Opinião
Pela boca morre o peixe
Em Portugal não temos manifestações de multidões vestidas com coletes amarelos e não é por falta de razões: estamos num país onde, qualquer dia, em vez de comboios voltaremos a ter carroças, onde em vez de cacilheiros se utilizarão jangadas
Back to basics
Nunca devemos interromper o inimigo quando ele está a cometer um erro.
Napoleão Bonaparte
Pela boca morre o peixe
Em Portugal não temos manifestações de multidões vestidas com coletes amarelos e não é por falta de razões: estamos num país onde, qualquer dia, em vez de comboios voltaremos a ter carroças, onde em vez de cacilheiros se utilizarão jangadas, um país onde médicos do maior hospital pediátrico se demitem por falta de condições, onde um porto marítimo fulcral para a economia continua a suicidar-se, onde as greves em serviços essenciais começam a ser mesmo preocupantes. Temos, no entanto, um sistema perfeito de vasos comunicantes, bem exemplificado no Orçamento do Estado que acabou de ser aprovado pela frente de esquerda: aumentam-se os gastos do Estado com os seus funcionários, graças ao dinheiro extra que vem da carga fiscal directa e indirecta. A sociedade portuguesa está a criar um funil em que a boca é larga para cobrar, mas o tubo de saída é estreito: o que fica de fora do funil são os serviços que o Estado devia assegurar e que são a razão de ser dos impostos. Por aqui, continua tudo trocado: os recursos gastam-se para ganhar sossego político em vez de ser para suprir necessidades da população. Na Assembleia, deputados vigarizam o livro de presenças e votações, no Ministério das Finanças, um quadro superior protegido por Centeno está sob suspeita de fechar os olhos a irregularidades. Noutros tempos dir-se-ia que pela boca morre o peixe. Mas começa a ser perigoso usar provérbios destes graças a uns cómicos que acham que falar assim pode ser ofensivo para os animaizinhos e consideram que o tema deve ser debatido no Parlamento. Depois queixam-se que a Assembleia da República tem má imagem.
Dixit
"Não podemos ir além do limite, sob pena de que PSD e CDS se fiquem a rir de nós e digam que tinham razão."
António Costa
no Parlamento, sobre o Orçamento do Estado para 2019
Semanada
• Até ao final deste ano, há 47 pré-avisos de greves em 11 áreas da Administração Pública, desde a justiça aos hospitais, passando pela inspecção das pescas • a percentagem de cesarianas realizadas nos hospitais privados é mais do dobro da realizada no Serviço Nacional de Saúde; entre 1 de novembro de 2017 e 31 de Outubro de 2018, o Ministério Público instaurou 3.423 inquéritos relativos a crimes de corrupção e crimes conexos • em Outubro, segundo a Marktest, o site noticioso com maior alcance foi o do Correio da Manhã, com cerca de 2,5 milhões de visitantes • segundo o Conselho das Finanças Públicas, os gastos das famílias portuguesas com a saúde estão acima da média da OCDE; 1.684 euros é o valor que em média cada português gastou em cuidados de saúde em 2017 • segundo o Ministério do Ambiente, nos últimos dois anos, apenas foi retirado amianto em 90 dos 1.400 edifícios públicos que estão no plano de remoção daquela substância potencialmente cancerígena • em duas semanas de greve dos enfermeiros prevê-se o adiamento de cerca de 4.500 cirurgias • Maria Begonha continua candidata à liderança da Juventude Socialista, apesar de ter prestado declarações falsas sobre o seu currículo e da polémica em torno dos contratos que celebrou com autarquias do PS, no valor de cerca de 140 mil euros.
A poesia impressa
Eugénia de Vasconcellos começou a publicar poesia em 2005, com "A Casa da Compaixão", e desde então tem escrito ensaios como "Cultura Light" ou "Camas Politicamente Incorrectas da Sexualidade Contemporânea", contos como "Do Banco Ao Negro" e poesia como "O Quotidiano a Secar em Verso" - que João Mário Silva descreveu como "um meteorito que cruzou o céu da poesia portuguesa". Está traduzida em catalão, alemão, sérvio e romeno. Nascida no final dos anos 60, em Faro, Eugénia Vasconcellos elege como poetas favoritos Camões, Walt Whitman e Herberto Helder. O seu novo livro, "Sete Degraus Sempre A Descer", percorre etapas do amor, da descoberta à desilusão, do encontro à despedida, entre dúvidas e desejos. Como Eugénia de Vasconcellos escreve logo no primeiro poema do seu novo livro, "A poesia não é coisa das páginas dos livros -/ não se faz na tipografia./ Ainda que seja nas páginas dos livros que/se fixa depois de a tipografia lhe dar um corpo de papel -/ é sempre de amor que se faz um corpo,/ é por amor que um corpo se dá./A poesia é da vida. É de quem tem."
