Opinião
Portugal, fábrica da Europa?
A dívida contraída com o propósito específico de responder à pandemia deveria ter tratamento de exceção, nas empresas e nos bancos. Aliás, tais empréstimos podem ser um interregno até à verdadeira socialização de perdas (que, para já, têm existência potencial).
A FRASE...
"Há um efeito precipício no fim destas moratórias que não podemos ignorar."
Carlos Costa, Jornal Económico, 18 de maio de 2020
A ANÁLISE...
À medida que o tempo avança consolida-se a ideia de que a retoma da economia não vai ser uma tarefa fácil. Portugal está numa situação de extrema fragilidade no curto prazo, fruto da aterragem de emergência que foi forçado a operar no setor do turismo: hotelaria e restauração com receitas no limiar do zero absoluto, e expectativas de recuperação adiadas para futuro incerto.
No longo prazo é possível que o cenário seja mais otimista, mas tudo depende da conjugação de uma série de fatores geopolíticos. A consolidação de cadeias de abastecimento mais curtas e de proximidade, refletindo preocupações com o ambiente e a independência dos principais blocos económicos, pode trazer um novo estímulo, naquilo que muitos veem como a oportunidade para Portugal ocupar o lugar de “fábrica da Europa”.
Uma oportunidade – apenas, é certo – a necessitar de uma política consentânea e a exigir ao Estado e às empresas rasgo e criatividade. O financiamento é um dos eixos. As moratórias concedidas pelos bancos e o apoio do Estado às empresas – suportando, temporariamente, parte dos custos do trabalho (lay-off) e facilitando os empréstimos (garantia mútua) – foram as respostas possíveis, mas débeis. É preciso fazer mais.
Albardadas com dívida a que apenas poderão reembolsar quando regressada a normalidade e anuladas as perdas devidas à interrupção, as empresas precisam de neutralizar os efeitos da ocorrência extraordinária. A dívida contraída com o propósito específico de responder à pandemia deveria ter tratamento de exceção, nas empresas e nos bancos. Aliás, tais empréstimos podem ser um interregno até à verdadeira socialização de perdas (que, para já, têm existência potencial).
Não tendo proximamente capacidade para diluir as perdas, as empresas têm de ver aliviado um custo que lhes é socialmente imposto. Não falamos de uma situação de perdão de dívida, apesar de haver países em que o apoio foi a fundo perdido. Antes, é ganhar tempo: a opção para recomprar autonomia se os ventos soprarem de feição. Num hiato temporal a definir, esta dívida não conta, está adormecida! No final do prazo, quem não exercer a opção (por escolha ou fatalidade) é liquidado, e a perda finalmente socializada!
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
maovisivel@gmail.com