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Quem quer fazer contas?

Quanto valem os incentivos fiscais concedidos às empresas? Qual o benefício económico da rede rodoviária construída nos últimos vinte anos? Que valor agregado trazem os fundos comunitários ao tecido empresarial e à criação de emprego? Quanto custam os apoios às IPSS e quanto custariam se os mesmos serviços fossem desempenhados pelo Estado?

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Em quanto importa o apoio às energias renováveis e qual é a sua contrapartida económica? E qual o custo das não-decisões? Estas são algumas das muitas perplexidades que nos assaltam na tentativa de avaliação das políticas públicas. Estando em causa o bom uso do dinheiro dos contribuintes, por que teremos de viver no desconhecimento?

 

O tema não é novo nem exclusivamente português, mas o século das tecnologias e do escrutínio público já deveria ter encontrado uma resposta bem melhor do que a actual, que basicamente é nenhuma. Na semana passada, a propósito da Conta Geral do Estado 2016, João Cravinho relançou o debate aos microfones da TSF. Fê-lo de modo esclarecido e certeiro. Não existe, de facto, qualquer esboço de avaliação, rigorosa e independente, das políticas públicas e dos seus impactos económicos e sociais. O Tribunal de Contas, a quem teoricamente competiria proceder a alguma avaliação de mérito, fica-se por umas páginas incipientes. Verdade se diga que não possui meios nem competências para tal, o que explica a sua acção eminentemente legalista, no que desempenha um papel meritório. Então, quem poderia e deveria fazê-lo?

 

A primeira tentação é assacar responsabilidades ao próprio Estado, aos governos ou à Assembleia da República, que é o primeiro órgão de fiscalização democrática. Só que é dificilmente concebível que algum dia os poderes executivo e legislativo pretendam levar por diante um exercício desta natureza. Desde logo, porque não conseguem libertar-se do crivo das conveniências e interesses partidários, por natureza contraditórios. Basta olhar para as comissões parlamentares de inquérito, que não passam, em geral, de representações teatrais, sem verdade nem consequência. E mesmo que, num inusitado assomo de sentido colectivo, conseguissem ultrapassar as suas divergências de propósitos, não se vislumbra o modo como se entenderiam face aos quesitos de independência, capacidade e rigor de um tal dispositivo.

 

Restam as universidades, os "think tanks" e a sociedade civil, mais ou menos por esta ordem. A última, enquanto tal, é demasiado fragmentada e inorgânica para se ocupar de tal empresa. Os "think tanks" poderiam ser uma via, se existissem apoios financeiros bastantes e desinteressados que garantissem a constituição e sustentabilidade de equipas sólidas e capazes, algo que se afigura difícil num país de poucos recursos e de cultura pouco participativa. Por fim, as academias. À partida, seriam as entidades mais aptas a abraçar o desafio da avaliação das políticas públicas, desde que o sistema universitário e os incentivos à investigação passassem a contemplar esta componente, em vez da produção de "papers" cinzentos, de utilidade duvidosa.

A figura do ano: O urso polar

 

Duas figuras mereceriam o título, por razões diametralmente opostas – o urso polar ou Donald Trump. O presidente americano pela trágica singularidade da sua postura narcisística, ignorante e errática. Mas o urso branco, aquele desgraçado bicho morrendo à fome nos rarefeitos bancos de gelo das ilhas Baffin, no Canadá, não pode deixar de pesar na nossa consciência colectiva. E, se a tivesse, na de Trump, o negacionista, o anti-ambientalista primário que a História se encarregará de tratar como merece.

 

Na descrição do vídeo que correu mundo, o biólogo Paul Nicklen afirma: "Toda a minha equipa do Sea Legacy estava a conter as lágrimas e as emoções enquanto filmávamos este urso polar moribundo. É uma cena que ainda me atormenta, mas sei que precisamos de partilhar tanto o belo como o doloroso se queremos quebrar as barreiras da apatia. (…) A simples verdade é esta – se a Terra continuar a aquecer, vamos perder os ursos e todo o ecossistema polar. Este urso não era velho e certamente morreu pouco depois deste momento".

 

O número do ano: 1800%

Foi quanto valorizou a "bitcoin" desde o início do ano até meados de Dezembro, quando roçou os 20 mil dólares. Nos últimos dias, com o anúncio da abertura do mercado de futuros, "registou-se uma correcção" (na linguagem cifrada dos agentes) de cerca de 40%, para os 12 mil dólares. Nada que retenha, naturalmente, os investidores "institucionais" de continuarem a apostar na moeda virtual. Com a Goldman Sachs, como sempre, na vanguarda do movimento.

 

São já perto de dez as cripto-moedas surgidas desde o lançamento da "bitcoin", cujo sucesso se deve a uma funcionalidade tecnológica designada por "blockchain", cujos méritos e segurança fiduciária só estão ao alcance de iluminados.

 

Decididamente, não aprendemos nada com o passado. No século XVIII, a Companhia dos Mares do Sul, em Inglaterra, terá sido a precursora dos movimentos bolsistas especulativos. Na euforia, logo se lhe seguiram empresas de comercialização de cabelo humano, de seguros para cavalos ou de transformação do mercúrio em ouro. Os fundadores ficaram ricos.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa

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