O paradoxo contemporâneo
A Galeria Cristina Guerra Contemporary Art exibe, até 4 de Janeiro, uma exposição que reúne 42 obras de arte contemporânea de artistas portugueses e estrangeiros - de Julião Sarmento a John Baldessari, passando por Horácio Frutuoso, Vasco Araújo ou Joseph Kosuth, Ed Ruscha ou Matt Mullican, entre muitos outros. As obras têm proveniências diversas, nomeadamente de colecções particulares e do acervo da própria Galeria, e foram agrupadas por Alexandre Melo sob o título "1000 imagens - uma imagem vale mais que mil palavras". Existe um ponto comum entre muitas das obras, que é a utilização da palavra escrita, seja de forma isolada, seja numa frase. No texto que acompanha a exposição, Alexandre Melo sublinha que "a presença das palavras no contexto criativo das artes plásticas é marcante nas vanguardas históricas do início do século XX" para depois esclarecer que o critério de curadoria da exposição foi apresentar "uma grande diversidade de obras realizadas por autores que, cada um segundo a sua sensibilidade e no âmbito da sua linha de pesquisa, deram um lugar de destaque às palavras, e assim nos dão, a nós próprios, a possibilidade de pensar e decidir qual o valor e a atenção que queremos, ou não, continuar a conceder às palavras". Esta reflexão está enquadrada numa época em que as imagens se banalizaram e a sua utilização se globalizou e multiplicou - e por isso este confronto das palavras com a imagem se torna interessante. Mas, ao mesmo tempo, a montagem da exposição evidencia um paradoxo que por vezes se torna repetitivo na arte contemporânea - e que passa por viver de uma teoria e da sua sublimação, mais do que de uma emoção ou de um acto de comunicação. Evidenciar este paradoxo é a marca destas "1000 imagens".
Bolsa de valores
Claudia Fischer expõe na Galeria Belo-Galsterer (Rua Castilho, 71, RC, Esq ) a obra Spatien #8, 2018, impressão sobre papel, edição 1/3 emoldurada, com a dimensão 26x73 cm, por 750 euros (IVA de arte incluído).
Arco da velha
O inspector-geral das Finanças, que integra o Conselho de Prevenção da Corrupção, é suspeito num processo em que se investigam corrupção, peculato e abuso de poder.
Uma estrela no fado
Carminho está a fazer um dos mais interessantes percursos artísticos entre as fadistas da sua geração e mistura o fado que conviveu com ela toda a vida (a mãe é a fadista Teresa Siqueira) com outros géneros musicais, nomeadamente a música brasileira. Sinal disso é ter já gravado nos seus quatro discos anteriores duetos com Chico Buarque, Milton Nascimento, Marisa Monte e Nana Caymmi. O seu quarto disco é aliás inteiramente dedicado à obra de Tom Jobim e é, também, uma prova da versatilidade da sua interpretação. "Maria", agora editado, é o seu quinto álbum e marca um regresso ao território musical de origem - o fado. Carminho envolveu-se mais do que é costume na produção e escreveu várias das canções que interpreta naquele que parece ser o disco mais pessoal da sua carreira. A concepção dos arranjos e a escolha de instrumentos (desde a tradicional guitarra de fado à guitarra eléctrica) mostra que a ousadia de Carminho não se manifesta só na sua forma de cantar, mas também na abordagem musical que concretiza. A guitarra portuguesa esteve a cargo de Bernardo Couto, José Manuel Neto e Luís Guerreiro, a viola de fado é de Flávio César Cardoso, no baixo acústico esteve José Marino de Freitas, no piano João Paulo Esteves da Silva e, na guitarra eléctrica, Filipe Cunha Monteiro - aliás, Carminho também toca guitarra eléctrica no tema "Estrela", por sinal um dos melhores do disco. É muito interessante o contraste que Carminho consegue criar entre as suas composições originais (nomeadamente "Mulher Vento" e "Estrela"), a interpretação de clássicos (como "O Começo", de Pedro Homem de Mello e Acácio Gomes), tradicionais (como "Sete Saias" de Artur Ribeiro) ou a abordagem "As Rosas" (de Joana Espadinha). CD Warner.
Sabores libaneses
A zona do Príncipe Real levanta-me a maior reserva em termos de restaurantes. Não tenho tido boas experiências, sobretudo no atendimento que parece penalizar quem não é turista. Mas, recentemente, tive uma boa surpresa num novo espaço que nasceu num local onde antes existia um desses restaurantes, no caso, o Prego da Peixaria. O Sumaya - Mesa Libanesa tem um acolhimento simpático, um serviço atencioso e os empregados sabem explicar o que é cada prato, deixando os clientes decidirem por si. Há combinados que juntam várias especialidades ou pode seguir-se o menu e ir pedindo. A comida libanesa apela à partilha de petiscos (mezze), portanto, a ideia é pedir várias coisas e ir partilhando e saltando de uma para outra. Veja na lista os mezze frios e quentes, pegue no pão achatado que lhe põem na mesa e vá fazendo experiências. Numa recente visita, a escolha recaiu sobre Labneh (iogurte com tomilho, azeitonas e hortelã), Baba Ghanouj (uma pasta de beringela com tahini, limão e romã), Fatayer (empadas de espinafre com limão e azeite) e Makanek (salsichas caseiras cozinhadas num molho de romã com pinhões). Há vinhos libaneses, mas também portugueses e, na circunstância, optou-se por um Catarina a copo. A sobremesa vai variando todos os dias, mas na altura veio um Mouhalabieh, uma espécie de panna cotta libanesa, que leva pistácios aos pedaços e fez um bom contraste de sabores com o resto da refeição. Sumaya - Mesa Libanesa - 213 470 351, reservas@sumaya.pt, Rua da Escola Politécnica 140.