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Manuela Arcanjo - Economista 16 de Maio de 2019 às 18:57

As sombras de Berardo

Quem determinou estas operações? Quem aceitou títulos como contrapartida? Quem deixou passar dez anos e a blindagem dos estatutos da Associação detentora da colecção de arte? Afinal, JB provocou um estrondo enorme com a sua audição como se tivesse sido o mandante e o operacional.

Começo com duas declarações. Primeira, sou uma pequena acionista do BCP e, portanto fortemente lesada, como outros milhares de portugueses já que nele investimos poupanças pessoais. Segundo, não conheço pessoalmente Joe Berardo (JB), apenas nos cruzámos num evento público em que ele foi tratado como uma "superstar".

 

A audição de JB na comissão parlamentar de inquérito à CGD gerou uma onda de choque quase generalizada. Para uns foi um choque genuíno, para outros foi uma reacção de hipocrisia. Mas devemos separar duas dimensões: a forma e o conteúdo.

 

Quanto à primeira, devemos comparar com outras personagens já ouvidas naquele Inquérito. Sim, é verdade, JB é uma mente simples com a noção de que pode, de facto, continuar a gozar com os representantes do poder politico e que, ao contrário do português comum, ganha sempre. Foi o seu comportamento que chocou o Sr. Presidente da República que o classificou de "indecoro" num espaço que exige o maior respeito. Aqui pouco importa que Marcelo Rebelo de Sousa tenha considerado em tempos idos que JB era merecedor dos maiores elogios como um grande investidor (quando foi um grande especulador) na economia portuguesa, o que interessa é avaliar o comportamento de outros intervenientes, de mente mais complexa, que usaram da arrogância e do "não me lembro" repetido até à exaustão. Com a sua superior educação também gozaram com os membros da CPI.

 

Para falarmos do conteúdo, teremos de recuar um pouco no tempo. A CGD foi usada frequentemente para nomeações políticas, de gente competente e de outros sem qualquer atributo. Um dos casos gritantes foi a entrada do Sr. Vara para Vogal. Esta escolha foi assumida por Teixeira dos Santos - bom homem, de riso fácil mas com uma personalidade que não lhe permitia enfrentar o seu primeiro-ministro - e justificada por ter muito boa ideia do ex-colega! Não me apetece tecer mais comentários sobre este ponto. Talvez por mera coincidência temporal, iniciou-se o ataque de poder, vergonhoso, de um banco público ao maior banco privado português (BCP). Para esta e para outras operações agora reconhecidas como duvidosas, a CGD precisou de usar umas personagens, tais como JB, Manuel Fino e outros.

 

Chegamos então ao conteúdo da audição de JB: o que aconteceu mesmo de diferente face a outras audições? Disse mais do que qualquer outro e se não tivesse sido impedido de falar pelo seu advogado, teríamos ficado a saber muitos "detalhes picantes". Não mentiu ao dizer que não pediu nada à CGD, não mentiu quando com descaramento explicou que tinha blindado o acesso à sua colecção!

 

A CGD é uma entidade gerida por pessoas. Quem determinou estas operações? Quem aceitou títulos como contrapartida? Quem deixou passar dez anos e a blindagem dos estatutos da Associação detentora da colecção de arte? Afinal, JB provocou um estrondo enorme com a sua audição como se tivesse sido o mandante e o operacional.

 

Ouvi com a maior atenção os comentários de Carlos César e de Lobo Xavier. O primeiro teve o mérito de não branquear anteriores administrações da CGD. O segundo disse algo, para mim, óbvio: apertem com JB porque ele vai contar a história toda.

 

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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