Opinião
As novas ditaduras
Nunca gostei que me dissessem o que não podia ler, o que não podia escrever, o que não devia pensar. Também não me agrada que me digam do que devo gostar.
Back to basics
Um fanático é alguém que é incapaz de mudar de ideias e que não quer mudar de assunto.
Winston Churchill
As novas ditaduras
Nunca gostei que me dissessem o que não podia ler, o que não podia escrever, o que não devia pensar. Também não me agrada que me digam do que devo gostar. Desagrada-me quem julga ter por missão indiscutível defender valores que podem ser os seus, mas não são os de todos - na religião, na ideologia, na política, nos costumes, na estética ou na ética, para só citar alguns. Prezo a liberdade de poder tomar decisões, arcando com a responsabilidade inerente. Habituei-me a pensar que a minha liberdade acaba onde começa a dos outros e tenho tentado viver assim. E irrita-me que alguém tente entrar na minha liberdade, na minha maneira de encarar a História, na minha maneira de ver os acontecimentos.
Dixit
"É perfeitamente desejável que possamos ter um Banco de Portugal acima da conflitualidade política e não como parte do combate político"
António Costa em 2015, sobre o processo de nomeação do governador do Banco de Portugal
Semanada
• O Estado não sabe ao certo quantos prédios possui, nem tem ideia do valor do seu património imobiliário, revela uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças • o Governo construiu o Orçamento retificativo com uma estimativa de contração do PIB de 6,9% e, uma semana depois, o Banco de Portugal pôs em causa os pressupostos utilizados pelas Finanças, avançando com uma previsão de uma recessão de 9,5% • Portugal é um dos 12 países com taxa de inflação negativa na Zona Euro • três anos passados sobre a tragédia de Pedrógão Grande, o SIRESP continua sem cobrir várias das zonas atingidas • segundo bombeiros da região, as florestas dos concelhos onde morreram 66 pessoas estão por limpar • o deputado europeu do PAN abandonou o partido, mas não o seu lugar em Bruxelas, acusando a organização de colagem à esquerda • o mercado português registou a segunda maior quebra na venda de automóveis ligeiros na Europa • foi descoberto um depósito de 30 mil toneladas de resíduos perigosos numa antiga zona industrial de Setúbal, onde estão há mais de 20 anos • segundo a Marktest, durante o confinamento aumentou o consumo de pizza e de cápsulas de café • o número de cesarianas realizadas nos hospitais públicos subiu pelo terceiro ano consecutivo, atingindo em 2019 cerca de 30% dos partos realizados • o saldo entre nascimentos e mortes em Portugal continua negativo pelo 11.º ano consecutivo, mas, pela primeira vez nos últimos dez anos, regista-se um aumento da população, graças à imigração.
O som da pandemia
Quando a pandemia alastrou, o pianista Brad Mehldau estava a meio de uma digressão pela Europa, que foi interrompida. Mehldau, casado com uma holandesa, divide o seu tempo normalmente entre Amesterdão e Nova Iorque, cidade para onde iria quando tudo se precipitou. Durante meses esteve fechado na sua casa de Amesterdão e compôs 12 temas que integrou num álbum inesperado a que chamou "Suite: April 2020". O disco evoca o espírito do tempo, do mês de Abril, em que a pandemia dominou o mundo. A capa do disco é o texto de uma mensagem do pianista, que descreve a música que compôs como um retrato sonoro de um tempo em que todos tiveram de se reencontrar a si mesmos. Os 12 andamentos da suite têm nomes como "Keeping Distance", "Stopping, Listening, Hearing", "Remembering Before All This", "Uncertainty", "Waiting" e três momentos do quotidiano do confinamento: "In The Kitchen", "Family Harmony" e "Lullaby". Há ainda três versões que Brad decidiu fazer de composições de outros músicos, três temas que escolheu como canções adequadas ao espírito deste tempo: "Don’t Let It Bring You Down" de Neil Young, "New York State Of Mind" de Billy Joel e "Look For The Silver Lining", de Jerome Kern. Disponível em edição especial limitada de vinil, em CD e no Spotify.
Crime e mistério
Comecei a ler policiais pela mão da colecção Vampiro - primeiro, emprestados por um amigo, depois religiosamente comprados à medida que iam saindo. Foi ali que descobri os mestres dos policiais, e um dos que mais me atraíram foi Raymond Chandler, sempre com o seu detective Philip Marlowe. Chandler nasceu em Chicago em 1888 e era administrador de empresas petrolíferas quando veio a Grande Depressão, em 1932. Foi nessa altura que começou a escrever - primeiro, contos policiais e, depois, novelas. Este mês, encontrei nas reedições contemporâneas da colecção Vampiro o seu segundo romance, "Farewell My Lovely", ou "Perdeu-se Uma Mulher". Voltei a descobrir o prazer da definição de personagens que Chandler fazia. É um estilo bem distante dos modernos policiais nórdicos que ultimamente são a minha paixão e que se baseiam na definição do perfil psicológico de polícias e criminosos. "Perdeu-se Uma Mulher" é o segundo romance de Chandler, originalmente publicado em 1940, a partir da junção de três contos que já tinha publicado em revistas. Mais tarde, a história passou a filme, protagonizado por Robert Mitchum. Com uma boa tradução de Paula Reis, "Perdeu-se Uma Mulher" descreve a Los Angeles dos anos 1940, os bastidores violentos e corruptos que evidenciam as tensões de uma grande cidade, com um cenário de tráfico de droga, jóias roubadas, mulheres sedutoras e assédios variados. Hoje em dia, tudo o que é politicamente correcto cairia em cima do escritor e dos métodos do seu detective Marlowe. Se tal tivesse acontecido quando Chandler começou a escrever, ter-se-ia perdido um dos grandes autores da literatura policial. Talvez em vez disso se tivesse escrito um outro livro - "Os Crimes do Politicamente Correcto".
