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O samba dos infelizes

Não há semana sem diatribes com Angola. É o Luaty e a cleptocracia, é o (neo)colonialismo e a ingratidão económica, é afinal a dança dos que, como confessam alguns editoriais não assinados do Jornal de Angola, fingem que não se suportam mas só têm a ganhar se souberem superar complexos.

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1.

A democracia parlamentar é exportável? É legítimo pretender-se impor um modelo político padronizado a regiões onde as condicionantes culturais, religiosas, sociais e económicas são estruturalmente diversas das do ocidente? Há normas éticas, valores supremos, absolutamente incontestáveis? Se nem em casa nos entendemos, como apregoar a superioridade das nossas instituições?

Há uns anos, conversava com um académico oriundo de um país da África equatorial que estava a atravessar um período de "normalização democrática", preparando-se para eleições presidenciais "livres". Felicitei-o, desejando que o processo decorresse de forma tranquila e que o seu povo pudesse, enfim, libertar-se de tiranos. Sorriu e disse-me: "Sabe o que é um homem livre no meu país? É um homem em paz". "E a liberdade onde fica?", perguntei. "A liberdade é podermos viver sem gangues, termos meios de subsistência, vivermos em harmonia com o que nos rodeia". Mia Couto não descreveria melhor o que vai na alma de um africano livre.

2.

As Primaveras Árabes, como se previa, deram no que se vê. Um Egipto sem rumo, uma Líbia em cacos, uma Síria desfeita. A intervenção militar no Iraque produziu os resultados que sabemos – caos, insegurança e deterioração das condições de vida. Tudo em nome dos valores ocidentais e, inconfessadamente, de interesses geoestratégicos e económicos.

Bem pode o ocidente bradar contra a Rússia, o tirano Assad e os seus aliados xiitas. Bem podem as mentes ingénuas brandir as bandeiras da liberdade e da rebeldia virtuosa, tão duvidosas quanto os seus protagonistas locais. De um país governado com mãos de ferro pelo clã alauita passou-se para o inferno. Onde havia ordem, duramente imposta, liberdade religiosa e um certo bem-estar para os padrões regionais, hoje há o nada. Imagine-se no que estaria o Irão se a sanha intervencionista tivesse lá chegado. Relativismo ideológico? Ausência de referências absolutas? Talvez, mas o melhor é perguntar aos povos martirizados da Síria e da Líbia.

3.

Não há semana sem diatribes com Angola. É o Luaty e a cleptocracia, é o (neo)colonialismo e a ingratidão económica, é afinal a dança dos que, como confessam alguns editoriais não assinados do Jornal de Angola, fingem que não se suportam mas só têm a ganhar se souberem superar complexos. Ou, como diz Joe Jackson, We can´t live together, but we can´t stay apart.

Sejamos honestos – Angola não é uma democracia parlamentar à europeia e provavelmente nunca o será. Mas é certamente melhor e mais independente do que a grande maioria dos países petro-dependentes, quer da África subsariana quer do Próximo Oriente, inclusive no domínio dos direitos humanos. Para quem atravessou uma guerra civil prolongada e foi palco dos choques agudos da guerra fria, o desempenho não é nada mau.

4.

No Brasil nasceu um movimento multi-separatista que promete dar que falar. Os estados do Sul querem ser independentes porque acham que pagam demais a Brasília e recebem de menos. Os do Norte porque lhes impedem o crescimento. O de Roraima porque não quer pagar a factura ambiental do planeta. E o Rio porque é o Rio. E se fossem todos sambar, meus irmãos? 

Figura do ano: Ederzito

 

Sim, o treinador Santos comandou, o capitão Ronaldo galvanizou, o dirigente Gomes coordenou, o presidente Marcelo estimulou, a malta puxou, mas quem meteu a bola lá dentro no momento certo foi ele. Esse mesmo, o do diminutivo bracarense, o desengonçado, o falhão, o simpático Ederzito.

 

Mais do que um golpe profundo na confiança gaulesa e nas bolsas de apostas, aquele momento mágico aos 109 minutos, aqueles quatro passitos meio trôpegos que antecederam o remate letal, rasteiro e cruzado, com que demos cabo do anunciado fogo-de-artifício tricolor valem seguramente duas mãos cheias de pontos no PIB do nosso orgulho, habituados que estávamos a morrer na praia, como no Euro 2004. Ederzito sabe bem da alegria que nos proporcionou, aos de cá e aos emigrantes, mas talvez não tenha a noção do que contribuiu para os índices de confiança e auto-estima dos portugueses. É que, a partir de agora, sabemos que somos capazes de vencer.

 

Número do ano: 3 milhões

É o número aproximado de votos expressos que ficou a separar Hillary Clinton, a candidata preferida dos eleitores estado-unidenses, de Donald Trump, o menos votado e eleito presidente.

 

Há coisas espantosas no processo eleitoral USA - a primeira é que seja preciso esperar longas semanas para a contagem ficar fechada, algo que só acontece nas chamadas repúblicas das bananas (como, maliciosamente, os brasileiros trataram de assinalar); a segunda é o facto de, mesmo aceitando-se o princípio de os estados terem representações proporcionais imperfeitas no colégio dos Grandes Eleitores, a eleição dos delegados obedecer à regra the winner takes it all, anacrónica e estapafúrdia.

 

O resultado é uma tremenda incógnita para o mundo. O que esperar de um personagem que desconhece por completo a geografia mundial (tal como Bush II), aceita o criacionismo, refuta os efeitos do aquecimento global e provavelmente só leu livros de auto-motivação? Não era decerto com isto que António Guterres contava. 



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