Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre os resgates da Grécia e de Portugal; A rentrée do PS; Joana Marques Vidal; Greve na CGD; Angola e A semana negra de Trump.
OS RESGATES DA GRÉCIA E DE PORTUGAL
- A Grécia teve esta semana a sua saída limpa. É inevitável, por isso mesmo, comparar os resgates de Portugal e da Grécia.
- A Grécia teve três resgates, durante 8 anos, envolvendo financiamentos de 288 mil milhões de euros. Portugal foi bem diferente – um único resgate, três anos de intervenção e apenas 78 mil milhões de euros.
- Em termos de resultados, no momento da saída, as diferenças são também mais favoráveis a Portugal, designadamente em matéria de dimensão da dívida pública; de juros da dívida; de contracção da economia; de desemprego; e de exportações.
- Apesar de doloroso, o resgate português foi menos pesado que o grego; no final, os resultados em Portugal eram bem melhores que na Grécia.
- É a esta luz que se devem analisar as polémicas declarações de Centeno.
- Não acho que Centeno deva ser censurado pelo que disse sobre a Grécia. Disse o óbvio e disse o que a cartilha do Eurogrupo manda dizer: que todos aprenderam com o que se passou; que a Grécia pagou caro os seus eros do passado; que a economia se modernizou e que a Grécia reconquistou o controlo do seu destino.
- Censurável é sim o que Mário Centeno disse há três anos em Portugal. Na altura criticou a saída limpa do país, apesar de o nosso resgate ter sido muito mais bem sucedido que o regate grego.
- Ou seja, Mário Centeno teve dois pesos e duas medidas. Em Portugal, criticou a saída portuguesa para agradar à geringonça. Em Bruxelas, elogiou a saída grega para agradar aos alemães, que são quem lhe pode garantir uma boa carreira internacional. Uma coisa é certa: apesar da sua competência, este Ministro tem uma relação difícil com a verdade e com a coerência..
A RENTRÉE DO PS
- António Costa fez abertamente um discurso de campanha eleitoral. Um discurso com 4 partes:
a) Primeira parte: a apresentação da obra feita (na economia, no emprego, na saúde e na educação). É um discurso bem feito e bem fundamentado. Tem apenas um senão: não é honesto comparar este mandato com o mandato anterior. Antes havia a troika, agora não há troika.
b) Segunda parte: o discurso sobre o próximo orçamento. Não tem novidades face ao que já se sabia mas é igualmente um discurso bem feito. Gera esperança e expectativa positiva. E confirma o que tenho dito – será um OE altamente eleitoralista. É normal. Não conheço nenhum governo que não tenha feito o mesmo em ano de eleições.
c) Terceira parte: é um discurso com dois recados aos parceiros de Governo: não chumbem o OE porque o país precisa de estabilidade; não peçam de mais, porque não vamos fazer uma gestão orçamental irresponsável. É um discurso inteligente, porque dá do PS a imagem de um partido moderado, responsável e de boas contas. O ideal para conquistar votos ao centro. O PSD que se cuide.
d) Quarta parte: é o discurso do apelo à maioria. Muitos dirão que António Costa não pede a maioria absoluta. Sejamos claros: não a pede formalmente, expressamente, abertamente. Mas pede-a implicitamente, indirectamente, nas entrelinhas. A nova forma encontrada para pedir a maioria é esta: é preciso dar mais força ao PS. Dar mais força ao PS para garantir a estabilidade. Dar mais força ao PS para assegurar o desenvolvimento. O que é isto se não pedir a maioria? Para bom entendedor meia palavra basta!
- Aqui chegados, há dois partidos especialmente preocupados: o PSD e o BE.
- Primeiro, o PSD – Objectivamente um PSD parado, inactivo, em férias, sem ter iniciativa e sem fazer oposição é o maior aliado de uma maioria do PS. É que, pelo nosso sistema eleitoral, quanto maior for a distância do PSD para o PS, mais fácil se torna obter uma maioria absoluta. E se o PSD fica abaixo dos 30% o caminho do PS para a maioria fica altamente facilitado. Para já, o PS deve agradecer ao PSD!
