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Opinião
13 de Novembro de 2016 às 20:56

Notas da semana de Marques Mendes

A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana da vida nacional e internacional. Os principais excertos da sua intervenção na SIC.

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O IMPASSE NA CGD


A questão da CGD foi aqui levantada há precisamente três semanas. É um assunto que já cansa e cheira mal. A verdade é esta: este caso nunca devia ter existido; e, a ter existido, já devia estar resolvido.

O PR diz hoje no Público: "O Constitucional decidiu. Está decidido." Como quem diz sim ou sopas. Dirige-se ao gestor e diz ou apresentam as declarações, ou não apresentam e vão-se embora rapidamente porque isto já dura há tempo demais. Na prática, foi isto que o Presidente disse. 


As duas questões que se colocam são estas: por que é que Marcelo a falar e não o Governo? Porquê este recado tão forte aos gestores da Caixa?


a) Primeiro – É o PR a falar porque nesta matéria há dois governos dentro do Governo: o governo de Centeno e o governo de Costa. Um diz uma coisa e o outro diz outra. Conclusão: o Governo está paralisado, está a deixar arrastar o assunto. Assim, o Presidente sentiu-se obrigado a pôr os pontos nos is e indirectamente a dar uma "chazada" ao Governo.

b) Segundo – Para os gestores da Caixa, Marcelo está a dizer-lhes duas coisas: ou sim ou sopas. Ou ficam e apresentam as declarações ao TC; ou não apresentam e saem. Não há meio-termo nem terceira via. E a segunda coisa que disse é esta: Meus senhores, acabou o tempo. Chega de manobras dilatórias. Chega de pensarem nos vossos interesses. Chega de se falar na Caixa por más razões. Estão a dar cabo da vossa autoridade e estão a prejudicar profundamente a imagem da Caixa. Por isso, decidam-se. Ou saem ou ficam.

A responsabilidade dos gestores:

Aqui chegados, há que acrescentar o seguinte: António Domingues e os seus colegas têm todo o direito de dizer: "Fomos enganados pelo Governo, que nos prometeu isentar das declarações de rendimentos e não cumpriu. Por isso, vamos embora". Ele pode dizer sinto-me enganado, vou-me embora. É legítimo. 

Como têm todo o direito de dizer: "Apesar de termos sido enganados, aceitamos ficar a bem do interesse público". Seria a desejável.

O que já não têm direito é de prolongar por mais tempo esta telenovela. Já deviam ter decidido esta semana. E, se não decidirem na próxima semana, têm de ser obrigados a decidir. Já não há paciência.

Ou eles apresentam declarações rapidamente ou é caso para dizer desamparem a loja, dêem lugar a outros. Não há insubstituíveis. 

A partir de agora os gestores da Caixa já não estão a pensar na Caixa. Só estão a pensar no seu umbigo, no seu ego, na sua pele, nas suas vaidades e nos seus interesses pessoais. E isto não é aceitável. Já é de mais.


Responsabilidade do Governo:
Já passou tempo de mais. Devia ser resolvido já amanhã. Se o assunto não for resolvido na próxima semana, então é obrigatório chamar António Costa à pedra. Exigir-lhe responsabilidades. Afinal, foi ele que escolheu Domingues. É ele, enquanto PM, que representa o accionista. É ele que pode pôr ordem na casa.


A verdade é esta: se isto fosse no Governo de Passos Coelho, já tinha caído o Carmo e a Trindade; se fosse no Governo de Santana Lopes, já quase tinha havido dissolução da AR. E, agora, nem sequer um debate no Parlamento sobre este assunto? A sorte que o Governo tem por não ter oposição!!!

 
A FRAGILIDADE DE CENTENO


Depois de António Domingues, Mário Centeno é o elo mais fraco de todo este processo da Caixa Geral de Depósitos. O ministro das Finanças fica em muito maus lençóis.

Primeiro, porque criou toda esta confusão ao aceitar o pedido de Domingues para não apresentar as declarações de rendimentos;

Depois, porque foi desautorizado por toda a gente. Pelo primeiro-ministro, pelo Presidente da República, pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, pelo PS, pelo BE e pelo PCP.

