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José Maria Brandão de Brito - Economista 17 de Março de 2015 às 21:00

O sistema bancário na encruzilhada

As coisas estão a acontecer sem que tenham ocorrido sobressaltos de maior. Os portugueses têm mantido a calma perante as notícias que nos últimos meses podiam ter abalado a sua confiança no sistema financeiro em geral e, em particular, no sector da banca.

 

Em boa verdade já nenhum dos "nossos" bancos é português. E não é difícil prever que estamos a assistir ao início de uma reorganização do capital estrangeiro, angolano, espanhol, chinês, prosseguindo estratégias que em muitos casos nos são estranhas, ancorados provisoriamente nas formas actuais, procuram aproveitar a oportunidade que lhes surgiu com a queda do GES/BES.

 

O primeiro problema a assinalar é o da quebra do volume de negócios: o crédito, matéria-prima dos bancos comerciais e que caiu cerca de 20%, é, a seguir às imparidades, um dos responsáveis pelos enormes prejuízos registados durante 2014. As perspectivas de retoma são pouco optimistas. Os sectores mais alavancados: empresas da órbita do Estado, as da construção e obras públicas e algumas independentes estão também em crise e as restrições orçamentais, que se podem prolongar por muitos anos, não ajudam a melhorar as perspectivas de recuperação.

 

O segundo problema é a rentabilidade por unidade de negócio: cada operação gera menos resultados, as margens são esmagadas e, depois da crise, ocorreu um enorme aumento da regulação tornando as operações mais caras de que resultou um generalizado aumento de custos.

 

Um terceiro problema, sinal dos tempos, é consequência do alargamento do sector financeiro a novas instituições, diferentes da banca tradicional, que criaram um "novo" sector paralelo, altamente concorrencial: o chamado "shadow banking", os gestores de activos, e os departamentos de "private banking" de grandes bancos internacionais que sugam os melhores clientes, subtraem negócio e comprimem as margens.

 

Por tudo isto, nenhum banco português consegue voltar às rentabilidades anteriores (concorrência e exigências da regulação que favorecem a escala e grandes desigualdades nas exigências de capitalização); é perante esta complexa situação, que se perfilam em Portugal três lógicas e estratégias diferentes.

 

A "ibérica": a banca espanhola não se pode expandir mais para a América do Sul onde já está muito exposta; fez muitos investimentos que agora rendem pouco; em contrapartida Portugal tem o mercado africano subsariano  pouco explorado, porque, basicamente, os nossos bancos estão pouco capitalizados e não têm escala; o nosso País constitui uma porta natural para a África lusófona (como ponto de partida). Assim, a banca espanhola consolidava posições em Portugal, explorava as potencialidades sobretudo de Angola, porque tem mais argumentos de capital e pode, neste novo quadro, retomar o caminho para a América Latina conjugando os dois mercados. Ambas as orlas do Atlântico são grandes produtores mundiais de matérias-primas industriais e alimentares. Em tal contexto, a Península Ibérica poderia entrar, como no passado seiscentista, na cadeia de valor e desempenhar um importante papel nos mercados das matérias-primas.

 

Diversamente, os angolanos querem ter um local de recuo seguro que Portugal lhes pode garantir. A dimensão da sua influência e o seu protagonismo vai depender de múltiplas decisões, angolanas, mas sobretudo portuguesas e europeias. Isabel dos Santos, o rosto mais visível desta estratégia, apesar de tudo, não tem dimensão para fazer algo determinante na banca ibérica, mas pode usufruir de alguns benefícios. A sua aposta na fusão BCI/BCP justifica-se pelo poder que, em conjunto com a Sonangol, poderia ter no que seria o maior banco português, enquanto no caso da OPA do CaixaBank (que, inegavelmente, inclui no negócio o Novo Banco) ficaria praticamente excluída e remetida ao angolano BFA.

 

Restam os chineses, e onde irão gastar os milhões que têm disponíveis, se quiserem avançar. A sua estratégia pode ser semelhante à acima descrita para os bancos espanhóis, procurando resultados semelhantes, sem a vertente ibérica, como é óbvio.

 

O jogo ainda mal foi aberto, mas promete muita animação para os próximos meses.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa

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