Opinião
De mãos atadas
Repetindo os erros do passado, fazemos figura na Europa usando caminhos fáceis e previsíveis que aquela fingiu não perceber.
A FRASE...
"Portugal tem sido uma história de sucesso… com uma melhoria impressionante das suas finanças públicas."
Pierre Moscovici, Lusa, Outubro de 2019
A ANÁLISE...
A apresentação do Orçamento do Estado para 2021 é a mais eloquente prova da falta de margem orçamental depois dos anos do "milagre" orçamental da anterior legislatura. É certo que as orações laudatórias à política orçamental seguida e aos seus resultados não vieram apenas dos partidos que apoiaram o Governo, mas também do Presidente, representantes variados da "sociedade civil" e, a sempre previsível nestas matérias, Comissão Europeia. Esta, seguindo os caminhos trilhados em crises anteriores, fez vista grossa ao modo como o ajustamento foi prosseguindo, centrando-se na métrica do défice global.
Fiz parte, como já vem sendo costume, da ínfima minoria que se preocupou em chamar a atenção para as deficiências do ajuste orçamental seguido, muito assente na ausência de investimento público - ainda que generosamente orçamentado, mas sempre muito cativado - e o bónus de juros historicamente baixos, o que se mantém e manterá nos tempos mais próximos. Na verdade, se nos centrarmos nos indicadores mais relevantes para o período de 2016 a 2019, verificaremos que o avanço em termos de consolidação foi muito curto. O défice estrutural reduziu-se apenas 1.5 p.p. entre 2016 e 2019 (baixou de 2% para 0,5%). Como ainda na semana passada mostrou Joaquim Sarmento noutra publicação, sem o efeito dos juros e dos dividendos do banco central, o défice estrutural tinha-se mantido inalterado entre 2015 e 2019, em valores próximos de 2%.
É por isto que a reacção orçamental portuguesa em 2020 ao impacto da actual pandemia foi tão comedida face ao que verificámos ter acontecido nos países a que agora chamamos frugais. Repetindo os erros do passado, fazemos figura na Europa usando caminhos fáceis e previsíveis que aquela fingiu não perceber. Quando a política orçamental pode ser relevante e, no imediato, útil a suprir as falhas de investimento do passado, a margem de manobra escasseia. É este, em termos gerais, o drama do Professor Leão no Orçamento para 2021. O caminho que ajudou a percorrer deixou-o agora de mãos quase atadas.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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