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Ler e escrever ou ver e falar?

O analfabetismo, tal como definido hoje, perderá a sua relevância sendo substituído por um novo tipo de disfuncionalidade relacionada com a incapacidade de operação e compreensão das tecnologias e meios digitais.

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O conhecimento é a grande matéria-prima do nosso tempo. Um conhecimento que está, pela primeira vez na história, ao alcance da maioria e se expande, a cada minuto que passa, à margem das instituições académicas. O autodidata, termo depreciativo para alguns, tornou-se num importante agente do saber e da inovação. E é mesmo, hoje, uma condição geral, seja-se ou não diplomado. Quem não continue a aprender, todos os dias e pelos seus próprios meios, depressa fica fora de jogo.

 

Daí a multiplicação dos novos espaços de aprendizagem, criatividade e produção. São as pequenas empresas de desenvolvimento de ideias, aplicações e software; os locais de experimentação e partilha, como é o caso dos Fablabs; as comunidades de utilizadores; os hackers que têm um papel fundamental na evolução, muito similar à evolução biológica, do sistema; as redes sociais, abertas ou especializadas. Tudo junto gera um intrincado sistema de diversidade e inovação que excede em muito o limitado e bastante fechado espaço da academia.

 

Efeito amplificado pela massificação do open-source e da distribuição de conhecimentos online. Nos últimos anos foram emergindo os vídeos online que vão desde ensinar a dar um nó de gravata (um dos meus filhos disse-me que foi assim que aprendeu) até aos cursos mais avançados de física ou biologia. O sucesso da Academia Khan, que ensina matemática, é um bom exemplo. Depois da Internet, a grande enciclopédia, nasceu agora a grande escola. Livre, acessível a toda a hora e em qualquer lugar, em constante renovação e extremamente diversa.

 

Esta nova realidade exerce uma enorme pressão sobre o ensino convencional. A dificuldade do sistema em acompanhar a velocidade do novo conhecimento, associado ao conservadorismo endémico das velhas instituições, não para de aprofundar a crise da educação. E, tal como infelizmente sucede hoje no nosso país, há sempre quem pense que o retrocesso é a melhor solução. Nunca é. Até porque as consequências da nova dinâmica são mais profundas do que à primeira vista podem parecer. Não se trata de uns quantos gadgets ou do facilitismo de perguntar ao senhor Google em vez de o fazer ao professor. As mudanças são radicais. Afetam os fundamentos daquilo que sempre imaginámos estar na base da nossa cultura. O ler e escrever, por exemplo.

 

Na verdade estamos a passar de uma cultura assente na palavra escrita para uma cultura essencialmente visual e sonora. Não é de agora, pense-se no impacto civilizacional da invenção da rádio, da fotografia, do cinema ou da televisão. Mas agora é mais profundo. O conhecimento que até aqui era transmitido sobretudo através de textos escritos, encontra-se hoje no Youtube e noutras plataformas similares, nas interfaces dos computadores e telemóveis e em breve em múltiplos outros suportes. É certo que muitos comandos continuam a ser feitos por meio da escrita. Por exemplo, uma busca no Google ou marcar um número no telemóvel. Mas, tendo em conta a acelerada inovação neste domínio, depressa usaremos sobretudo a voz ou o gesto. Nalguns casos isso já é mesmo possível.

 

A minimização da escrita e da leitura, que muitos consideram um drama, representa uma evolução natural do nosso relacionamento com os outros e com o mundo. Afinal grande parte da nossa comunicação é feita com a voz e a vista.

 

Ler e escrever deixarão de estar na base do ensino e do acesso ao conhecimento. O analfabetismo, tal como definido hoje, perderá a sua relevância sendo substituído por um novo tipo de disfuncionalidade relacionada com a incapacidade de operação e compreensão das tecnologias e meios digitais.

 

Também, a imagem, fixa ou animada, deixará de estar reduzida a uns quantos suportes e passará a estar em toda a parte. Sobretudo através das novas versões tridimensionais, de que os hologramas e os ambientes imersivos são pioneiros. Em breve falaremos com uma espécie de holograma dos nossos amigos e não já só através do som da sua voz.

 

Tal como disse anteriormente, há sempre quem pense que pode parar a dinâmica das coisas. Não pode. Nem interessa perder tempo com esse tipo de resistências. O passado está feito. O futuro é o que faremos dele.

 

Artista Plástico

 

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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