Opinião
Ao serviço de Sua Majestade
Putin e Trump, duas faces de uma mesma moeda, não pouparão meios nem esforços para controlarem os destinos do planeta ao seu próprio jeito. Só que agora as coisas não são como nos primeiros tempos de James Bond - não sabemos onde estão os bons da fita.
1. Nos bons velhos tempos, as histórias de espiões não vinham à tona. Conhecíamo-las dos livros e dos filmes, a maioria inventadas, porque os que podiam contar as verdadeiras eram postos a recato. Imaginávamos, via 007, que o mundo real estava cheio de agentes especiais, que se matavam uns aos outros impunemente, certos como estavam de que os seus movimentos estavam protegidos por um pacto de silêncio entre todos os players. Tínhamos o nosso código de valores bem formatado - os bons, a quem tudo se permitia, eram os ingleses e os americanos, enquanto os vilões, a quem nada se tolerava, eram os soviéticos e seus aliados (mais tarde, também os árabes e certo tipo de terroristas). E vivíamos felizes.
A queda do muro de Berlim e as novas tecnologias baralharam-nos as referências. A velha contradição entre os blocos comunista e capitalista desaparecia, o mundo ficava mais aberto e exposto, o escrutínio público, mais intenso. Provavelmente, o turnaround na mediatização em larga escala de incidentes de espionagem ocorre em 1985 com o escândalo do Rainbow Warrior (do movimento Greenpeace), afundado à bomba pelos serviços secretos franceses, em Auckland, na Nova Zelândia. Os velhos pactos de silêncio mantinham-se, mas agora o controlo da informação revelava-se muito mais complexo, as fugas de informação mais frequentes, a amplificação dos factos inevitável.
É neste estado das artes de intelligence, informação e contra-informação, que as grandes potências mundiais desenvolvem os seus jogos de guerra e de geopolítica. Tudo leva a crer que as actividades de espionagem tenham recrudescido, face aos múltiplos conflitos e contradições com que o mundo se debate. Putin e Trump, duas faces de uma mesma moeda, não pouparão meios nem esforços para controlarem os destinos do planeta ao seu próprio jeito. Só que agora as coisas não são como nos primeiros tempos de James Bond - não sabemos onde estão os bons da fita.
2. Os russos poderão (ou não) ter sido os autores do atentado a Sergei Skripal e filha, mas convenhamos que a história não faz qualquer sentido. Recapitule-se: na década passada, Skripal era agente dos serviços secretos de Moscovo, mas passava informações ao MI5 britânico; é descoberto e preso pelos russos; em 2010, numa troca negociada de espiões, vai viver para Inglaterra; em 2018, a meses de eleições presidenciais e do campeonato do mundo de futebol na Rússia, é vítima de um ataque químico em solo britânico. Para lá de não se vislumbrar o ganho que os russos poderiam obter na operação, nem a lógica do seu timing, é razoável supor-se que, como judiciosamente destacou o chefe da diplomacia russa, "se o seu país tivesse sido responsável, tê-lo-ia feito com um ataque sofisticado, causando morte imediata à vítima". Ora aí está um argumento digno de espiões à séria, tal como nós os imaginamos.
Tudo o resto - os processos de intenções, as acusações, a expulsão de diplomatas - poderá não passar de folclore para inglês ver. E para irritar Putin, o pragmático.
A figura do mês: Donald Trump
Não há memória de alguma vez um Presidente de um país normal ter exibido, em conferência de imprensa, os números detalhados de um negócio de venda de armas a um país onde se encontra em visita.
Com a ajuda de dois cartazes onde constavam as 12 categorias de armamento contempladas no acordo, Trump desfilou os valores contratuais pela venda de fragatas, aviões, tanques, mísseis, peças de artilharia, sistemas antimíssil e outras rubricas pesadas. Rodeado de sauditas que se riam das suas graçolas ("This is peanuts for you", soltou Trump, entre os números das granadas e dos rockets), o Presidente norte-americano exibiu o que de melhor dele se conhece - pesporrência e insensatez.
Mas não se pense que os sauditas são idiotas. Além de terem reclamado um desconto de 3,5 mil milhões de dólares sobre o último contrato - que foi concedido, à custa dos contribuintes americanos e de muitos protestos -, vão igualmente equipar-se com o S400, o sistema russo antimíssil, que coexistirá com o norte-americano Thaad.
O número do mês: 1500 milhões de euros
Depois de a China, em finais de 2017, ter anunciado um programa de desenvolvimento das indústrias ligadas à inteligência artificial (IA) no valor de 150 mil milhões de dólares, até 2030, é agora a vez de França se lançar igualmente na corrida ao Eldorado da IA. O governo francês vai afectar 1500 milhões de euros de fundos públicos ao desenvolvimento da IA até 2022.
"A IA é uma revolução não só tecnológica, mas também económica, social e ética. Não se produzirá em cinco ou em 50 anos. Está a chegar.", afirmou Emmanuel Macron no Collège de France, onde deu a conhecer as linhas directrizes do programa, fortemente assente no tecido empresarial.
O plano francês contém verbas para a investigação aplicada, para o empreendedorismo em IA e para o desenvolvimento industrial, em áreas-chave como a defesa, os transportes, o ambiente e a saúde. Se é certo que ninguém consegue antecipar ao que a IA nos conduzirá, parece igualmente seguro que todos quererão estar no pelotão dianteiro, seja lá o que isso for.
Economista; Professor do ISEG/ULisboa