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Luís Pais Antunes - Advogado lpa@plmj.pt 26 de Junho de 2017 às 20:00

Falhas secas

A seu tempo saberemos (?) o que esteve mal, o que deveria ter funcionado e não funcionou e quem não fez o que devia ter feito.

Há cerca de um mês escrevi aqui nesta coluna "O nosso país tem sido, felizmente, poupado ao rasto de terror e destruição que nos chega pelas notícias... as nossas 'coisas más' são, na maioria dos casos, apenas desagradáveis e inconvenientes. Quase sempre provocadas por nós próprios, seja por incúria, seja pela terrível tendência de repetirmos os mesmos erros vezes sem conta esperando resultados diferentes…"

 

E concluía dizendo: "De pouco nos servirão os esforços e sacrifícios dos anos mais recentes se voltarmos a privilegiar o curto prazo em detrimento do futuro, ignorando a degradação crescente dos nossos serviços públicos e esquecendo a necessidade de reformar sectores-chave da nossa economia que persistem em viver no século passado..."

 

Eu sei bem que o terror e a destruição a que me referia eram as que resultam do flagelo do terrorismo e da insegurança. O incêndio de Pedrógão e o rasto de morte e de devastação que nos deixou nada têm a ver com a vaga de atentados que grassa pelo mundo. Mas depois do que aconteceu - e à medida que, "a conta gotas", vai sendo dado conhecimento de tudo aquilo que aparentemente terá falhado - é difícil não nos sentirmos inseguros.

 

A seu tempo saberemos (?) o que esteve mal, o que deveria ter funcionado e não funcionou e quem não fez o que devia ter feito. Se, como numa primeira fase nos quiseram fazer crer, tudo se resumiu a uma improvável conjugação de fenómenos raros, "trovoadas secas" e "downbursts" ou se, para além de aviões que "caíram" sem ter caído, houve também meios que não o eram e erros que não podiam ter acontecido.

 

Dizer que o que se passou não é normal é explicação demasiado curta. Sê-lo-ia sempre em quaisquer circunstâncias, mas é-o muito mais num país em que o Estado consome 50% da riqueza produzida e se dedica sobretudo a contratar e subsidiar pessoas, taxar tudo o que mexe e fazer leis e planos que pouco faz para aplicar. Os milhões voam para todo o lado, mas de cada vez que o Estado falha - e falha tantas vezes… - o que mais ouvimos são referências à "falta de meios", à imprevisibilidade das circunstâncias e à inevitável acusação de "caça às bruxas".

 

No momento da tragédia é imperativo o "fizemos tudo o que estava ao nosso alcance". Os dias seguintes trazem sempre consigo uma sucessão de referências aos "fatores adversos", à "descoordenação no terreno", ao equipamento que estava "indisponível ou avariado", ao plano que estava "mesmo" para ser posto em prática, às responsabilidades que "vêm detrás". Invariavelmente percebe-se que ninguém estava verdadeiramente preparado e acaba-se quase sempre por ordenar um "rigoroso inquérito" cujas conclusões tardias não diferem muito das anteriores.

 

O Estado existe para proteger as pessoas. Independentemente de estarmos a falar das históricas "funções de soberania" - justiça e segurança, na ordem interna; diplomacia e defesa, no plano externo - ou das mais modernas funções sociais (educação, saúde, cultura, prestações sociais) são as pessoas o centro nevrálgico da sua ação. Quando falha na proteção das pessoas, um Estado que tão forte é na cobrança de taxas e impostos e na distribuição de benesses aos seus mais próximos transforma-se num gigante de pés de barro e mina a confiança que nele a comunidade depositava.

 

Ao Estado e aos seus responsáveis exige-se que o sejam. Que "deem a cara" pelo que correu muito mal, prestem contas pela visível degradação dos serviços públicos e saibam servir aqueles que representam. Só uma grande dose de humildade levará as pessoas a voltarem a acreditar...

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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