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José Cutileiro - Embaixador 28 de Agosto de 2013 às 00:01

Sem rei nem roque?

Washington, protegendo os Irmãos, seus inimigos declarados, ao ponto de condenar os militares seus amigos (que, para salvarem o Egipto, tentam meter os Irmãos na ordem), deixa a sua reputação de Big Brother protector pelas ruas da amargura.

"Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos" escreveu o poeta Octávio Paz, ganhando talvez com isso mais fama do que a que o Prémio Nobel da Literatura lhe deu. A mim, ajudou-me a entender melhor o mundo quando vivia em Maputo, entre 1980 e 1983. "Pobre Moçambique", comparei. "Tão longe de Deus e tão longe dos Estados Unidos". 


Foi chão que deu uvas. A administração Obama está a tornar claro que, embora os Estados Unidos sejam a potência mais forte e mais rica do mundo não continuarão a desempenhar o papel de chefe do "mundo livre", como se dizia no tempo da Guerra Fria. Em parte porque o mal e o bem estão hoje muito mais misturados do que estavam antes do cowboy californiano e do papa polaco darem golpe de misericórdia aos últimos paladinos da fé de Marx, Lenine e Estaline, e isso não se deve aos Estados Unidos. Mas em parte também porque há quase três lustres os políticos americanos que querem refazer o resto do mundo à imagem e semelhança da América, tentando impor democracia e exigir defesa dos direitos do homem por toda a parte, levam a melhor sobre os seus confrades mais sensatos. De George W. Bush a Barack Obama, primeiro neo-conservadores e agora esquerdistas liberais, igualmente prosélitos e intolerantes, dominam a iniciativa em política externa. O instinto de Obama parece bom – meter-se pouco ao barulho e defender o interesse dos Estados Unidos –, mas o entusiasmo missionário da sua corte puxa em sentido diferente – ir a todas para triunfo universal do Bem – e a mistura levanta expectativas que não podem ser satisfeitas, minguando a pouco e pouco a estatura dos Estados Unidos. Rússia, Israel/Palestina, Líbia, Síria e agora, imediatamente grave, Egipto, alinham diante dos nossos olhos sinais da incoerência incompetente de Washington.

Já não há papão soviético; à China falta envergadura para o voo requerido; entre outros BRIC & Cia. nenhum dá para conversa sobre superpotências, quanto mais sobre hiperpotência (como Hubert Védrine crismou os Estados Unidos). Mas, caso a caso, poderes novos ganham partes de mercado. No Egipto, a maioria das monarquias do Golfo Pérsico (o Qatar é a excepção) está a ajudar em força os militares, porque os Irmãos Muçulmanos são o seu principal inimigo, tornando ainda mais pueril a ilusão americana de que ameaça de corte de alguns milhões de dólares iria vergar aquela nação grande e antiga. Washington, protegendo os Irmãos, seus inimigos declarados, ao ponto de condenar os militares seus amigos (que, para salvarem o Egipto, tentam meter os Irmãos na ordem), deixa a sua reputação de Big Brother protector pelas ruas da amargura.

Ou Obama emenda a mão a tempo ou o mundo ficará mais inseguro, com grave custo para os europeus. A OTAN só tem dado para as encomendas por o seu chefe informal incontestado serem os Estados Unidos. Se Washington não quisesse desempenhar mais nela o seu papel de "primus inter pares" a defesa da Europa ficaria sem rei nem roque.

* Embaixador

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