Opinião
Sem gestão, o plano de emergência para a saúde corre o risco de falhar
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala da crise das urgências, dos Jogos Olímpicos, das eleições nos EUA, entre outros temas.
JOGOS OLÍMPICOS E CARLOS LOPES
- Acabaram os Jogos Olímpicos de Paris. Em relação a Portugal, duas palavras se impõem: saudação e congratulação.
- Saudação aos atletas que participaram. Com ou sem medalhas, todos deram o seu melhor. E cumpriram o objetivo traçado: 4 medalhas para Portugal.
- Congratulação aos atletas medalhados: Patrícia Sampaio, Iuri Leitão, Rui Oliveira e Pedro Pichardo. Todos têm enorme talento. Mas a medalha de ouro foi especialmente emocionante. Um grande momento. Inesperado e histórico. A primeira medalha de ouro fora do atletismo. Iuri Leitão e Rui Oliveira foram verdadeiros heróis. E "mexeram" com os Portugueses.
- Iuri Leitão e Rui Oliveira tiveram o último ouro. O primeiro, há 40 anos, foi ganho por Carlos Lopes. Por isso, amanhã vai ser homenageado. Carlos Lopes é um grande campeão: como atleta e como cidadão.
- Um campeão como atleta. Ganhou tudo o que havia a ganhar. Em Portugal, nos Europeus, nos Mundiais, nos Jogos Olímpicos. Quando não havia os apoios que hoje há. Quando foi "apanhado" por várias lesões e nunca desistiu. Quando foi atropelado a três semanas dos Jogos Olímpicos de Los Angeles e não recuou. Não era só talento. Era caráter e ambição. Carlos Lopes tinha há 40 anos o que hoje tem Cristiano Ronaldo: caráter e ambição.
- Um campeão como cidadão. Granjeou como atleta uma fama enorme. Cá dentro e lá fora. Mas nunca o poder lhe subiu à cabeça. Nunca se deslumbrou. Foi sempre o mesmo: simples, humilde, generoso e solidário. Um grande campeão. No atletismo, na vida e na cidadania.
MARCELO E GOVERNO NO SANTA MARIA
- Algumas pessoas ficaram surpreendidas com o facto de Presidente da República (PR) e primeiro-ministro (PM) estarem juntos numa cerimónia no Hospital de Santa Maria, em plena semana de problemas sérios na Saúde. Este comportamento pode não ser habitual, mas faz todo o sentido.
- Primeiro, este é o papel correto de um PR: ajudar o país a resolver os seus problemas. Estimular o Governo a ser ativo e dinâmico. Concentrar atenções nas questões que realmente importam às pessoas. Um Presidente existe para ser útil ao País. E a saúde é um bem de primeira necessidade.
- Segundo, o PR está a ser coerente. Marcelo, durante anos a fio, ajudou os governos de António Costa. Houve ocasiões em que levou o governo do PS literalmente "ao colo". É natural que agora também coopere com o Governo de Luís Montenegro. Ainda por cima porque é um governo minoritário. Logo, mais precário.
- Este tipo de atuação, de resto, não é exclusivo de Marcelo Rebelo de Sousa. Mário Soares fez o mesmo, entre 1985 e 1987, com o então governo minoritário de Cavaco Silva. Jorge Sampaio fez o mesmo, entre 1995 e 1999, com o então governo minoritário de António Guterres. Há em todos estes casos um padrão presidencial: é importante ter um PR que seja um aliado efetivo dos portugueses, o que obriga, muitas vezes, a estar ao lado do governo para ajudar a servir o país. Sem deixar de ser o árbitro da política nacional.
A CRISE DAS URGÊNCIAS
- Um problema antigo com as urgências de obstetrícia é uma realidade. Mas porquê? É falta de financiamento? É falta de médicos obstetras no País? Ou é falta de organização e gestão no SNS?
- Os números da OCDE e os factos obrigam a essa reflexão. Vejamos:
- O financiamento: de 2015 para 2024, o financiamento do SNS passou de 9 mil milhões para 15 mil milhões de euros. Um aumento de 67%. Mas a situação não melhorou. O que prova que a questão não é de falta de dinheiro. O problema é de organização e gestão.
- Médicos obstetras: no rácio por 100 mil habitantes, Portugal está na média da UE. Melhor até que países ricos, como a França e os Países Baixos. O problema volta a ser de gestão, organização e atratividade do SNS para reter os seus profissionais.
- O número de médicos obstetras aumentou. Em 2000 eram 1336. Em 2022, eram 1966. Apesar de, no mesmo período, haver menos nascimentos. Baixaram de 120 mil para 84 mil. Mais obstetras, menos nascimentos e mesmo assim crise no setor, volta a provar que há um problema de organização e gestão de recursos.
- O rácio obstetras/nascimentos. Em 2000, havia 11 obstetras por cada 1.000 bebés nascidos. Em 2021, 24 obstetras por cada mil bebés nascidos. Mais uma prova que o sistema não está a saber gerir e organizar bem os recursos que tem.
