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Olha o Beethoven!

Conta-se que Beethoven era um homem de péssimo feitio, especialmente nos seus últimos anos de vida e de surdez, de tal forma que as mães vienenses, sempre que queriam impedir as crianças de fazer travessuras ameaçavam: "Olha que eu chamo o Beethoven!" A simples menção do seu nome era paralisante.

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Nos últimos anos, passámos a ouvir amiúde uma frase equivalente no mundo da Administração Pública, central e autárquica, de efeitos igualmente bloqueadores: "Olha o Tribunal de Contas!" É remédio santo para quem tenha o atrevimento de pensar que se podem levar por diante iniciativas com expressão financeira de modo simples, lesto e sério.

 

A reputação terrífica do Tribunal de Contas (TC) será certamente exagerada. Afinal, que culpa tem o TC de ser obrigado a fazer cumprir um Código dos Contratos Públicos (CCP) com 483 artigos, produzido por uma legião de honoráveis especialistas e seguidores irrepreensíveis das normas comunitárias? É a ferocidade de Beethoven que está em causa ou a indesculpável ignorância jurídica de decisores públicos traquinas? Aos que argumentam que em nenhum outro país comunitário existe um quadro legal tão intrincado, burocrático e asfixiante, a corporação de inspectores responde que, pelo contrário, são os nossos colegas europeus que se encontram em défice legislativo. E se dúvidas os serviços públicos tiverem acerca da letra da lei, têm sempre a possibilidade de recorrer (seguindo as normas impostas pelo CCP, claro) a um dos muitos escritórios de advogados especializados em direito administrativo para serem devidamente esclarecidos, algo que os potenciais fornecedores ou parceiros privados do Estado começaram já a fazer, não vá o diabo tecê-las. Não se vê, pois, qualquer necessidade de o TC assumir um papel pedagógico, ex ante, nem de flexibilizar os seus rigorosos procedimentos inspectivos.

 

Assim, todos os cuidados são poucos na anunciada intenção de simplificar o CCP. Arriscamo-nos a enfileirar com os nossos colegas europeus incumpridores, a facilitar o caminho aos decisores públicos impacientes (já que os patifes encontram sempre formas de agir) e a desmoralizar os diligentes quadros do TC e das Inspecções-gerais. Se possível, travões às quatro rodas no processo!

 

Idênticas cautelas deverão ser seguidas no prosseguimento do Simplex, sabiamente congelado nos últimos quatro anos e meio, para que a indispensável burocracia se possa dar ao respeito, num país onde todos pensam que recorrer a um serviço público deveria ser tão simples como uma ida a um supermercado. Igual prudência se recomenda na gestão do programa 2020, onde não se justifica qualquer nervosismo por parte das empresas que se candidataram, ou tencionam candidatar-se, aos fundos comunitários. O trabalho publicado no Negócios, na passada segunda-feira, sobre as demoras na abertura das calls, na avaliação das candidaturas e nos pagamentos aos projectos aprovados, deverá servir somente como chamada de atenção para as normais dificuldades da vida e as virtudes da paciência.

 

Figura do mês: Raúl Castro

 

Normal seria destacar a figura de Barack Obama face à excelência da sua política internacional, a um tempo enérgica, lúcida e pacificadora. O actual desanuviamento com o regime de Havana é um marco importante para a região e para o mundo.

 

Cuba tem uma história passional mal resolvida com os Estados Unidos, pelo menos desde os tempos infaustos do ditador Fulgencio Batista, varrido pela revolução conduzida por Fidel Castro. Desde então, esses 140 km que separam a pérola das Caraíbas de Key West foram palco de dramas intensos que a Guerra Fria, os refugiados cubanos na Florida e as clivagens ideológicas cavaram. Era tempo de um Presidente democrata mudar o rumo deste guião inconsequente e para isso eram precisos dois, como no bolero. Do outro lado do canal, Raúl Castro, o discreto irmão do Comandante, soube ir ao encontro da História.

 

Estabelecida a ponte, resta o maior desafio - manter a identidade cultural e os progressos sociais obtidos, abrindo Cuba ao que de melhor o mundo lhe poderá proporcionar.

 

Número do mês: 3865

 

É o número de banqueiros com uma remuneração anual superior a um milhão de euros na UE, segundo os dados da Autoridade Bancária Europeia (EBA, na designação inglesa) relativos a 2014, o que representa um aumento de 22% relativamente ao ano anterior.

 

Sem surpresa, o aumento do número de milionários provém da City, que registou um incremento superior a 40%, em parte devido às alterações de paridade entre o euro e a libra esterlina. Ao invés, as restantes praças financeiras de nomeada regrediram (principalmente as alemãs) ou estagnaram.

 

O fenómeno mais curioso a registar, para lá do progressivo peso na acumulação de riqueza do sector financeiro, a que há pelo menos duas décadas nos habituámos, é a alteração do ratio remuneração fixa versus variável. A introdução de tectos sobre os bónus salariais (recomendada pela UE e pela EBA) produziu, pelo menos, efeitos visíveis no tocante à transparência - as partes variáveis, geralmente voláteis e opacas, foram substituídas por componentes fixas, equiparando-as em peso relativo.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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