque russo a uma maternidade e o número muito alto de civis que continuam a ser ceifados. Duas situações que raiam a imoralidade.

c) No plano da comunicação, a Ucrânia está a ganhar. Zelenski sabe usar como ninguém as armas comunicacionais modernas: as redes sociais; e a televisão. Se a Rússia fosse uma democracia, esta ofensiva de comunicação da Ucrânia seria fatal para Putin. Só que a Rússia não é uma democracia.

d) No plano das negociações, há duas visões diferentes. Há a visão mais cética, segundo a qual as reuniões entre as duas partes não passam de mera encenação. É Putin a querer dar uma imagem de diálogo para compensar a violência dos combates. E há uma visão mais esperançosa, de que o Finantial Times fazia eco ontem, segundo a qual alguma coisa vai avançando nas negociações com vista a um estatuto de neutralidade da Ucrânia. Uma coisa é certa: a guerra não é solução; é essencial estimular as negociações.

2. Quanto aos próximos dias, há duas questões a assinalar:
• Primeiro: a batalha de Kiev aproxima-se. É a batalha das batalhas. A destruição de Mariupol foi muito feia. Parecia a destruição de Aleppo, na Síria. Em Kiev vai ser semelhante, só que em ponto muito maior. Haverá fortes bombardeamentos em pontos-chave; cerco a todas as entradas e saídas; muitas baixas de ambos os lados; e uma profunda destruição da cidade.
• Segundo: o receio de os russos usarem armas químicas e biológicas. Não são ainda armas nucleares. São armas que destroem menos o património, mas são armas que matam muito mais. Muito mais letais que as armas convencionais. Ninguém sabe se os russos as usarão. Isso seria brutal para a sua imagem. Mas que o risco existe, lá isso existe.

EFEITOS ECONÓMICOS DA GUERRA

1. A guerra pode ter consequências económicas sérias. Depende da sua duração. Para já, temos o problema grave da subida dos preços da energia e dos cereais
a) Energia: desde o início da guerra até aos valores de amanhã, o litro de gasóleo teve um aumento de 23%; e o litro de gasolina teve um aumento de 15%. São aumentos brutais e podem continuar.
b) Cereais: desde o início de Março, a tonelada de trigo teve um aumento de 60%; a tonelada do milho de 41%. O mesmo sucede noutros produtos.

2. Esta situação é uma nova pandemia. Requer, como na pandemia, uma resposta europeia e nacional, com três objetivos principais: baixar os impostos sobre os combustíveis; apoiar as empresas industriais e agrícolas mais afetadas com esta situação, seja em linhas de crédito, fundo perdido e lay off simplificado; apoiar as famílias mais pobres e vulneráveis.

3. Posto isto, o que é que saiu deste Conselho Europeu? Quatro orientações essenciais que vão ter concretização nos próximos dias e semanas:
a) Primeiro: a UE vai aprovar um Programa de Investimento Comum em matéria de cibersegurança, defesa e interconexões na área da energia. Um programa que pode andar à volta dos 200 mil milhões de euros. Mas um novo  Segunas de Estado. A CE vai autorizar que os países possam dar apoios extraordinários, incluindo a fundo perdido, às empresas mais afetadas pelos aumentos de preços da energia, desde que elas assumam o compromisso de não encerrarem. É bom que o Governo não demore a agir, quer em relação às empresas quer às famílias mais pobres e afetadas.
c) Terceiro: IVA dos combustíveis. A CE vai dar autorização para uma redução do IVA aplicável aos combustíveis. É bom que o Governo não demore a agir, no IVA ou ISP, porque até agora fez apenas os serviços mínimos. É pouco.
d) Finalmente: compras conjuntas de produtos agrícolas. É uma hipótese em estudo na CE para a compra de produtos agrícolas em falta no mercado. Caso do milho: 40% das importações da UE vêm da Ucrânia. É preciso alternativas fora da Europa. Uma solução similar à compra conjunta de vacinas para evitar que os países mais fortes esmaguem os mais pequenos.


A DEPENDÊNCIA DO GÁS RUSSO

1. No mesmo Conselho Europeu, os líderes da UE decidiram apontar para 2027 o objetivo de a União assegurar a sua independência energética. A decisão está certa. O calendário está errado. O que vai agora fazer-se já devia estar em curso.
• Primeiro, porque a UE tem uma enorme dependência da energia russa, e já devia ter rompido com essa situação. Avisos não faltaram.
• Depois, porque, ao longo dos anos, a UE não só não diversificou os seus fornecedores de energia, como até quis reforçar essa dependência. A construção do novo gasoduto Nord Stream 2 é a prova disso mesmo.
• Infelizmente, esta não é uma questão de diferença entre esquerda e direita. O caso da Alemanha prova-o: o Chanceler Schröder, do SPD, decidiu a construção do novo gasoduto e a Chanceler Merkel, da CDU, confirmou a decisão. Ambos agiram com leviandade estratégica.