- Segundo, o BE – Se não tiver maioria absoluta, António Costa preferirá estar à vontade para negociar apoios pontuais não com os dois parceiros actuais mas com um ou com o outro. E, neste quadro, ao contrário do que se pensa, António Costa preferirá mais depressa o PCP que o BE. Há uma relação de muito maior confiança entre António Costa e Jerónimo de Sousa do que entre Costa a os dirigentes do Bloco.
JOANA MARQUES VIDAL – FICA OU SAI?
- Em Setembro, Presidente da República e Governo vão tomar uma decisão que pode ser profundamente consensual ou altamente polémica: a recondução ou a substituição de Joana Marques Vidal. Do ponto de vista do país, há todas as razões para reconduzir a actual PGR:
a) Primeiro: teve um mandato altamente positivo. Foi um mandato difícil (investigações a Sócrates, na Banca, no futebol, a magistrados judiciais e do próprio Ministério Público); mas foi um mandato altamente positivo. Pela primeira vez, ficou a ideia de que a justiça é mesmo igual para todos. Que não poupa ninguém, incluindo os mais influentes e poderosos. Que nada fica por investigar. Neste quadro, reconduzir é a solução. Substituir é uma decisão estranha e suspeita. Cheira a esturro.
b) Segundo: é a primeira vez, nos últimos anos, que um PGR chega ao fim do mandato em alta. Cunha Rodrigues foi um bom Procurador mas acabou desgastado; Souto de Moura, a mesma coisa; Pinto Monteiro deixou muito a desejar. Com Joana Marques Vidal é o contrário. Tem mais prestígio no fim do mandato do que no seu início. Substituí-la é muito suspeito.
c) Terceiro: as investigações a José Sócrates e a Manuel Vicente. Foram os dois grandes casos do mandato da actual PGR. No primeiro caso, porque não é todos os dias que se investiga e acusa de corrupção um PM. No segundo, porque o caso Manuel Vicente deu azo a problemas políticos sérios entre Angola e Portugal. Neste quadro, substituir Joana Marques Vidal tem uma leitura perigosa: primeiro, a leitura de que o poder político estava desconfortável com estas investigações; depois, ainda pior, a leitura de que Portugal cedeu às pressões de Angola. É que em política o que parece é. Ora, isto fragiliza o Ministério Público e fragiliza a imagem de Portugal. Será que o poder político em Portugal quer cometer o suicídio de permitir esta suspeita?
- Também do ponto de vista do Governo, o bom senso recomenda a recondução:
- Quer se queira, quer não, o PS, em matéria de independência da justiça, não tem grande curriculum. É certo que essa suspeita não se aplica a António Costa. Mas é, ainda hoje, a suspeita que recai sobre o PS. A substituição da actual PGR agrava essa suspeita em vez de a afastar.
- Finalmente, caso se decida pela substituição de Joana Marques Vidal, o sucessor ou a sucessora no cargo fica logo com um estigma. Perguntar-se-á: foi escolhido porquê? Foi escolhido para defender quem? Isto é fatal. Será que o poder político (Governo e Presidente) quer assumir todos estes riscos?
A GREVE NA CGD
- Há mais de seis anos que não havia uma greve na CGD. Sucedeu esta semana, contra a ideia da Caixa de pretender rever o acordo da empresa.
- Importa dizer que ambas as partes – Administração da Caixa e sindicatos – estão a cumprir o seu papel:
a) A Administração está a fazer o que responsavelmente tem de ser feito: cumprir o plano de restruturação que foi aprovado por Bruxelas e que não é responsabilidade desta Administração; harmonizar as regalias laborais dentro da Caixa como as que já se praticam na Banca em geral; substituir alguns excessos do passado, como as progressões por antiguidade pelas progressões por mérito;
b) Os sindicatos estão também a fazer o seu papel – é normal que os sindicatos protestem quando há mudanças deste género. É dos manuais. Mesmo assim, o sucesso da paralisação é relativo (36% de adesão à greve).
