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Os nossos Trumps

Quem conhece a América sabe que tem o melhor e o pior. Está cheia de gente civilizada, culta, criativa, empreendedora, dos melhores cientistas, dos maiores artistas. Mas tem igualmente o que há de mais atrasado, a ignorância profunda, o fanatismo religioso e racista.

Depois do melhor, com Bill Clinton e Obama, a América escolheu agora o pior. Vai sofrer com isso. Fechar-se, retroceder. Mas o resto do mundo também não ficará melhor.

 

Infelizmente, os Trumps abundam no planeta. Mais ditadores ou mais democratas estão em maioria. São muito poucos os países governados por gente civilizada.

 

Temos a sorte de viver num. Mas não faltam por cá os nossos Trumps. O atual PSD está cheio deles. No Governo alimentaram a ideia de que era preciso empobrecer o país para o tornar mais competitivo. Apesar do fracasso, e da evidência de que outra política é possível com melhores resultados, continuam a pensar o mesmo. Veja-se o caso da TSU. Passos Coelho não é contra a medida que beneficia os empresários, mas contra o aumento "excessivo" do salário mínimo. Excessivo? Aqui ao lado em Espanha são mais 200 euros, para já não falar da Alemanha, exemplo para tanta gente, onde o salário mínimo é de quase 1.500 euros. É claro que na Bulgária são 184 euros. Com os búlgaros sim, não somos nada competitivos. Mas quem o quer ser?

 

Por acaso até há. Recentemente tornou-se viral uma entrevista a um dos donos da Padaria Portuguesa. O homem disse que a questão do salário mínimo era pouco relevante. Aliás, a sua "organização" "só" pagava o "regime de transição", vulgo salário mínimo, a 25% dos seus "colaboradores". Se é este jargão que se ensina no ISEG, onde ele tirou um curso de Gestão, vou ali e já venho. Mas o pior foi o que se seguiu. O homem quer políticas de futuro, ou seja, poder despedir sem restrições, prolongar o horário de trabalho além das 40 horas e pagar o que lhe apetece. É, sem sombra de dúvidas, o nosso Trump da semana.

 

Não está só. A maioria dos empresários portugueses só consegue montar negócios com base nos baixíssimos salários. Argumentam que se deve à fraca produtividade. Esquecem contudo que a produtividade é precisamente a parte que lhes compete. A baixa produtividade do nosso tecido empresarial é da responsabilidade exclusiva dos patrões. Ponto.

 

Tenho assistido a uma obra de recuperação de um prédio nas traseiras do meu. A desorganização é chocante. O estaleiro é uma lixeira, já fizeram e desfizeram várias coisas, não terminaram o exterior, mas já estão a pintar as paredes interiores. Os trabalhadores são quase todos africanos, os capatazes, portugueses. Imagino que os africanos recebam o salário mínimo, em nome da baixa produtividade causada por uma obra mal concebida e pior executada pelas ordens aleatórias dos responsáveis. Já agora uma observação da minha janela indiscreta. Os africanos lavam-se e arranjam-se antes de ir para casa. Os portugueses não. Outro pormenor. Ninguém anda de capacete.

 

Agora que temos um Governo de esquerda, apoiado por toda a esquerda, seria a altura ideal para se discutir seriamente porque é que as empresas portuguesas só conseguem ser competitivas com salários baixos. Mais. Porque é que são tão mal geridas e como é que se pode superar essa evidente deficiência. Existem casos que demonstram que não é uma fatalidade. Nos têxteis, calçado, alimentação, TIC. É aprender. Ninguém é contra o sucesso das empresas. Mas não se pode aceitar que ele seja feito à custa dos que nelas e para elas trabalham.

 

Artista Plástico

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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