2. Tudo isto sucede por uma razão muito simples: a UE é boa a reagir, mas não sabe agir por antecipação e por planeamento.
• Foi assim na pandemia. No início, a UE não foi capaz de planear fosse o que fosse. De agir unida e concertada. Só depois do agravamento da situação é que a UE conseguiu reagir com firmeza: o caso da compra conjunta de vacinas e do PRR comprovam-no à saciedade.
• O mesmo na energia. Ao longo de anos a UE não foi capaz de criar um Mercado Comum de Energia. Não teve coragem nem visão estratégica. Vai fazê-lo agora, finalmente, em estado de necessidade. Anda sempre a correr atrás do prejuízo.

UCRÂNIA NA UE?

1. A UE anunciou que vê com simpatia o pedido de adesão da Ucrânia, mas avisa que o processo tem regras e é moroso. É um sinal correto:
• Primeiro: porque não há um, mas sim 10 países candidatos à entrada na UE. Cinco já com negociações em curso: Albânia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia. Outros cinco só com o pedido de adesão: Kosovo, Bósnia, Ucrânia, Moldávia e Geórgia. E há um outro país, a Islândia, que fez o pedido de adesão e depois desistiu.
• Segundo: a negociação de adesão é um processo longo e complexo. Por um lado, têm que ser observadas as chamadas "Regras de Copenhaga"; por outro lado, implica a negociação de 35 dossiers técnicos; finalmente, é preciso haver unanimidade no Conselho Europeu, o que nem sempre é fácil. O caso da Turquia é paradigmático.

2. Falando da UE, faz sentido falar do PRR. Estando em execução há mais de um ano, pergunta-se: o que é que realmente está aprovado e pago?
• Valor total do PRR: 16,6 MM Euros
• Valor aprovado até agora: 4,2 MM Euros
• Valor efetivamente pago: 424 milhões Euros
• Uma conclusão se impõe tirar: o valor efetivamente pago, aquele que chega efetivamente à economia é ainda muito reduzido.

3. Finalmente, quais os grandes destinos das verbas já aprovadas?
• 99,4% dos montantes já aprovados foram para o setor público: Estado, autarquias locais, universidades, outras escolas;
• Só 0,8% dos valores aprovados foram para empresas, famílias e IPSS.
• Há um apoio esmagador para o setor público. Até ao momento, as empresas receberam apenas 100 mil euros. É um sinal muito negativo.

INFLUÊNCIA POLÍTICA DA GUERRA


1. Primeiro: a vantagem de uma maioria absoluta. Pensando em termos nacionais e não partidários, há que dizer: o país teve sorte em ter uma maioria absoluta. Imagine-se o que seria ter agora um governo da geringonça: o PS de um lado; o PCP do outro lado da barricada. Seria um fator de instabilidade.

2. Segundo: os benefícios para o Governo. Para o Governo, no imediato, esta situação é politicamente confortável. Ocupa praticamente todo o espaço mediático; ninguém o culpa pela guerra; em tempo de crise as pessoas não gostam de aventuras; tem agido com prudência e espírito de diálogo- Mas, a seguir, o novo Governo PS tem pela frente um desafio que não esperava:
• Vai ter de fazer um novo OE. O OE que estava previsto, está desatualizado. Vai ser revisto em baixa. Acredito que no CE de amanhã o PM antecipe as principais alterações a fazer. Mas tem uma folga importante: o défice orçamental de 2021 vai ficar em 2,9% do PIB. Bem abaixo dos 4,3% que estavam previstos. Uma boa ajuda para um novo OE com menor crescimento económico.

3. Terceiro: a oposição.
• O PCP, com a posição que tomou sobre a Rússia, está a fazer tudo, com grande talento, para chegar ao estado de esvaziamento a que chegou o CDS.
• O Chega e a IL, ganhadores que foram das últimas eleições, são os que mais perdem com esta situação. Perderam espaço político e mediático na altura em que dele mais precisavam para potenciar a força dos seus resultados eleitorais.
• O PSD, com ou sem guerra, neste momento não conta. Está num vazio. Em situação de pousio político. Só terá líder em Julho e só lá para Setembro, depois das férias, voltará a fazer oposição.

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