Opinião
Uma Europa desorientada e um país sempre em défice
Comecemos por uma questão formal: nos termos dos tratados, são os Estados-membros (EM) que são avaliados no cumprimento, ou não, dos critérios estabelecidos para avaliação das finanças públicas. É, portanto, Portugal que pode vir a ser sancionado.
Nunca é demais recordar que estivemos sujeitos a um programa de ajustamento muito duro - nos seus efeitos económicos e sociais - que visava a redução do saldo global das Administrações Públicas (doravante, défice orçamental) para um valor inferior a -3% do PIB. Isto, claro, considerando apenas o critério inicial do Pacto de Estabilidade (PE).
Todos recordamos, embora alguns não o queiram reconhecer, que o sucessivo fracasso nas metas acordadas levou o Governo então em funções a implementar novas e sucessivas medidas " além da troika". Em Setembro do ano passado, o INE enviou para o Eurostat a segunda notificação relativa ao Procedimento dos Défices Excessivos (PDE) na qual se inscrevia uma previsão do défice orçamental para 2015 de -2,7%. Portugal estaria assim no caminho certo para sair do PDE.
Afinal, e se eliminarmos aquelas desgraças - caso do sistema financeiro - que nos têm atingido repetidamente, o saldo orçamental ficou em -3,2% do PIB. Eis que em escassos meses o efeito-eleições voltou a exercer um irresistível fascínio sobre um Governo em funções.
Entra agora a avaliação desse resultado no âmbito dos procedimentos europeus. Acrescente-se que Portugal está acompanhado por França (-3,5%) e por Espanha (-5,1%, não eliminando eventuais correcções). O primeiro é um caso especial como infelizmente já foi afirmado pelo presidente da Comissão Europeia; Espanha também poderá ter as suas atenuantes dado que tem um significativo historial de excedentes orçamentais até à crise de 2008. Estão em défice excessivo ou não? Claro que sim. Justifica-se então a situação absurda das últimas semanas com as mais diversas intervenções e pressões ao nível europeu? Não.
Se a União Europeia não estivesse numa fase - já longa - de completa desorientação, ter-se-ia actuado segundo as regras processuais previstas e sempre aplicadas em situações anteriores. Consideremos agora apenas Portugal. Segundo a vertente correctiva do PE, à Comissão Europeia compete avaliar a violação do critério (o que fez na semana passada) e remeter recomendação de actuação ao conselho Ecofin (o que não quis fazer). Se este decidir, por maioria qualificada, que houve violação do critério então exigirá ao EM um plano para a correcção do défice excessivo no prazo de um ano, isto é, até final de 2016. A recusa do EM implicaria então a aplicação de sanções (o que nunca aconteceu).
Continuemos no caso português. Primeiro, o Governo em funções apresentou um Orçamento do Estado com uma previsão de défice orçamental de -2,2% do PIB. Esta meta não parece credível, mas nada indica até agora que venha a ocorrer uma forte derrapagem. Segundo, existirá um conjunto de medidas (o designado Plano B, conhecido da Comissão Europeia) que poderão ser implementadas, se necessário, já este ano. Terceiro, há precedentes - certo que não abrangeram os pequenos países - de se considerar que o "défice excessivo era pequeno e temporário".
Se considero que apenas uma União Europeia em "fuga para a frente" aplicaria sanções, certo é que Portugal tem um forte historial de défices excessivos e consequentes correcções. Se aqueles fossem saudáveis, teríamos um grande país em termos económicos e sociais.
Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.