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Certezas e incertezas

A actual maioria prometera-nos vigorosamente uma intervenção estruturada, racional e eficiente na máquina pública, garantira-nos saber tudo o que importava fazer e que a sua extraordinária equipa económica estava preparadíssima para essa missão patriótica.

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1. Na História da Europa, a Alemanha só mudou de atitude quando a tal foi forçada pelas armas. No presente e no futuro, só alterará a sua atitude se for politicamente encostada às cordas. A janela de participação empenhada no processo de construção europeia, entre o fim da II Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim, não se deveu somente à envergadura política e à visão solidária de Adenauer, Brandt, Kohl e Schmidt – foi, em larga medida, uma imposição dos vencedores àqueles que tinham provocado a guerra e se viam agora sujeitos a um programa de auxílio para a sua própria reconstrução.

Integrada a RDA, expiados os pecados do III Reich, restabelecido o poderio económico perante uma Europa frouxa e envelhecida, os alemães sentiram que era chegado o momento de realizar a sua velha ambição – comandar as instituições europeias, ditar as regras do jogo, exprimir sem rebuço o seu histórico individualismo. Daqui não sairemos sem mudanças radicais. Desenganem-se os que pensam que após as eleições alemãs de Setembro, qualquer que seja o seu desfecho, a resolução da crise europeia ficará mais fácil. A menos que ela própria comece a sentir os efeitos das políticas recessivas que selectivamente impõe, ou que se veja cercada, será a mesma Alemanha de Schäuble.

2. Alguns analistas têm vindo a defender que o último pacote de medidas de "reforma do Estado" deveria ter sido lançado logo no início do mandato do actual Governo, sustentando que então elas teriam sido mais facilmente digeríveis pelos portugueses. Esta velha lógica maquiavélica – o mal faz-se depressa e de uma vez só – tem alguma razão de ser no que toca à equiparação das condições de trabalho e de aposentação entre o público e o privado. Mais do que uma interminável sucessão de medidas avulsas e descosidas, quando não erradas, minando, dia após dia, o rendimento das famílias e a confiança dos agentes económicos, melhor fora que o Governo tivesse logo avançado, com a desejável participação crítica do PS, com uma moldura completa de efectiva reforma do Estado. Não seria pedir demais. Afinal, a actual maioria prometera-nos vigorosamente uma intervenção estruturada, racional e eficiente na máquina pública, garantira-nos saber tudo o que importava fazer e que a sua extraordinária equipa económica estava preparadíssima para essa missão patriótica.

Ora, nada disso aconteceu. Pior, não se vislumbra no aparelho governativo a mínima capacidade de gestão nem o naipe de competências necessário para levar a cabo a desejada reestruturação dos serviços públicos. Dá trabalho, bem sei. Hélas, as folhas de cálculo, cujo manuseio é inquestionavelmente uma das raras competências distintivas do Executivo, têm aí uma utilidade reduzida.

3. A recuperação económica em 2014 é uma miragem. O consumo interno quebrará de novo, o investimento estagnará ou retrocederá, o PIB permanecerá quieto e a confiança dos portugueses nos níveis pungentes de hoje. Talvez as exportações possam dar um sinal positivo, mas também aqui importa serenar. Não nos esqueçamos de que a melhoria das contas externas se tem ficado a dever à contracção do consumo interno e a um progresso algo atípico na exportação de certas categorias de bens – produtos refinados, ouro e artigos farmacêuticos –, mais do que à diversificação dos mercados. A sustentabilidade do crescimento registado, para mais em ambiente recessivo na generalidade dos países europeus, é duvidosa.

Perante este quadro, é pouco crível que as empresas portuguesas retomem o investimento. Na sua larga maioria, dispõem de capacidade produtiva excedentária e baixas expectativas. Investir em melhorias tecnológicas, de retorno incerto? Recorrer ao QREN, com os seus exaustivos procedimentos burocráticos e à sua desesperante lentidão? Aguardar por esse elefante branco chamado Banco de Fomento?

4. No dia 25 de Maio, o nosso ministro das Finanças marcará certamente presença em Wembley para assistir à final da Liga dos Campeões entre o Bayern de Munique e o Borussia de Dortmund. Vítor Gaspar não perderá o magnífico ensejo de se sentar entre alemães de gema e exultar com os cânticos e golos germânicos.

Economista; Professor do ISEG
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