Finalmente, porque se remeteu a um silêncio altamente comprometedor. Ele fecha-se em copas. Mas, em boa verdade, já devia ter explicado: se fez acordo com Domingues; se falou no acordo ao PM; como é que as coisas se passaram. Ao menos devia ter contado e assumido a verdade.


Por muitos créditos técnicos que tenha, Mário Centeno tem um défice político enorme. O caso da Caixa é mesmo o seu grande calcanhar de Aquiles.

a) O Governo teve na questão da recapitalização da Caixa talvez o maior sucesso político do seu mandato.

b) Mas o ministro das Finanças deitou tudo a perder – no veto de vários nomes; na questão dos salários; e sobretudo na questão das declarações de rendimentos.

 
Perguntar-se-á: mas Centeno fica ou sairá em próxima remodelação?

Eu diria que fica, mas apenas por uma razão: porque é difícil encontrar quem aceite ser ministro das Finanças num Governo como este. Ou seja, não fica pelos seus méritos mas sim por exclusão de partes.



A VITÓRIA DE TRUMP

 
A vitória de Trump resulta da conjugação de três votos: um voto pela mudança, um voto de protesto e um voto de censura.

O voto de mudança é o voto anti-Obama. Terminou um ciclo. O ciclo Obama. E, quando termina um ciclo, as pessoas querem normalmente mudar. Não querem mais do mesmo.

O voto de protesto é o voto contra o sistema político americano, não tanto por razões económicas (os EUA estão a crescer e têm um desemprego baixo) mas sobretudo por razões políticas, culturais, de falta de referências e valores. Tudo aquilo que alimenta o populismo.

O voto de censura é o voto contra Hillary Clinton. Esta mulher seria provavelmente uma grande Presidente. Mas foi uma péssima candidata. Uma candidata sem empatia, sem autenticidade e com demasiados erros. Isto é fatal em política.

 
E agora? O que é que a futura presidência de Trump nos reserva?


a) Não é o fim do mundo, claro que não é. Vai suavizar muitas das suas propostas. Claro que vai. Mas não nos iludamos: é um grave retrocesso político, económico, de política externa e de valores civilizacionais.

Retrocesso político – É o regresso à incerteza, à imprevisibilidade e à ideia de um país mais nacionalista e fechado sobre si próprio.

Retrocesso económico – É o regresso ao proteccionismo e ao fim do livre comércio mundial. Não augura nada de bom para a economia.

Retrocesso em política externa – É a tentativa de corte com a política externa do pós-guerra, o que pode suscitar problemas sérios com os seus aliados, no plano da paz e da segurança mundiais.

Retrocesso civilizacional – Basta pensar, entre outros erros crassos, nos recuos que vamos ter em matéria de alterações climáticas.


b) Finalmente, a vitória de Trump é um incentivo para os populistas europeus. Em vésperas de eleições em França, na Alemanha ou na Holanda, tudo isto é gasolina para a fogueira do populismo e do aventureirismo.

 

 

RIO CONTRA PASSOS?

 
Rui Rio anunciou esta semana a sua pré-candidatura à liderança do PSD, com uma entrevista ao DN e duas sondagens que lhe dão uma clara vantagem sobre Passos Coelho. O que é que este sinal de Rio significa?


a) Primeiro: que há descontentamento dentro do PSD. Se não houvesse descontentamento, não haveria sinal de pré-candidatura.

b) Segundo: que esta pré-candidatura deve ser levada a sério. Apesar de Rui Rio ser muito criticado por avanços e recuos, a verdade é que, em relação ao PSD, ele nunca foi tão afirmativo como desta vez.

 
Posto isto, há que dizer que uma eventual mudança de liderança no PSD vai depender sobretudo de dois factos:

O primeiro são as eleições autárquicas. Se as autárquicas não correrem bem ao PSD, Passos Coelho fica mais fragilizado. E, para já, não se percebe que Câmara grande é que o PSD pode recuperar. Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Oeiras, Gaia, não se percebe o que é que o PSD pode ganhar.