- Finalmente, há uma discrepância regional. Os maiores problemas no SNS estão sobretudo a Sul e não tanto no Norte do País. Ora, a diferença não está nos profissionais de saúde. Eles são competentes em todo o País. A diferença volta a estar na organização e gestão dos recursos. O tema merece ser estudado.
- Mudar as regras de organização e gestão do SNS exige tempo, estabilidade e vontade reformista. O que devia levar a um acordo de regime entre o PS e o PSD. Soluções fáceis ou rápidas não há. É tempo de falar verdade e não criar falsas ilusões ou expectativas exageradas.
LISTAS DE ESPERA RECUPERAM
- Num tempo de crise no SNS, com o problema das urgências obstétricas, passaram relativamente desvalorizadas duas ações importantes em matéria de recuperação de listas de espera.
- Primeiro, a recuperação das listas de espera oncológicas. O número de doentes para cirurgias oncológicas era à partida de 9.374. E o Programa de Emergência da Saúde apontava como limite temporal para as realizar o fim de agosto. Pois bem. Os resultados atuais são francamente positivos: até 31 de julho há mais de 7.400 cirurgias oncológicas realizadas (79%). Dentro de um mês, o objetivo pode estar finalmente atingido.
- Segundo, a recuperação das demais cirurgias urgentes por ter sido ultrapassado o prazo clinicamente aceitável: 74.673. O prazo previsto para cumprir esta parte do Plano é o final do ano. Entretanto, até 31 de julho, já foram efetuadas mais de 21 mil cirurgias (28%). É possível também cumprir o desafio prometido dentro do prazo previsto.
- Posto isto, há que dizer: o plano de emergência para a Saúde gerou enormes expectativas. Mais uma razão para ter à sua frente alguém que seja simultaneamente um gestor e um comunicador. Sem gestão, o plano corre o risco de falhar. Sem comunicação, o país não chegará sequer a conhecê-lo e a conhecer os seus resultados.
O DESEMPREGO JOVEM
- A Ministra do Trabalho e Segurança Social apresentou um pacote de medidas e incentivos com uma preocupação central: o desemprego jovem. Esta preocupação faz todo o sentido:
- O desemprego jovem é, em Portugal, 3,6 vezes superior ao desemprego geral: uma taxa de 22% no desemprego jovem contra 6,1% de taxa de desemprego geral.
- Somos o 5º pior país em matéria de desemprego jovem dentro da UE. E a nossa taxa de desemprego jovem está bem acima da média europeia (7pp).
- Assim sendo, a preocupação da ministra faz todo o sentido.
- Há, todavia, neste ministério como em vários outros, uma questão de fundo: uma coisa são as medidas que o Governo anuncia; outra coisa é as medidas chegarem às pessoas e às empresas. A verdade é que muitas vezes os anúncios não saem do papel. Efeito da burocracia que contamina tudo.
- As queixas são mais do que muitas. Na Segurança Social, as queixas são diárias. Não digo que a culpa é dos funcionários. Mas a Ministra devia dar atenção. No domínio do ambiente, da energia ou do fisco repetem-se as queixas.
- Quero aqui deixar uma sugestão concreta: o PM devia fazer um Conselho de Ministros extraordinário só para avaliar, caso a caso, se as medidas anunciadas estão mesmo a chegar às pessoas e às empresas. Seria certamente um exercício útil e proveitoso.
ELEIÇÕES NOS EUA
- Primeiro apontamento: a escolha de Tim Walz como candidato a vice-presidente. Foi uma escolha segura. A opção pelo Governador da Pensilvânia, era a mais esperada e provavelmente aquela que garantiria a vitória naquele Estado crucial. Mas, sendo judeu, havia o risco de Kamala perder a base mais ativista dos Democratas que está muito mobilizada pela causa palestiniana. Tim Walz, sendo menos conhecido, não tem anticorpos e é bem visto nos swing states do Midwest.
- Segundo apontamento: depois da saída de Biden, os Republicanos continuam sem estratégia. Muito à deriva. Vê-se que Trump anda desorientado. Ter-se metido na questão racial foi um erro. Pode ter-lhe custado muitos votos afro-americanos. Mas convém não o subestimar.
- Terceiro apontamento: as sondagens. Kamala começa a estar à frente no voto universal, mas ainda está atrás no colégio eleitoral. Assim:
- A média de sondagens que diariamente o NYT publica dá Kamala (48%) à frente de Trump (47%).
- E uma das últimas sondagens divulgadas (IPSOS/Reuters) mostra bem a dinâmica a favor dos Democratas: em 30 de julho, a diferença era mínima a favor de Kamala (43% contra 42%); já na de 8 de agosto a diferença aumentou bastante (42% contra 37%).
- Apesar desta evolução no voto universal, Trump continua à frente no colégio eleitoral (287delegados contra 251 de Kamala). Mesmo assim, a recuperação de Kamala em relação a Biden é notória.
- Está tudo em aberto. A Convenção Democrata deste mês e os debates televisivos serão os próximos momentos capitais.