Opinião
O samba dos infelizes
Não há semana sem diatribes com Angola. É o Luaty e a cleptocracia, é o (neo)colonialismo e a ingratidão económica, é afinal a dança dos que, como confessam alguns editoriais não assinados do Jornal de Angola, fingem que não se suportam mas só têm a ganhar se souberem superar complexos.
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A democracia parlamentar é exportável? É legítimo pretender-se impor um modelo político padronizado a regiões onde as condicionantes culturais, religiosas, sociais e económicas são estruturalmente diversas das do ocidente? Há normas éticas, valores supremos, absolutamente incontestáveis? Se nem em casa nos entendemos, como apregoar a superioridade das nossas instituições?
2.
As Primaveras Árabes, como se previa, deram no que se vê. Um Egipto sem rumo, uma Líbia em cacos, uma Síria desfeita. A intervenção militar no Iraque produziu os resultados que sabemos – caos, insegurança e deterioração das condições de vida. Tudo em nome dos valores ocidentais e, inconfessadamente, de interesses geoestratégicos e económicos.
Bem pode o ocidente bradar contra a Rússia, o tirano Assad e os seus aliados xiitas. Bem podem as mentes ingénuas brandir as bandeiras da liberdade e da rebeldia virtuosa, tão duvidosas quanto os seus protagonistas locais. De um país governado com mãos de ferro pelo clã alauita passou-se para o inferno. Onde havia ordem, duramente imposta, liberdade religiosa e um certo bem-estar para os padrões regionais, hoje há o nada. Imagine-se no que estaria o Irão se a sanha intervencionista tivesse lá chegado. Relativismo ideológico? Ausência de referências absolutas? Talvez, mas o melhor é perguntar aos povos martirizados da Síria e da Líbia.
3.
Não há semana sem diatribes com Angola. É o Luaty e a cleptocracia, é o (neo)colonialismo e a ingratidão económica, é afinal a dança dos que, como confessam alguns editoriais não assinados do Jornal de Angola, fingem que não se suportam mas só têm a ganhar se souberem superar complexos. Ou, como diz Joe Jackson, We can´t live together, but we can´t stay apart.
Sejamos honestos – Angola não é uma democracia parlamentar à europeia e provavelmente nunca o será. Mas é certamente melhor e mais independente do que a grande maioria dos países petro-dependentes, quer da África subsariana quer do Próximo Oriente, inclusive no domínio dos direitos humanos. Para quem atravessou uma guerra civil prolongada e foi palco dos choques agudos da guerra fria, o desempenho não é nada mau.
4.
No Brasil nasceu um movimento multi-separatista que promete dar que falar. Os estados do Sul querem ser independentes porque acham que pagam demais a Brasília e recebem de menos. Os do Norte porque lhes impedem o crescimento. O de Roraima porque não quer pagar a factura ambiental do planeta. E o Rio porque é o Rio. E se fossem todos sambar, meus irmãos?
Figura do ano: Ederzito
Sim, o treinador Santos comandou, o capitão Ronaldo galvanizou, o dirigente Gomes coordenou, o presidente Marcelo estimulou, a malta puxou, mas quem meteu a bola lá dentro no momento certo foi ele. Esse mesmo, o do diminutivo bracarense, o desengonçado, o falhão, o simpático Ederzito.
Mais do que um golpe profundo na confiança gaulesa e nas bolsas de apostas, aquele momento mágico aos 109 minutos, aqueles quatro passitos meio trôpegos que antecederam o remate letal, rasteiro e cruzado, com que demos cabo do anunciado fogo-de-artifício tricolor valem seguramente duas mãos cheias de pontos no PIB do nosso orgulho, habituados que estávamos a morrer na praia, como no Euro 2004. Ederzito sabe bem da alegria que nos proporcionou, aos de cá e aos emigrantes, mas talvez não tenha a noção do que contribuiu para os índices de confiança e auto-estima dos portugueses. É que, a partir de agora, sabemos que somos capazes de vencer.
Número do ano: 3 milhões
É o número aproximado de votos expressos que ficou a separar Hillary Clinton, a candidata preferida dos eleitores estado-unidenses, de Donald Trump, o menos votado e eleito presidente.
Há coisas espantosas no processo eleitoral USA - a primeira é que seja preciso esperar longas semanas para a contagem ficar fechada, algo que só acontece nas chamadas repúblicas das bananas (como, maliciosamente, os brasileiros trataram de assinalar); a segunda é o facto de, mesmo aceitando-se o princípio de os estados terem representações proporcionais imperfeitas no colégio dos Grandes Eleitores, a eleição dos delegados obedecer à regra the winner takes it all, anacrónica e estapafúrdia.
O resultado é uma tremenda incógnita para o mundo. O que esperar de um personagem que desconhece por completo a geografia mundial (tal como Bush II), aceita o criacionismo, refuta os efeitos do aquecimento global e provavelmente só leu livros de auto-motivação? Não era decerto com isto que António Guterres contava.