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11 de Janeiro de 2013 às 09:47

A esquina do Rio

O expediente é conhecido: quando uma administração de uma empresa quer tomar uma decisão, que já sabe poder provocar rupturas, pede a uns consultores para analisarem a situação a seu contento

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Política
O expediente é conhecido: quando uma administração de uma empresa quer tomar uma decisão, que já sabe poder provocar rupturas, pede a uns consultores para analisarem a situação a seu contento. E, depois, anuncia que os sábios opinaram naquele sentido e lamenta dizer que, para garantir a sobrevivência, o único caminho é aquele. Isto foi o que o Governo fez com os consultores do FMI - lêem-se os agradecimentos do estudo e percebe-se como saiu este resultado. Não é uma surpresa: quando Passos Coelho anunciou a refundação do memorando, no início de Novembro, era dos preliminares deste estudo que falava, como agora se percebe. O Estado tem de ser cortado - isso já se sabe. Mas sendo assim, porque é que o Governo de Passos Coelho, que tomou posse a 21 de Junho de 2011, durante um ano e meio nada fez para diminuir o peso do Estado? O curioso é que, quando se lê o estudo do FMI, não se encontram novidades na análise da situação. Para fazer isto, bem podiam ter feito logo o serviço em 2011 -, mas isso era desagradável, porque Passos Coelho tinha ganho as eleições com um programa onde não falava em nada disto e tinha escrito um livro, "Mudar", editado há precisamente três anos, onde o cenário agora traçado não se vislumbrava.
Ninguém se pode queixar de falta de informação. Em 2005, Miguel Cadilhe, no "Expresso", explicava como a reforma do sistema remuneratório da Função Pública, implementada no final dos anos 80 por influência directa de Cavaco, era responsável pelo crescimento do défice das contas do Estado. Segundo o historiador António José Telo, na sua "História Contemporânea", o lema central do cavaquismo era "Menos Estado, Melhor Estado" - mas a realidade foi completamente diferente: Cavaco aumentou os funcionários em salário e em número, e criou um monstro despesista que foi continuado por António Guterres. Desde 1985, ano em que chegou ao governo, até 1995, no terceiro e último executivo de Cavaco Silva, os funcionários públicos passaram de 464.321 para 639.044, um crescimento de 174.723 funcionários em dez anos - 87 mil por legislatura, mais do que os 75 mil de Guterres (os números da Pordata).
Como tudo isto já era conhecido, o relatório do FMI foi largado na velha táctica política de atirar o barro à parede. Diz-se o pior cenário possível, para depois qualquer recuo dar a sensação de uma vitória aos seus opositores. Não deixa de ser curioso notar que este atirar de barro à parede é feito no dia a seguir ao discurso optimista de Passos Coelho sobre o QREN, por acaso também no dia a seguir a Paulo Portas ter constatado que "há sintomas de desalento e desânimo da sociedade, que é preciso contrariar com sensibilidade". A sensibilidade viu-se - e o mínimo que se pode dizer é que, de certeza, esta não é a melhor forma de começar uma discussão séria sobre a redução do peso do Estado - que de facto é necessária. Temos vivido numa ilusão e querem dar-nos outra. Um país, por muito que tenha de ser bem gerido, não é exactamente uma empresa. José Adelino Maltez fez notar que o relatório do FMI apenas numa única nota de pé de página utiliza a expressão "democracia". E não usa as palavras "justiça", "nação" ou "igualdade", já para nem mencionar "liberdade". Isto traz-nos à questão de fundo: temos de reduzir o peso do Estado, mas temos de o fazer dentro dos mecanismos do regime em que vivemos. Quem se mete na política tem de conhecer as suas regras.

 


Ouvir
Gosto muito de ouvir discos só de guitarra e "Mel Azul", de Norberto Lobo, é uma bela descoberta. Não é fundamentalista, é arriscado, oscila de ritmos e influências, passa dos sons de Lisboa para os de África, os tropicais ou os blues com à-vontade e sem virtuosismos de pacotilha. É garantidamente um belo trabalho - dá prazer a ouvir e percebe-se ter sido feito com igual prazer e empenho.