- Em qualquer caso, parece-me que há um razoável ambiente negocial:
a) Primeiro, os sindicatos, lá no fundo, sabem que estas são mudanças inevitáveis. Não o dizem, mas percebem-no. É da lei da vida e da evolução da economia e das empresas.
b) Depois, a Caixa, querendo rever o acordo que existe, fez propostas equilibradas. Segundo essas propostas, os trabalhadores da Caixa continuarão a ter melhores condições do que as praticadas na Banca em geral: as condições de reforma são melhores; as condições de assistência na doença e dos serviços sociais são melhores; o regime de diuturnidades é igualmente melhor.
c) Em conclusão: não me parece haver grande drama. E isso é bom. A Caixa bateu no fundo. Ou recupera agora ou não terá uma nova oportunidade da parte de Bruxelas. E, felizmente, os resultados vão na boa direcção. Mérito do Estado, da Administração e dos trabalhadores.
ANGOLA – UM ANO DEPOIS DAS ELEIÇÕES
- Fez esta semana um ano que ocorreram as eleições presidenciais em Angola. Muito boa gente previu na altura que as mudanças seriam meramente cosméticas. Pois bem. O que está a suceder em Angola é uma verdadeira revolução. Pacifica e tranquila mas uma revolução.
- Revolução na liberdade de informação e de imprensa. Revolução no combate à corrupção. Revolução na liberalização económica.
- O Presidente João Lourenço conseguiu num ano o que parecia impossível: popularidade no plano interno; credibilidade no plano internacional. A popularidade dá-lhe poder. A credibilidade está a permitir quebrar o isolamento de Angola na comunidade internacional.
- O que se segue, agora, nos próximos doze meses, é igualmente decisivo:
a) Primeiro: em Setembro, vai acabar a liderança bicéfala que existe em Angola. O Presidente João Lourenço vai passar a ser também o Presidente do MPLA. É o fim definitivo da era José Eduardo dos Santos. Politicamente, chama-se a isto "matar o pai" e exercer o poder em plenitude.
b) Segundo: a seguir, vai fazer uma remodelação do Governo. É inevitável. É o exercício do poder com maior profundidade e já sem limitações partidárias.
c) Finalmente: um acordo com o FMI para restruturar financeiramente o país. Aqui está o grande calcanhar de Aquiles de Angola. É que a economia angolana está muito debilitada. E sem a economia a recuperar não há coesão social nem estabilidade política duradoura.
- E tudo isto é importante para Portugal. Não que Portugal tenha que imiscuir-se na política interna de Angola. Mas sim porque a relação de Portugal com Angola só tem a ganhar com uma Angola mais democrática, mais desenvolvida e mais estável.
A SEMANA NEGRA DE TRUMP
- Esta foi provavelmente a semana horribilis para Trump desde que está na Casa Branca. Pelo que sucedeu, por aquilo que pode vir a suceder e pela reacção do próprio Trump.
- O que sucedeu foi a condenação do seu Director de Campanha (Paul Manafort) e a confissão judicial do seu ex-advogado (Michael Cohen), envolvendo directamente o nome do Presidente em negociações que podem ser crime;
- O que pode vir a suceder é que um e outro – sobretudo o seu ex-advogado – para evitarem condenações pesadas em tribunal, podem fazer novas confissões à justiça sobre o Presidente e o seu passado.
- A reacção do Presidente fez-se em dois momentos defensivos: no ataque ao PGR (Jeff Sessions), invectivando-o a demitir o Procurador Especial encarregado das questões da Rússia; e em entrevista televisiva, numa reacção preocupada. Pela primeira vez, falou da hipótese de destituição, o que é um enorme sinal de fragilidade.
- Mesmo assim, não creio que mude nada de essencial no eleitorado que apoiou Trump nem que haja quaisquer condições para um processo de impeachment.
- Em circunstâncias normais, um Presidente assim estaria politicamente morto;
- Com Trump, o seu eleitorado poderá sentir algo incómodo, mas não tem alternativa;
- Por outro lado, com os republicanos a dominarem as duas Câmaras, um processo de destituição é hoje praticamente impossível.
- Ou seja: a imagem de Trump sofreu mais um abalo. Mas só duas coisas podem abalar mesmo a força do Presidente:
- Ou o surgimento de um facto novo e especialmente grave;
- Ou uma derrota dos republicanos nas próximas eleições de Novembro, até porque estas serão um referendo a Trump.
- Isso, sim, seria um abalo sério para o Presidente. E pode mesmo suceder que os democratas vençam a Câmara dos Representantes.
- A partir daí outro galo cantaria.