O segundo, e mais importante, são as sondagens. Os militantes do PSD querem ganhar as próximas eleições. E escolhem normalmente o líder que lhes dá mais garantias de poder ganhar. Essas garantias aferem-se pelas sondagens. Por isso, a grande questão, daqui a um ano, vai ser esta: se as sondagens derem vantagem a Rui Rio, ele pode ganhar; se as sondagens favorecerem Passos Coelho, pode nem sequer haver Rio.

 
Esta pré-candidatura de Rui Rio é uma arma de dois gumes para Passos Coelho.

Por um lado, pode funcionar de incentivo ao líder. Quando se tem oposição, a tendência é para se tentar melhorar a actuação. Ser mais assertivo e eficaz.

Por outro lado, pode ser uma forma de o queimar em lume brando. Se não houvesse autárquicas em 2017, Passos Coelho podia antecipar o Congresso do PSD para clarificar posições e evitar o desgaste. Só que em ano de eleições autárquicas não é aconselhável fazer eleições internas. A consequência pode ser o desgaste.

 

MARCELO NA COVA DA MOURA

 
Esta visita presidencial vale politicamente por duas coisas:

Primeiro, pelo local da visita. A Cova da Moura é um bairro altamente degradado e altamente problemático. Raramente é visitado por um político. E normalmente é notícia pelas más razões. Pois bem. Foi aqui que o PR fez uma das deslocações mais marcantes do seu mandato.

Segundo, pelo estilo presidencial. Goste-se ou não se goste do Presidente ou do seu estilo, uma coisa é certa: as imagens de Marcelo na Cova da Moura são imagens marcantes, invulgares, inéditas.

 
E por que é que são marcantes? Porque marcam um estilo. O estilo afere-se pelo conteúdo e pela forma. No conteúdo, é o Presidente mais interventivo de sempre; na forma, iniciou uma nova forma de fazer política. Esse estilo pode traduzir-se nesta ideia: ser popular sem ser populista. Nos dias que correm isto não é vulgar.

a) O que se diz habitualmente dos políticos? Que estão divorciados da sociedade; que estão afastados das pessoas; que são artificiais e actuam em circuito fechado; que falam politiquês: que estão agarrados às mesmas rotinas e aos mesmos rituais de sempre.

b) O PR cortou com tudo isto. É autêntico. É próximo das pessoas. É disponível. Fala a sua linguagem. Gera empatia e afecto. Quebra os rituais habituais.

c) Dir-se-á que é para acumular popularidade. É verdade. Mas tem outro efeito importante – contribui para regenerar o nosso sistema político, aproximando eleitos dos eleitores e reganhando a confiança dos cidadãos nos agentes políticos.

 

NOTAS FINAIS

 
Um elogio. Terminou a Web Summit e foi um enorme sucesso. Foi a 6ª edição, a 1ª em Portugal e a maior e melhor de sempre. É o que dizem investidores, oradores e dirigentes políticos. Para o ano há mais.


Uma observação.
António Preto é um antigo deputado que andou 14 anos a contas com a justiça. Foi agora absolvido das acusações que lhe faziam. Até o Ministério Público concordou com a absolvição. Esta é a boa notícia para o próprio. A má notícia é que todo o processo demorou 14 anos. 14 anos é tempo de mais para se fazer uma justiça verdadeiramente justa.


Um cumprimento. À Associação Portuguesa de Direito Constitucional, a que preside o ex-Presidente do TC, Cardoso da Costa. É que organiza na próxima semana uma Conferência de grande nível para celebrar 40 anos da nossa Constituição.

 
Uma saudação. À Associação Empresarial do Oeste. Em tempo de aniversário, decidiu celebrá-lo homenageando António Guterres e invocando a cauda dos refugiados.

 
Uma homenagem. A Alfredo Bruto da Costa, que faleceu esta semana. Era um humanista. E fez muito pelo combate à pobreza em Portugal.

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