 


Folhear
"Debaixo das Tílias" é o segundo volume das poesias de Henrique Segurado, de 1990 a 2010. Há um ano tinha surgido o primeiro volume, que ia de 1969 a 1989 e tinha por título "Almocreve das Palavras". À semelhança do primeiro volume, este tem também ilustrações de Rui Sanches, mas há uma clivagem entre os dois - fruto das épocas e dos momentos de escrita, fruto das diferenças dos tempos e situações. São poesias do quotidiano, um bloco de notas de emoções, como um diário que se vai espalhando por folhas soltas.

 


Provar
Durante alguns anos, habituei-me, por facilidade logística e genuíno prazer, a almoçar no Cervejanário, um restaurante situado no passeio de Neptuno, loja 9 e 10, em frente à Marina da Expo. Além de bifes diversos, a casa fazia jus ao nome com uma boa colecção de cervejas de várias geografias e com uma cozinha portuguesa que tinha sempre bons pratos do dia. Há pouco tempo, Joaquim Amaral Marques, o fundador, um homem com história na televisão, passou o testemunho a Carlos Rodrigues. O novo responsável optou por não mexer no que estava a funcionar bem. A casa usa boa matéria-prima e a confecção é cuidada - como um polvo à lagareiro atestou um destes dias. Outros pratos usuais são salsichas frescas com couve lombarda, bacalhau à Braz, arroz de polvo. A garrafeira tem preços sensatos e, além disso, o serviço é atento e expedito, mesmo quando existe um grupo grande na sala, como era o caso. Gozando de uma localização privilegiada, junto ao rio, com vista directa para a marina, o local é ideal para espairecer ideias a meio de um dia de trabalho ou para juntar amigos ao fim-de-semana. Aberto sempre para almoços e para jantares, mediante marcação prévia, o Cervejanário, às vezes, mostra os seus pratos do dia no Facebook e pode ser contactado pelo telefone 218 946 044.

 


Arco da velha
Jesualdo Ferreira é o quarto treinador do Sporting nesta época em que o clube, em sete jogos, leva apenas duas vitórias na Liga. Traduzindo por miúdos: treinadores-4; Sporting- 2.

 


Semanada
Os transportes públicos de Lisboa registaram uma quebra de 25% de utilizadores; nas auto-estradas portuguesas circulam menos 245.000 carros por dia que há um ano; a Segurança Social registou um défice de 857 milhões em 2012; a receita fiscal continua muito abaixo das previsões; o Presidente da República enviou o Orçamento para o Tribunal Constitucional; o PS mandou o Orçamento ao Tribunal Constitucional; o Bloco de Esquerda, os Verdes e o PC deixaram o Orçamento no Tribunal Constitucional; o Provedor de Justiça entregou o Orçamento ao Tribunal Constitucional; o Secretário de Estado do Orçamento fez uma declaração a avisar o Tribunal Constitucional dos perigos em que pode incorrer se rejeitar o Orçamento; Vital Moreira escreveu no seu blogue que o Orçamento, na sua opinião, não é inconstitucional; a taxa de desemprego em Portugal é de 16,3% e a média da União Europeia é 10,7%; a taxa de desemprego entre os jovens com menos de 25 anos é de 38,7%; as Presidenciais são em 2016 e Guterres regressou a funções em Portugal, no Conselho de Administração da Gulbenkian.

 


Ver
Alguns livros, como os que mostram obras de fotografia, são uma espécie de exposições portáteis, que podemos revisitar em casa quando apetece. "A Cortina dos Dias", de Alfredo Cunha, é um desses livros. Mostra imagens do fotojornalista Alfredo Cunha, feitas entre 1970 e 2012, e é uma espécie de compêndio visual da História recente de Portugal. Alfredo Cunha foi testemunha de excepção de muitos dos momentos marcantes das últimas quatro décadas - primeiro no "Século", depois nas agências noticiosas, mais tarde no "Público", na "Visão" e no "Jornal de Notícias", além de uma passagem como fotógrafo oficial dos Presidentes Ramalho Eanes e Mário Soares. No prefácio do livro, João Silva, fotojornalista do "The New York Times", cita Richard Avedon: "Todas as fotografias são verdadeiras, nenhuma delas é a verdade". As centenas de imagens deste livro são a preto e branco - como eram impressos muitos dos jornais e revistas onde originalmente foram publicadas. Alfredo Cunha tem uma maneira de ver - não se limita a registar. E é precisamente a existência desta maneira de ver que faz dele um dos grandes fotojornalistas portugueses.

 

 

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