MAAT reinventado
E pronto, o maat finalmente reabriu após o confinamento e as obras de manutenção da estrutura afectada por uma tempestade no Inverno passado. Três destaques: a intervenção arquitectónica "Beeline", a experiência sonora "Extintion Calls" e o "PeepShow". As duas primeiras ficam até Janeiro do próximo ano, a última até 19 de Outubro. "Beeline" é uma intervenção arquitetónica que foi encomendada ao estúdio nova-iorquino SO - IL, e que ocupa a totalidade do edifício do maat. Trabalho de arquitetura efémera, área de eleição daquele ateliê até à data, "Beeline" foi concebido para acolher o "maat Mode 2020", um programa público de palestras e outros eventos com uma duração de seis meses lançado pela nova diretora do maat, Beatrice Leanza. "Extinction Calls" é uma encomenda especial a Cláudia Martinho, na qual a artista usa sons do arquivo para criar um percurso sonoro com espécies de aves extintas e ameaçadas. A paisagem sonora é espacializada em ressonância com o espaço acústico do maat e da intervenção "Beeline", criando uma diversidade de pontos de escuta. "PeepShow" agrupa um conjunto de 15 estruturas portáteis, cujo interior pode ser observado por vigias de grandes dimensões e está integrado na "Beeline". Estão expostas peças da colecção de arte Fundação EDP e cada uma das intervenções é o ponto de partida para uma série de conversas em torno da relação entre arte e realidade, que terão a participação dos artistas representados: Catarina Botelho, Paulo Brighenti, Tomás Colaço, Luísa Ferreira, Horácio Frutuoso, Mariana Gomes, Pedro Gomes, André Guedes, João Louro, Maria Lusitano, João Ferro Martins, Paulo Mendes, Rodrigo Oliveira, Francisco Vidal e Valter Vinagre.
Arco da velha
Caso Mário Centeno seja nomeado governador do Banco de Portugal, a sua acção vai ser avaliada por um conselho de auditoria que o próprio nomeou enquanto ministro das Finanças.
O italiano que se apaixonou por Sagres
Sagres sem vento e com a água do mar a boa temperatura? Pois, é raro, mas acontece. De qualquer maneira, foi com esse pano de fundo que, passeando pelas ruas do centro, junto à pousada, encontrámos o Mum’s. À frente da casa, mal saída ainda do confinamento, está um italiano que há 11 anos trocou o restaurante que tinha em Milão e rumou a Portugal. Apaixonou-se por Sagres, convenceu a namorada, também italiana, a segui-lo e os dois puseram de pé o Mum’s passado um tempo. O foco da casa é a utilização de produtos da região, do azeite a frescos, com destaque para os produtos biológicos de produtores da costa vicentina, passando, é claro, pelo peixe, escolhido na lota de Portimão. Simão, aliás Simone, "sommelier" de formação, apaixonou-se pelos vinhos portugueses, de que fala com conhecimento e entusiasmo - sobretudo dos vinhos do Douro. Antes da covid, o Mum’s era conhecido pelos "cocktails", servidos no bar e numa pequena esplanada - tinham boa fama os "negroni", por exemplo. Agora, com menos mesas e o balcão à espera de melhores dias, o foco está nos jantares. A decoração do Mum’s é simples e imaginativa, Simão é um anfitrião notável, um contador de histórias, e na cozinha está um jovem chef português, de origem ribatejana, Alexandre Fidalgo. O couvert é simples e bom - do pão às azeitonas, passando por uma manteiga fermentada e uma maionese vegan. Nas entradas, provou-se, com muito gosto, cavala fumada em "consommé" frio de peixe. A lista apresenta várias sugestões vegetarianas, mas inclui também opções para hereges dessa crença, como um magnífico polvo frito, extraordinário de textura e sabor, acompanhado por "cevasotto" de lima e aipo, que mais não é que uma variante de "risotto" em que o arroz é substituído por grãos de cevada. Outras opções boas são o filete de peixe do dia com puré de aipo, nabo e agrião, ou o lombo de bacalhau, acompanhado de esmagada de batata com alecrim e espargos verdes. A refeição foi acompanhada por um Vale Pradinhos reserva branco, que cumpriu muito bem. No Mum’s, não sei que elogie mais - se o talento da cozinha, se a hospitalidade de Simão. Na próxima ida a Sagres, lá voltarei. Mum’s, Rua Comandante Matoso, 917 524 315, aberto aos jantares todos os dias, excepto à terça-feira.